No início do século XIX, boa parte do território do Vale do Taquari pertencia aos irmãos João e José Inácio Teixeira, que dividiram as terras em grandes fazendas, entre elas, a Fazenda de Conventos, hoje, Lajeado.
Mais tarde, Antônio Fialho de Vargas comprou parte dessas terras e ergueu um casarão nas proximidades do Rio Taquari, no atual bairro Carneiros. A data era 20 de março de 1855 e é considerada o marco de fundação da cidade, embora a emancipação política só tenha acontecido quase 40 anos depois, em 1891.
Naquela época, Fialho de Vargas pretendia transformar a fazenda em colônia, então iniciou a medição das terras e a divisão dos lotes, depois vendidos aos primeiros colonos alemães. Conforme pesquisas do historiador José Alfredo Schierholt, a primeira escritura de compra por um alemão data de 1856, quando João Luís Krämer adquiriu dois lotes da colônia.
Fialho de Vargas tinha seu casarão instalado no bairro Carneiros e, nas proximidades, perto do chamado “Paredão de Carneiros”, existia um pequeno porto. Ali estava estabelecida a primeira sede de Lajeado, mas a localização do porto era ruim e as constantes cheias eram um problema.
Um novo porto foi instalado às margens da atual rua Oswaldo Aranha. Nos arredores, aos poucos, começou a surgir o primeiro núcleo urbano de Lajeado, fazendo com que Fialho de Vargas abandonasse o casarão em Carneiros e construísse um novo sobrado ao lado do que hoje é a Praça da Matriz, por volta de 1870.
De sede a colônia
As terras de Carneiros então foram vendidas em lotes aos imigrantes. Entre eles, estava o avô de José Gabriel Labres, 72. “Eu nasci e me criei aqui. As terras eram do meu avô, Lindolfo Labres. Metade da várzea era dele e a outra era dos Ruschel”, conta Zé, como é conhecido.
O avô dele, hoje, dá nome a uma das principais ruas do bairro, a via Lindolfo Labres, onde inclusive está localizado o monumento de fundação da cidade. Carneiros foi moradia de Labres até maio de 2024, quando a enchente levou embora a casa e uma história de gerações.
Descendentes da família se criaram no Carneiros. Zé é um dos irmãos mais novos, e não conheceu o avô, mas ainda lembra do tempo em que a localidade não passava de uma picada, muito longe de qualquer infraestrutura urbana.
“Estudei numa pequena escola de madeira, perto do monumento de fundação de Lajeado. Aquela rua seguia por um trilho até a Bento Rosa, por onde a gente ia até o Centro”, lembra.
Época em que ninguém da vizinhança tinha carro e nem mesmo ônibus passava pela localidade. “Tínhamos a pequena igreja de madeira de Navegantes, mas eu tive que ir caminhando até a Matriz para fazer comunhão”, recorda.
A igreja de madeira depois deu lugar a uma de tijolos, por volta de 1958. “Meu pai e meus tios carregaram pedras na carroça para construir essa igreja”, conta.
Com a enchente de maio de 2024, ficou completamente destruída. Uma santinha foi colocada em meio aos destroços para lembrar o antigo local. Mais uma memória que a comunidade tenta preservar sobre uma realidade que hoje já não existe mais no Carneiros.
Somente na memória
Não muito longe de onde era a casa de Zé, o agricultor e metalúrgico Romeu João Gerhardt, 73, também recorda dos tempos antigos. Assim como o vizinho, só deixou Carneiros em 2024, quando a casa dele e dos irmãos foram destruídas pelo rio.
“Eu nasci e me criei aqui. Meu pai plantava essas terras, tínhamos galpões, lavoura, a terra era fértil. Hoje não existe mais nada”, lamenta. Agora, na falta de uma casa, Romeu tem morado junto à metalúrgica que administra há 53 anos, no bairro Florestal.
O idoso cobra ajuda do Poder Público. “Nós não temos como pagar a contratação de máquinas para tirar os entulhos, nós investimos muito para nos reerguer depois da cheia de setembro e foi tudo embora outra vez. Mas não podemos abandonar isso tudo. É nossa história, é nossa vida.”
