Estado erra previsão e expõe fragilidade em sistema de alerta

TEMPO NO VALE

Estado erra previsão e expõe fragilidade em sistema de alerta

Sala de Situação alertava para o Rio Taquari superar 28 metros até o meio dia de hoje. Chuva esperada foi abaixo e novo relatório afasta chance de repique

Estado erra previsão e expõe fragilidade em sistema de alerta
Governador Eduardo Leite junto com comitiva da Defesa Civil veio a Lajeado para acompanhar estratégias de atendimento para inundação de 28 metros. Situação não se confirma e abre debate sobre modelo de alerta
Vale do Taquari

As análises da meteorologia da Sala de Situação apontavam a necessidade de um plano de contingência para uma grande inundação. A chuva prevista ficou abaixo do esperado e o risco de uma nova elevação do Rio Taquari foi afastada

“Existe muita variação nos indicativos meteorológicos. Tudo que é visto das imagens dos satélites são interpretativos. Depende de cada profissional”, diz o professor da Universidade Federal de Santa Maria, Daniel Caetano.

No Estado, há duas agências públicas com meteorologistas e hidrólogos. Esse grupo auxilia a tomada de decisão pelos agentes públicos. Uma é a Sala de Situação, ligada à Secretaria de Meio Ambiente, que serve de referência à Defesa Civil estadual, outra em Pelotas, o CPPMet, que conta com apoio técnico da Universidade Federal (Ufpel).

A Sala de Situação emite alerta para todos os 497 municípios gaúchos. Já a unidade do sul, fica para a região do pampa gaúcho. “As ferramentas que usam são as mesmas. As condições atmosféricas são muito dinâmicas. Há mais assertividade no prognóstico de até 24 horas”, destaca Caetano.

Neste trabalho, há diversas lacunas, reconhece o pesquisador. “Começa com a interpretação, que pode ser falha, depois a forma de comunicar com o agente responsável por tomar a decisão. Somado a isso, a insuficiência de radares, sensores, pluviômetros e redundância de réguas para medição hidrológica dos mananciais.”

Ao meio dia de ontem, foi refeito o relatório da Defesa Civil estadual, a partir dos novos prognósticos da Sala de Situação. Pelo comunicado, o volume de chuva foi abaixo do esperado no Planalto gaúcho. Novas análises mostraram que as massas de chuva se deslocaram para a Região Norte, na divisa com Santa Catarina e se encaminharam para o oceano.

Com isso, ainda há chance de chuvas, mas em menor acumulado, de no máximo 60 milímetros para os próximos quatro dias. “Assim informamos que os efeitos do alerta de inundação foram superados, sem que persista a necessidade de manutenção das medidas de contingência adotadas em razão da previsão anteriormente formulada”, diz a coordenação em nota.

Previsão era de até 250 milímetros em três dias nas cabeceiras do Taquari. Informação chegou quando havia redução na vazão de água em Castro Alves. Ontem, Rio Taquari começou a recuar

Dia do alerta e o preparo

A operação de socorro estava pronta na noite de segunda-feira. Efetivo dos bombeiros, das polícias e Defesa Civil em prontidão para uma nova inundação de grande porte na bacia do Taquari/Antas. O governador Eduardo Leite veio de Porto Alegre para acompanhar as estratégias adotadas.

Dois helicópteros estavam em prontidão, junco com o aviso para uso de caminhões voltados às retiradas dos pertences das famílias. Militares do Exército para ajudar no amparo e no carregamento dos mobiliários e eletrodomésticos.

A tensão no quartel dos bombeiros de Lajeado dava conta de uma nova crise iminente, afinal de contas, a Sala de Situação do Estado previa três dias de chuva forte sobre o Vale do Taquari e, mais do que isso, nas cabeceiras.

“Como não chove tanto aqui na região, isso faz com que as pessoas não tenham noção do quanto de água está para descer”, previa o coordenador regional da Defesa Civil, comandante Claiton Marmitt.

Pelo relatório da Sala de Situação, em três dias os acumulados chegariam a 150 milímetros na parte baixa da bacia, pegando em especial Lajeado e Estrela. Somado a isso, entre 250 a 300 milímetros na foz do Rio das Antas, onde estão os rios Carreiro, Guaporé, além de córregos e arroios que descem para o Taquari.

A coordenação da Defesa Civil do Estado decidiu pela força-tarefa antecipada. Junto com o comando regional, contabilizava a cota 28 no Porto de Estrela. Número que fica entre as cinco maiores medições da história.

Com esses números, a retirada das famílias começaria já pela manhã. Foi ordenado também a suspensão das aulas em escolas nesta margem de segurança, que estão na cota 28. Alguns municípios se anteciparam e foram aos canais de comunicação alertar a comunidade. Tudo indicava para uma inundação como a de novembro do ano passado.

