Casa do Peixe resiste e preserva a história do bairro Navegantes

símbolo de resistência

Casa do Peixe resiste e preserva a história do bairro Navegantes

Depois de passar por enchentes, o prédio centenário localizado às margens do Rio Taquari, em Arroio do Meio, é reformado para reabertura no dia 20 de setembro. Além de reativar o negócio, proprietários buscam manter tradição

Casa do Peixe resiste e preserva a história do bairro Navegantes
FOTO: BIBIANA FALEIRO
Arroio do Meio

As paredes grossas que compõem os dois andares da histórica Casa do Peixe, foram algumas das poucas estruturas que permaneceram de pé após pelo menos quatro enchentes no bairro Navegantes, em Arroio do Meio. Debaixo do lodo, aquela casa centenária resistiu e, com a bandeira do RS hasteada, virou símbolo dessa resistência, não apenas ao bairro, mas ao estado inteiro.

Depois de três reformas desde setembro de 2023, o dia 20 de setembro deste ano vai marcar a reinauguração do estabelecimento, especializado em peixes. O trabalho de reconstrução não tem apenas o negócio como objetivo, mas também busca manter tradições.

Construída em 1907, a casa, a partir da década de 1950, passou a pertencer aos pais de Solange Beatriz de Oliveira Schneider, 65, chamados Osvaldo e Irene de Oliveira. No início, havia no local um moinho, que virou um bar e churrascaria anos mais tarde.

Faz sete décadas que foi nomeada Casa do Peixe, já especializada em frutos do mar. Mas, muito antes disso, qualquer que fosse o serviço oferecido no prédio, o peixe frito sempre fez parte do cardápio, devido à proximidade com o rio.

Solange nasceu e cresceu na casa. Ajudava a mãe na cozinha desde criança, e foi entre as panelas que aprendeu a cozinhar. Há 30 anos, quando se casou com Darcísio Paulo Schneider, 65, e o marido também entrou para o negócio, Solange passou a comandar a cozinha.

“Todo o peixe que vai para a mesa eu que faço, e todo o peixe que vem para a cozinha, meu marido ajuda a limpar. Nada sai daqui sem passar pelas mãos dos dois”, afirma Solange. Ela também garante que em todas as décadas de trabalho, nunca houve uma intoxicação alimentar.

Prédio centenário foi um dos únicos que resistiu após as cheias de maio no bairro Navegantes. (Foto: FABIO KUHN)

Desafios

Osvaldo e Irene, além de terem no estabelecimento o sustento, também vieram no segundo andar, assim como Solange e Darcísio moravam. Em todas as enchentes que atingiram a estrutura, desde 1941, mesmo antes da família comandar o estabelecimento, as águas nunca atingiram o segundo andar. Desta vez, na cheia de maio, além do restaurante, a casa da família também ficou submersa.

Nas enchentes de setembro e novembro do ano passado, foram perdidos mais de mil quilos de alimentos. Ao todo, foram mais de R$ 500 mil em prejuízos já contabilizados, sem contar o que o casal deixou de receber no período.

Eles contam que após a tragédia de setembro, o restaurante foi reaberto no dia 31 de outubro. Mas só atendeu 16 dias antes da nova cheia. Duas semanas depois, o casal já havia limpado a lama e voltou a abrir as portas no dia 1 de dezembro. Na segunda-feira antes da enchente de maio de 2024, estava programada a pintura da casa que, agora, passa por reforma outra vez.

Data para reabrir

Este é o período em que o estabelecimento permaneceu mais tempo fechado. Darcísio afirma que a escolha por reabrir no dia 20 de setembro, dia do gaúcho, está ligada à bandeira que já faz parte do cenário da Casa do Peixe, depois de uma fotografia que viralizou.

Darcísio conta que a bandeira é bastante utilizada pela família, já que também tinham um galpão crioulo no terreno e sempre gostaram das tradições. Essa mesma bandeira apareceu na casa em meio aos destroços da cheia de maio e ele viu, ali, um sinal.

“Falamos, vamos hastear a bandeira, colocamos ela lá em cima. Uma tarde, eu sentei aqui, vi a bandeira, e pensei que dava uma foto bonita. Peguei uns dois ângulos, tirei uma foto e coloquei embaixo: aqui o Rio Grande renasce”.

Ele lembra que foi em um dos períodos mais críticos da tragédia. A foto foi enviada em grupos de amigos, mas chegou ao governador do estado, Eduardo Leite, que publicou em suas redes sociais.
“Aquilo estourou. Toda hora alguém vem ver. Não era nossa intenção, só queríamos dizer que, aqui, somos de fé. Hoje virou referência estadual”.

Tradição

O cardápio diferenciado, o espaço aconchegante e o atendimento familiar são características da Casa do Peixe. O prédio também virou cartão postal do município, e recebe fregueses de diversos locais do mundo.

“A história de Arroio do Meio realmente passa aqui. Uma casinha simples, mas aconchegante que chama a atenção de quem é de fora”, comenta Solange. Ela afirma que esse carinho dos clientes e a história até aqui motivaram a reabertura do espaço. “Recebemos ajuda de muitas pessoas. Eles passam aqui e dizem que somos corajosos. Com essa idade, não é fácil, mas a gente vai seguir”.

A proprietária ainda diz que quando surgiram conversas sobre abandonar o bairro, ela soube que abrir o restaurante em outro espaço não seria a mesma coisa. Parte da história que foi criada às margens do rio iria embora com a mudança.

As dificuldades são muitas e a reconstrução só é possível porque é financiada por um crédito que o casal adquiriu no banco. Ainda há muito trabalho até o 20 de setembro. Será preciso trocar forro, reformar a cozinha e fazer a pintura da estrutura, além de arrumar o pátio. Mas a expectativa é boa para a finalização dentro de um mês e meio.

Para preservar a história

Antiga Casa do Peixe. (Foto: arquivo)

Historiador e coordenador da Casa do Museu de Arroio do Meio, Sérgio Nunes Lopes destaca a importância do patrimônio edificado. Ele diz que, assim que começou a se falar em preservação do Patrimônio Histórico e Cultural do Brasil, a categoria de pedra e cal, ou seja, o edificado, foi um dos primeiros a receber atenção.

Conforme o historiador, na década de 1930, as cidades coloniais de Minas Gerais foram as primeiras a receberem atenção. Por outro lado, fala da exposição desses espaços. “Esse tipo de patrimônio, o edificado, é um dos mais sensíveis às mudanças climáticas que impõem demandas específicas de cada contexto socioambiental”, reforça Lopes.

O historiador ainda diz que todos os projetos de restauro, preservação e uso precisam ter em conta as dinâmicas impostas pelas alterações dos eventos extremos que serão cada vez mais intensos e frequentes. Nesse contexto, também estão as enchentes.

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