Curtia muito o inverno quando gurizote, na colônia, na casa dos avós. Ainda de madrugada saia da cama e me aninhava na coberta, ao lado do fogão a lenha. A avó, adiantando o almoço e ultimando o café dos meus tios, e o avô, vendo as tarefas para tocar a propriedade em mais um dia.
Me permiti este devaneio quando acordei, em mais um dia de chuva, na busca de forças para enfrentar mais uma caminhada, no atual longo e tenebroso inverno, que, para se curtir, de nada tem. Aliás, assim o é desde o outono, a partir do fatídico final de abril e início de maio, em que parecia o mundo ter terminado. E, para milhares de conterrâneos gaúchos, de fato acabou. Com suas propriedades, com atividades profissionais, com instalações de toda a espécie, com moradias, com a poupança de uma vida, com as recordações materiais de gerações.
Após três meses, o inverno implacável e aquele flagelo persistem para milhares de gaúchos. Incontáveis os que ainda moram em abrigos coletivos, em barracas à beira das estradas ou em casas de terceiros, sem perspectivas de reaver seus lares. Ainda afeta a profissionais que dependem da logística rodoviária funcionando (mas parcialmente destruída), a centenas de empresas devastadas, a milhares que, diariamente, se submetem a deslocamentos penosos do lar ao trabalho e vice-versa.
Este inverno desprazeiroso por certo passará, por força do calendário. Mas, quais as perspectivas de acabarem as mazelas decorrentes da catástrofe de maio?
Sob a ótica do auxílio público, afora o esforço descomunal dos Prefeitos, o que se viu até aqui são migalhas, diante da imensidão das necessidades, afora um descompasso total entre a urgência das providências e dos recursos, frente à lerdeza e burocracia nos níveis estadual e federal. Além disto, muito é conduzido sob o viés político, quando o deveria ser, unicamente, sob o prisma do econômico e do social.
A União anuncia a liberação de valores “vultosos” que, na real, representam um cinquenta avos do necessário, boa parte descolados das necessidades imediatas, afora os mecanismos lerdos pelos quais são repassados. Já no Estado, Governador e Assembléia Legislativa acabam de aprovar reestruturação no funcionalismo público que custará 8 bilhões adicionais nos próximos três anos, denotando que, o que ajudou até agora poderia ser mais, muito mais. Não que os beneficiados não o mereçam, mas o momento é inoportuno.
A continuar assim, restará à iniciativa privada – empresas e pessoas – enfrentar a longa caminhada da reconstrução, onde a tenacidade, a organização e a solidariedade serão fundamentais. Ainda bem que, pelo visto até aqui, estas virtudes, felizmente, estão presentes em todos.