Força para continuar
A história de Milton da Silva, 64, chamado também de Seu Presença, ficou conhecida em todo o Brasil. A casa que ele morava há mais de 30 anos, na beira do Rio Taquari, ficou comprometida com as enchentes de setembro, novembro e maio e obrigaram o morador a trocar de endereço.
“Meu pai comprou essas terras dos Labres, há quase 40 anos. Na época, falaram que a famosa enchente de 1941 nem tinha banhado o lugar da casa”, lembra Milton.
Ele se mudou para o Carneiros em 1993 e construiu atrás da casa do pai, tempo em que as ruas pareciam mais trilhos do que estradas. “Nem tinha água encanada aqui, veio só alguns anos depois que me mudei, a gente se virava com a água do rio, da lagoa dos Ruschel, dos poços vizinhos.”
Na enchente de setembro, Milton perdeu a esposa, da sacada de casa, mostra o lugar exato onde viu ela cair e se afogar. Apesar disso, Seu Presença segue como um exemplo de resiliência e trabalha na reconstrução da casa. Pretende reorganizar o espaço para retornar aos fins de semana. “Dá saudade. Criei os filhos aqui, fui feliz aqui, sempre vou querer voltar.”
Uma casa centenária
Apesar de toda a destruição causada pela enchente, entre as residências que se mantiveram de pé está uma casa centenária em estilo enxaimel na rua Bento Rosa. Construída na década de 1890, faz 90 anos que está na família de Ricardo Ewald, 63.
“Meus avós, da família Heberle, se mudaram para cá quando minha mãe tinha seis anos, na década de 1930. Aqui era interior, as terras iam até a Avenida Alberto Müller, que nem estava aberta”, conta Ewald.
Entre as memórias da família, estava a histórica enchente de 1941, que ficou a meio metro de entrar na casa enxaimel. Em maio, a casa ficou completamente submersa, mas resistiu e continua de pé.
“A casa costumava ser muito maior. Nos sábados, era inclusive usada como salão de baile pela minha avó, que fazia cerveja, pasteis, para garantir uma renda extra à família. Depois, o tufão de 1967 destruiu metade da construção”, explica.
Na infância da mãe, Ewald conta que a proximidade com o rio era muito aproveitada para banhos, para a lavagem de roupas e, ainda, para garantir o alimento. “Minha avó contava que iam para os bailes em Estrela, do outro lado do rio, atravessavam o Taquari de barco.”
Nascido no Hidráulica, Ewald lembra do caminho até a casa da avó, passando pela ponte seca da então recém inaugurada BR-386. O caminho até Carneiros era cheio de córregos. O Alto do Parque, na época, era ainda chamado de Piraí, antigo nome do bairro São Cristóvão, e era formado por propriedades rurais e plantações, em maioria, pertencentes às famílias Klein e Müller.
O surgimento do parque
As características rurais do Alto do Parque começaram a mudar na década de 1960. Isso porque em 1966 foi realizada a primeira Feira Nacional de Laticínios em Lajeado (Fenal), a origem do atual Parque do Imigrante e da Expovale.
Hoje principal avenida do bairro, a Av. Alberto Müller foi aberta nessa época, quando atravessava as terras do empresário de mesmo nome. Em 1965, Müller doou essa área para o acesso ao futuro Parque da Fenal, que ainda seria construído.
O empresário foi o fundador da histórica Casa Müller, construção centenária que ainda existe em frente à Praça da Matriz, em Lajeado. Em 1978, a avenida recebeu o nome em sua homenagem.
A Fenal foi organizada em celebração ao aniversário de 75 anos de emancipação de Lajeado, em 1966, e foi coordenada por Nilo Rotta, então presidente da feira. Foi naquela época que toda a área do Parque do Imigrante foi comprada e um único pavilhão foi erguido pelo município.
Apenas um ano depois, em 1967, o memorável tufão destruiu a estrutura e comprometeu as edições seguintes da feira. Somente em 1974, na comemoração dos 150 anos da imigração alemã ao Brasil, que outra feira foi realizada no local, sob o nome de Feira Agro-Industrial de Lajeado.
No ano seguinte, em 1975, nas comemorações dos 100 anos de imigração italiana, o espaço recebeu o nome de Parque do Imigrante, que perdura até os dias de hoje.