Deslizamentos de terra, alagamentos sobre a pista, viadutos e pontes atingidas por inundações de rios e arroios. Em quase seis décadas de existência, a BR-386 nunca havia sido impactada por um evento climático da forma como ocorreu em maio. Como resultado, a rodovia apresenta trechos que precisam ser reconstruídos. E o prazo preocupa gestores públicos, empresários e comunidade.
Na estimativa mais otimista da CCR ViaSul, o restabelecimento pleno das condições ideais da rodovia só ocorrerá no primeiro semestre de 2025. Trechos como as imediações do quilômetro 297, de Pouso Novo, apresentam os maiores desafios. São obras complexas, que exigem um ritmo intenso de trabalhos paciência de motoristas.
Em nota encaminhada à reportagem, a concessionária detalha as intervenções no local. Uma via emergencial provisória foi implantada para evitar a interrupção do trânsito. O fluxo em sistema de pare e siga, no entanto, gera lentidão no deslocamento de veículos.
“Além das ações de recuperação da rodovia e da contenção dos taludes, as equipes atuam, em paralelo, na manutenção do trecho utilizado por veículos. No ponto, trabalham cerca de 15 pessoas, quatro caminhões, motoniveladora, escavadeira e retroescavadeira”, cita.
Essas máquinas atuam em intervenções como o espalhamento de material fresado para melhoria da pista provisória, limpeza e manutenção da sinalização viária do trecho. As obras de manutenção, focorrem pelo menos três vezes por semana, independente das condições climáticas.
Busca por explicações
A comunicação entre concessionária e municípios, no entanto, apresenta falhas, o que causa prejuízos à comunidade. Prefeito de Pouso Novo, Moacir Severgnini admite a dificuldade de contato para conseguir informações precisas a população.
Segundo o prefeito, o problema maior acontece justamente no quilômetro 297, em virtude dos congestionamentos. “Há pessoas que esperam até cinco horas para atravessar a BR. Com as chuvas dessa semana, a quantidade de buracos que acabaram abrindo é muito grande. O que os engenheiros nos repassam é que ali é o trecho mais complicado de toda a BR”, comenta.
Severgnini está na expectativa de, na segunda-feira, contar com um retorno mais preciso, até da possibilidade da execução de uma elevada. “Tivemos que cancelar as aulas porque a única escola municipal que temos fica do outro lado do quilômetro 287. Os alunos ficaram, nessa semana, três horas dentro de um ônibus. Imagina o motorista com as crianças ali, e os pais preocupados”.
No entorno, rachaduras assustam quem passa pelo local. Duas residências foram comprometidas pelo deslizamento e estão condenadas. Os antigos moradores foram realocados em locais mais seguros.
Prioridade máxima
Para o setor logístico, os impactos com os problemas na BR-386 são significativos. Se os danos que obrigaram a CCR a executar alterações no fluxo da ponte sobre o Arroio Boa Vista, em Estrela, preocupavam autoridades, a destruição da rodovia na serra de Pouso Novo é ainda mais alarmante.
Diretor de Infraestrutura e Logística da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari (CIC-VT), Diego Tomasi entende que o trecho deve ser priorizado “ao máximo” pela concessionária neste momento, assim como ocorreu na ponte sobre o Rio Taquari para que a passagem de veículos fosse liberada.
“Não adianta mais liberar um corredor para os caminhões passarem. É importante que sejam feitas obras que garantam a segurança deste trecho. Por isso, a CCR precisa dar atenção especial, pois é uma ligação essencial para a economia. Grande parte do PIB estadual passa por ali. Tem que ser prioridade, e não ficar em segundo plano”, pontua.
Também integrante da diretoria do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga e Logística do RS (Setcergs), Tomasi busca manter canal direto com CCR em busca de posicionamentos sobre o andamento das obras na BR. “Pedimos que tenha agilidade, seja pelo aumento do custo logístico ou pela questão da segurança”.
