Área rural de Carneiros tem futuro incerto após enchente

MORADORES RESISTEM

Área rural de Carneiros tem futuro incerto após enchente

Moradores de casas que resistiram à cheia não querem abandonar o bairro, mas clamam por melhorias em infraestrutura viária e restabelecimento da energia elétrica. Governo de Lajeado e MP buscam alinhamento sobre reocupação da região

Área rural de Carneiros tem futuro incerto após enchente
Região costeira foi destruída pela enchente. Poucas casas resistiram à fúria do Taquari (Foto: Felipe Neitzke)

Três meses se passaram desde a catástrofe climática que devastou a região. O processo de reconstrução do Vale do Taquari caminha a passos lentos em algumas áreas. O bairro Carneiros, em Lajeado, é um exemplo de onde a vida ainda não voltou ao normal. Moradores das casas que resistiram à cheia histórica se queixam do abandono.

A região mais antiga do bairro, estritamente rural, não tinha grande densidade populacional antes da enchente. Mas resistia ao avanço da urbanização. Agora, o cenário é de devastação, com estradas danificadas, casas e lavouras destruídas e acúmulo de entulhos. Além disso, a falta de energia elétrica também dificulta a retomada daqueles que pretendem voltar.

Enquanto o município ainda avalia ações para o futuro do Carneiros, a comunidade eleva o tom e pede atenção à localidade. “Aqui eu me criei e fiz minha vida. São 40 anos nessa casa. Um imóvel que antes valia R$ 260 mil e agora não deve valer nem R$ 10 mil. Vou fazer o que?”, questiona Milton da Silva, morador que se tornou um líder comunitário.

As moradias que se mantiveram em pé estão situadas às margens da rua Pedro Ruschel Sobrinho, que conecta a zona rural com parte mais alta do bairro e serve de ligação com São Cristóvão e Universitário. De chão batido, a via apresenta pontos esburacados, onde a passagem de veículos é um desafio.

Pouco sobrou da casa de uma das filhas de Freitas (Foto: Mateus Souza)

Sem condições

Quando chove, tanto a Pedro Ruschel Sobrinho quanto a rua Lindolfo Labres, outra via importante e que também costeia o Rio Taquari, ficam intransitáveis. Mas a situação já foi muito pior. Para tirar o lodo e a lama da estrada, moradores se ajudaram. Alguns cederam máquinas próprias, na ausência de apoio do município.

“São 90 dias praticamente sem luz, com uma estrada péssima. Todo dia batendo com o carro nessa buraqueira. O Poder Público precisa fazer alguma coisa para nos ajudar, ao menos nessa questão da luz. Batemos todos os dias nessa tecla e sempre tem uma desculpa”, comenta o produtor rural Jaime Alves de Freitas, um dos poucos a permanecer em Carneiros.

A Certel é a responsável pelo fornecimento da energia elétrica no bairro. Porém, ele cita que há um “jogo de empurra” entre a cooperativa e o governo municipal. “Estamos fazendo as coisas aos poucos aqui, mas é muito ruim de trabalhar porque não tem luz. E o gerador tem um custo alto. Todo dia é R$ 60 de gasolina pelo menos. Temos que ser muito fortes para seguir assim”.

Mesmo com todas as dificuldades, Freitas não se vê morando em outro lugar. “Daqui uns dias, as crianças que nascem na cidade não vão mais saber o que é um pé de milho, por exemplo. Um fim de semana aqui era um paraíso. É um dos poucos locais da cidade onde as pessoas vinham para admirar a natureza”.

Reginatto
acredita ser possível retomar a atividade
rural (Foto: Felipe Neitzke)

“Não sobrou nada”

Há 24 anos, Balduíno Reginatto reside no Carneiros. Sua residência, localizada na rua Pedro Ruschel Sobrinho e próxima ao rio Taquari foi devastada pela enchente. Pouca coisa sobrou. Mesmo assim, aos 74 anos, reúne forças para recomeçar. Quando conversou com a reportagem, estava na lida.

“Foi tudo embora, não sobrou nada. Mas não tem o que fazer. Não posso simplesmente largar isso aqui de mão. São anos de trabalho”, destaca o morador. Na propriedade, criavam animais diversos. Mesmo assim, acredita em um recomeço. “Nem que seja para fazer um galpãozinho”, brinca.

Assim como outros vizinhos, no entanto, Reginatto lamenta a falta de apoio do Poder Público. “Até agora só tivemos promessas. Nada é feito para nos ajudar. Nunca passamos por isso”.

Silveira e o pai querem seguir no Carneiros (Foto: Felipe Neitzke)

“Estamos aqui todos os dias”

Isaque da Silveira é um entre muitos moradores do Carneiros que só conseguiram sair de casa na enchente de maio com resgate. Uma situação dramática, que espera não passar de novo. Ele reside próximo à Lagoa dos Ruschel e, embora sua casa fique numa parte mais elevada, ficou ilhado, bem como vizinhos próximos.

Quando as águas baixaram, Silveira, já no primeiro dia, não parou de trabalhar. Na conversa com a reportagem, auxiliava na limpeza da casa do pai, Antônio Francisco, também morador do bairro. “Estamos aqui todos os dias. Com dois tratores, arrumamos toda a estrada, pois a prefeitura nos esqueceu. Tem gente tirando barro de casa até agora”, frisa.

A família mora no bairro desde o fim da década de 1980. Silveira entende que, mesmo com a devastação causada pela cheia, é possível voltar a viver no bairro. “Se tem a oportunidade de voltar, vamos tentar de novo. Mas temos necessidades que precisam ser atendidas. Precisamos de acessos melhores e de energia elétrica. Estamos nos humilhando por algo que é básico”.

Moradores
utilizam maquinários próprios para
melhorar condições das vias (Foto: Felipe Neitzke)

Levantamento técnico

Arquiteto e urbanista e professor da Univates, Augusto Alves avalia que existem particularidades na região do Carneiros. Entende, no entanto, que a parte situada na chamada “zona de arrasto” não pode ser habitada novamente, pelo risco de uma nova inundação severa se repetir.

“São questões complicadas. O prejuízo de uma pessoa se instalar ali é individual e coletivo também. Então cabe ao Poder Público averiguar, mapear as áreas afetadas e fazer um levantamento técnico, mostrando quais áreas são realmente sujeitas ao desastre”, realça.

Em situações onde há atividade rural, Alves acredita que pode ser retomada. “É um bem da pessoa e se estiver em condições de plantar de novo, por que não desenvolver a atividade? Então também que se dê a possibilidade dela exercer isso. São casos que podem ser analisados de forma individual”.

Tratativas

Em entrevista ao programa “Frente e Verso”, da Rádio A Hora 102,9, o prefeito Marcelo Caumo admitiu a dificuldade em encontrar uma solução para moradores do bairro Carneiros. Frisa que é um dos locais que mais gera apreensão no município.

“Precisamos ter regras de habitação mais claras. Agora teremos reunião com a promotoria e a concessionária para alinharmos isso. Havia a recomendação do Ministério Público para evitar a reocupação dos imóveis nessas áreas. É preciso regrar o uso”, pontua.

Procurada pela reportagem, a Certel, por meio da assessoria de comunicação, informa que segue em tratativas com prefeitura de Lajeado e Ministério Público para buscar soluções justas a todos os envolvidos.

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