Nada se confirmou. A chuva não chegou a 25 milímetros em toda a bacia. Em toda essa organização, integrantes dos grupos de socorro do Vale do Taquari tinham informações diversas.

A comunicação com muitos ruídos e interpretações dúbias. O próprio governador Eduardo Leite reconheceu a dificuldade em ser assertivo, pelos modelos meteorológicos serem complexos, com diferentes interpretações.

Perda de credibilidade

A reação dentro dos grupos municipais foi grande. “É tanta informação, um diz uma coisa, depois é outra. Fica difícil uma ação coordenada”, diz um agente público da região. O grupo de atuação no Vale inclusive questiona os dados e cálculos hidrológicos.

Mesmo sem ter profissionais especializados na área, os indicativos ainda na noite de segunda-feira contrastavam com o Estado. A primeira é sobre os níveis dos rios que aumentariam no decorrer da noite.

Por volta das 20 horas dessa segunda, a barragem de Castro Alves até a régua de Muçum apresentava declínio. Uma nova elevação parecia pouco provável, diz o servidor. “Outro detalhe, é que o volume de chuva previsto para as cabeceiras nem tinha se confirmado ou iniciado, a ponto de trazer uma informação de tamanha importância, com tamanho pavor a população.”

Em cima disso, houve impacto para famílias, empresários, voluntários que forneceram veículos. Para ele, é preciso informações objetivas e claras para que possam ser transmitidas às comunidades com confiança e não para gerar mais pânico.

Detalhes

  • Erro na previsão:

A Sala de Situação previu que o Rio Taquari ultrapassaria 28 metros, mas a chuva foi menos intensa do que o esperado e um novo relatório descartou o risco de nova elevação do rio.

  • Sistema de Alerta:

No Estado, existem duas agências públicas que auxiliam na tomada de decisão: a Sala de Situação e o CPPMet em Pelotas.

  • Ferramentas e Assertividade:

Ambas usam as mesmas ferramentas para análises, com base em modelos de satélites de grandes agências internacionais.

  • Lacunas no sistema:

Existem falhas na interpretação, comunicação e insuficiência de equipamentos como radares e pluviômetros.

  • Relatório atual:

A Defesa Civil estadual indica que a chuva no Planalto gaúcho foi abaixo do esperado e as massas se deslocaram para o Norte.

  • Previsão atualizada:

Há chance de chuvas com acumulado máximo de 60 milímetros para os próximos quatro dias.

Radar chega ao RS

O governador Eduardo Leite destaca que existe um plano para dotar o RS de mais equipamentos para melhorar previsibilidade e acompanhamento das chuvas e elevações dos rios.

De acordo com ele, há uma série de investimentos e o orçamento total é estimado em R$ 300 milhões. Um deles chegou ontem, na cidade de Montenegro. Trata-se do novo radar meteorológico.

A iniciativa faz parte do Plano Rio Grande, que visa mitigar os efeitos das inundações e melhorar a resiliência climática no estado.

O radar terá a capacidade de monitorar o clima em uma área que inclui a Região Metropolitana de Porto Alegre, o Vale do Taquari e a Serra. A expectativa é que a instalação comece no segundo semestre

Radar meteorológico chegou a Montenegro. Equipamento tem capacidade de ampliar informações sobre tamanho das nuvens e quantidade de chuva na bacia do Taquari, Sinos e Região Metropolitana

Núcleos regionais e mais conhecimento

O ex-diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (Cemaden), atual diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Osvaldo Moraes, defende a instalação de mais salas de monitoramento no RS.

“O Estado forma hidrólogos, geólogos, meteorologistas e outros especialistas de muita qualidade que estão em outras regiões do país porque eles não têm onde atuar. O Rio Grande do Sul falha em não absorver essa mão de obra. Temos grandes centros em todo o país que têm gaúchos como principais especialistas.”

Junto com isso, é preciso estabelecer de sistemas de gerenciamento de crise que sejam robustos, com base em informações técnicas e integrados com as vulnerabilidades locais. “Não podemos atuar só depois que o rio chega. É necessário antecipar.

Para isso, a ferramenta da comunicação assertiva é fundamental. “Esse é um sistema amplo que precisa ser aprofundado e envolve as funções técnicas para quem toma a decisão. As pessoas precisam não apenas receber alertas do Estado, mas acreditar neles.

Conforme Moraes, é preciso dotar os órgãos públicos de conhecimento, com facilidade de acesso e objetividade nos alertas. Esses sistemas complexos de prevenção, monitoramento, alerta e socorro precisam de conhecimentos distintos, desde hidrologia, geologia, meteorologia, passando por ciências sociais e assistência técnica às famílias vulneráveis.

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