Adequações em projetos
A destruição de trechos na RSC-287 fez com que a concessionária daquela rodovia, a Rota de Santa Maria, anunciasse replanejamento e antecipações em obras de duplicação. Para a BR-386, gestores aguardam por movimentações semelhantes. Severgnini acredita que o trecho de Pouso Novo deveria ser priorizado neste sentido.
“A duplicação aqui está prevista para iniciar em 2028. Mas estamos avaliando, via Ministério Público Federal, pressionar para que seja antecipada. Estamos ligando para deputados também para que nos apoiem”.
Tomasi concorda. Para ele, como será executada a recuperação da estrutura da rodovia naquela região, a antecipação seria possível. “Vai ter maquinário em toda a região. Não podemos nos acostumar com o mais ou o menos. Precisamos de uma rodovia duplicada neste trecho, isso vai trazer qualidade, segurança e redução de custos”.
Na nota encaminhada à reportagem, a concessionária afirma que não há definição sobre mudanças no projeto de duplicação. Por enquanto, permanece o prazo inicial previsto, para a partir de 2026.
Celeridade
Prefeito de Bom Retiro do Sul e presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), Edmilson Busatto esteve em reunião esta semana na sede da CCR, em Porto Alegre. Entre os pedidos levados, está o da criação de um canal de conversa mais rápido e eficiente com a concessionária.
“Isso ficou acertado que vamos ter. Um funcionário de São Paulo virá trabalhar aqui no RS, estará mais presente nos municípios”, revelou. Também ficou acertado um encontro virtual dos prefeitos com representantes da CCR, onde serão tratadas de questões como antecipação de inclusão de obras no contrato de concessão da BR-386.
Busatto espera que, com as mudanças, os municípios voltem a ter uma relação mais tranquila e eficiente com a concessionária. “Precisamos de celeridade no atendimento das demandas referentes à 386. Na ponte do Arroio Boa Vista, por exemplo, deveriam ter comunicado melhor a população. Precisam assumir a responsabilidade para que não fique tudo nas costas dos prefeitos”.
A recuperação da 386
- Com mais de 60 pontos danificados ao longo da rodovia, a CCR pretende executar a reconstrução definitiva da BR-386 até o fim do primeiro semestre de 2025;
- Ao todo, a concessionária estima um investimento total de R$ 250 milhões para os reparos. Como efeito de comparação, a duplicação entre Lajeado e Marques de Souza tinha custo inicial de R$ 300 milhões;
- Cerca de R$ 132 milhões serão destinados à recuperação de taludes e terraplenagem, enquanto R$ 43 milhões serão direcionados para reconstrução das pontes e viadutos danificados.
Opinião | A CCR precisa prestar contas!
O prefeito de Pouso Novo foi enfático ao reclamar da falta de diálogo e informações por parte da CCR ViaSul. A queixa foi registrada durante entrevista concedida nessa sexta-feira para a Rádio A Hora. E ele não foi o primeiro a relatar a pressão gerada por essa falta de transparência. Assim como outros prefeitos do Vale do Taquari, Moacir Severgnini é cobrado pela comunidade por não apresentar respostas e cronogramas para as necessárias obras de reconstrução da BR-386. No caso dele, o problema maior é o quilômetro 297, que divide a cidade e hoje tem gerado inclusive a suspensão das aulas em determinados momentos. Por lá, um trecho com pouco mais de 150 metros de extensão foi devastado após uma queda de barreira.
A queixa de Severgnini, reforço, já foi compartilhada por outros gestores municipais. Não por menos, o governo de Marques de Souza buscou auxílio junto ao Ministério Público Federal e, por muito pouco, não conquistou na justiça a suspensão da cobrança de pedágio em toda a extensão da rodovia federal. Em Lajeado e Estrela, os prefeitos também já se manifestaram publicamente por mais agilidade e diálogo com os representantes da concessionária. Há quem diga, inclusive, que a falta de diálogo com líderes municipais e regionais e a indisponibilidade de determinados cronogramas são estratégias de mercado do gigante Grupo CCR. Sobre suposições, prefiro não comentar. Eu prefiro utilizar as reclamações para conclamar mais transparência por parte de quem precisa, sim, prestar contas.