A economia circular é um conceito o que faz parte do desenvolvimento sustentável e une economia e sustentabilidade. Propõe otimizar o ciclo produtivo e o processo de fabricação com menor uso de matéria-prima (recursos naturais virgens). Os resíduos de uma indústria, por exemplo, podem servir como matéria-prima reciclada à outra indústria. A economia circular propõe meios de reduzir o descarte, dando vida mais longa a cada produto, a fim de mantê-los no ciclo produtivo.
“Em termos de paradigma, ainda existem muitas empresas trabalhando em sistema linear”, afirma a economista e pesquisadora Fernanda Sindelar. Nesse modelo, de forma geral, a empresa extrai recursos, produz e distribui. A sociedade consome e quando não tem mais utilidade, o bem é descartado no lixo. A economia, destaca Fernanda, para evoluir e crescer, precisou do sistema linear em determinado período. Um exemplo é a obsolescência programada. O produto tinha um tempo de uso, depois deixava de funcionar. O consumidor tinha a necessidade de adquirir pela segunda vez. “Era consumir para economia girar e as empresas ganharem mais”.
Nos últimos 50, 60 anos, passou-se a ter um consumo exagerado de recursos. “Hoje, a sociedade consome muito mais recursos do que o planeta tem capacidade de regenerar.” Conforme a economista, isso faz com que se extinga recursos, espécies vão sumindo, animais vão entrando na lista de ameaçados de extinção e assim por diante.
Os primeiros alertas
Desde as décadas de 1960 /1970, de forma mais espaçada, e depois mais frequente e latente, de 30 anos para cá, organizações como a ONU e suas subsidiadas e grupos de pesquisadores passaram destacar a importância de se pensar ações para tornar o desenvolvimento sustentável. Começaram a aparecer os problemas ambientais, climáticos. “Tudo que estamos vivendo atualmente, aqui, é consequência direta dos efeitos climáticos”.
Nas duas últimas décadas, se tornou urgente a necessidade de pensar num processo de economia circular – a ideia é pensar que somos um só processo, fechado. Há produção de bens, mas no momento do descarte, inclusive os resíduos gerados nos processos de produção, ele deve ser reintroduzido ao ciclo natural de sistema fechado. “Não posso excluir nada, não posso mandar para o aterro sanitário para descarte, tenho que aproveitar tudo daquele bem a fim de reduzir o consumo de materiais novos,” explica. A economia circular tem a ver com o sistema de logística reversa, por exemplo. “Não somos empresas isoladas cada uma fazendo uma coisa. Podemos, inclusive, trabalhar em parceria”, sugere.
Fazer a coisa certa
Fernanda observa que diante da piora do quadro ambiental, nas últimas décadas, tem-se percebido um movimento mais consciente. Os novos consumidores já olham para as características da empresa. Observam se é sustentável. “O plástico é um grande problema, mas há fabricantes que estão usando plástico verde ou que sejam reaproveitáveis em vez de descartáveis.”
Elos da corrente
A economia circular não é só olhar para os processos internos, mas envolver parceiros, fornecedores, que tenham a mesma preocupação. O campo da pesquisa, cita a economista, avançou muito no Brasil no sentido de encontrar alternativas. “O que me parece um grande gargalo é conseguir fazer com que as pessoas, os consumidores, possam aderir às campanhas de descarte consciente.” Ela dá exemplos de fabricantes que usam plástico de impressoras velhas para fabricar novas, de prefeituras que fazem campanhas de descarte, mas a adesão poderia ser muito maior.
Na visão de Fernanda, a mudança na sociedade precisa mais ser consistente. Hoje, o Brasil recicla 99% das latinhas de alumínio. Em contrapartida, não chega a 2% o volume de plástico reciclado. No ambiente, é um dos materiais mais poluentes, podendo demorar mais 400 anos para se decompor. Das garrafas pet, o aproveitamento é das tampas, por conta do valor pago aos catadores.
O consumo também deve ser repensado. “O que estou comprando é realmente necessário? Nas doações no período da enchente chegaram peças de roupa com etiquetas, compraram e não usaram, então não eram necessárias. Isso é assustador!”
‘Rs’
Começou com três Rs, mas já são dez:
- Respeitar
- Responsabilizar-se
- Repensar
- Repassar
- Recusar
- Reduzir
- Reparar
- Reutilizar
- Reciclar
- Reintegrar
A prática veio antes mesmo de surgir o conceito
Na família Herrmann, antes mesmo de existir o conceito, a economia circular já era praticada. As roupas passavam de irmã para irmã. “Em toda a minha infância, acho que recebi dez brinquedos prontos, os demais eram criados. Retalhos de costura viravam bonecas de pano, lembra a empresária e consultora de imagem, Patrícia Herrmann. O empreendedorismo também passou por gerações. A mãe, Ilse, queria ter o próprio negócio e manter a família, filhos, próximos dela. Tornou-se costureira. Uma das filhas, viu ali a oportunidade de abrir uma loja, a Paty’s Modas, em Cruzeiro do Sul. Em 2017, já com sede em Santa Clara do Sul, a Paty’s recebeu o prêmio nacional de Gestão de Micro e Pequenas Empresas, do Sebrae.
Sonho
O sonho de Patrícia era morar na Alemanha, mas foi quando estava na Antuérpia (Bélgica) que ela teve o primeiro contato com o conceito economia circular. Em 2018, voltou a Santa Clara e assumiu a loja com novas propostas. Na bagagem, trouxe um novo olhar ao meio ambiente e à forma de comércio.
Da vez outra vez
O próprio nome diz muito sobre o negócio: Davez. A loja física, na rua Pinheiro Machado, em Lajeado, nasceu com a proposta de desmistificar a compra e a venda de roupas de segunda mão, os antigos brechós. E também dar a cada peça a chance de entrar na moda outra vez.
A design de Moda e gerente da Davez, Fiorella Bucheli, conta que durante a pandemia eram feitos bazares ao ar livre em vários pontos da cidade. A aceitação foi boa e percebeu-se a oportunidade de criar uma loja física no conceito moda circular. “Desta forma, poderíamos oferecer mais conforto, com provadores, espelhos e expositores.”
Da rede de Lojas Dullius, a Davez aprimorou seu sistema. A loja cadastra os fornecedores – pessoas que têm peças disponíveis. Todas as roupas passam por curadoria – estado, marca, modelagem, entre outros itens – e são higienizadas. Um relatório é enviado ao fornecedor, com o preço sugerido. Entrando em acordo, às peças são colocadas à venda, e o antigo dono recebe um bônus de compra na Loja Dullius.
Fiorella destaca que peças que não estão de acordo com o perfil da Davez são sugeridas ao fornecedor que sejam encaminhadas à doação. A própria loja se encarrega de entregar para entidades beneficentes.
As peças à venda na Davez têm valores acessíveis, ressalta Fiorella. Na loja, os consumidores recebem sugestões para montar looks, orientações sobre combinações de cores e modelos, respeitando o estilo de cada um.
Para Fiorella, o sistema da Davez apresenta ao cliente uma nova forma de consumo, mais consciente. E complementa: “Garimpar é uma arte. Na moda, não existe certo e errado.”
Para quem fornece as roupas, calçados e acessórios é uma maneira de liberar energia parada, contribuir para economia circular e para o meio ambiente. “Se não usa mais, evite descartar, prolongue a vida útil das peças. Seja sustentável, não existe planeta B.”
Saiba mais
A economia circular é um conceito que repensa as práticas econômicas a longo prazo, indo além daqueles famosos três “R”s – reduzir, reutilizar e reciclar – pois ela une, pelo menos na teoria, o modelo sustentável com o ritmo tecnológico e comercial do mundo moderno, que não pode ser ignorado.
Entrevista
“Existia muito descarte”
Viver Cidades – Como começou a introduzir novos conceitos em seu negócio?
Patrícia Herrmann – Quando passei a atuar como consultora de imagem e fazer este trabalho de detox de guarda-roupa, organização, descarte, eu tinha o indicador que 80% das peças do guarda-roupa feminino não eram usadas. Existia muito descarte. Ficava diante de peças boas e não tinha a solução de destino. Teve dois casos emblemáticos: tirei 18 sacos de dentro do guarda-roupa de uma cliente; e outra era plus size, tinha feito cirurgia bariátrica e perdido peso muito rápido – não tinha o que vestir. Ela tinha guarda-roupa lotado de peças que não serviam mais. Ali me deu um insight de criar algo que oportunizasse uma nova história para aquelas peças.
Qual foi a sua ideia?
Tinha pouco tempo para participar efetivamente de entidades beneficentes. Então, decidi conciliar o meu trabalho, ajudar as pessoas e fazer a diferença não só no sentido ambiental, mas também na parte social. Assim surgiu o Bazar do Bem, 100% conceito circular. As peças que já tinham uma história passaram a ter mais uma. E o preço mais em conta faz a diferença na vida de outras pessoas.
Como funciona o projeto novo varejo?
A fórmula do novo varejo surgiu de várias necessidades do setor. O varejista, muitas vezes, tem dificuldade de ter fluxo de caixa, tem excesso de estoque, enfrenta o desafio de trazer novos clientes. Além disso, os consumidores exigem das empresas uma contrapartida no sentido de responsabilidade social e ambiental. As pessoas, as famílias consomem de maneira excessiva objetos de decoração, brinquedos, livros, etc. Estes itens podem ser o estoque do varejo. Ao levar na loja, o cliente recebe créditos. E depois retorna para adquirir outros produtos. O comerciante se capitaliza e pode ter uma projeção de venda. A empresa cumpre seu papel social e ambiental. Implantei a metodologia no meu negócio, depois compartilhei com colegas lojistas e também com outros segmentos. Assim surgiu a fórmula que está rodando em vários varejos da região.
A castástrofe provocada pela enchente te motiva buscar meios de fortalecer a economia circular, a sustentabilidade?
Estamos falando em catástrofe ambiental, mas as pessoas acham que é azar ou outras razões… Vivemos voltados ao consumo excessivo. Por conta disso, provocamos mudanças e alterarmos o sistema. E estamos pagando um preço muito alto. Precisamos trabalhar a questão circular e sustentável como nicho de mercado. Se olharmos as previsões e os indicadores dos segmentos que mais vão crescer está a economia circular, ainda bem!
Quais os seus propósitos daqui para frente?
O que começou como Paty’s Moda, em Picada Augusta, Cruzeiro do Sul, hoje se transformou na Casa Pat ´s, onde existe a jornada completa. A mulher entra nesta jornada por meio do autoconhecimento, afinal temos consultoria de imagem e sou pós-graduada em psicologia do vestir. A ideia é que a pessoa se conheça, passe a ter consciência e quando ela for para o seu guarda-roupa fazer descartes, ela tenha um lugar que é o Bazar do Bem, onde ela ajuda entidades. Isso gera créditos, para que daí sim ela possa adquirir itens que a represente. Hoje funciona, dá certo, sou super realizada, porém é um trabalho de formiguinha, embora já tenha feito este trabalho com mais de 7 mil mulheres. Então, o meu propósito é disseminar isso aos quatro ventos, fazer com que, de fato, a gente possa ter um novo varejo, com mais significado.