Nenhuma casa entregue no Vale pelos governos

promessa não cumprida

Nenhuma casa entregue no Vale pelos governos

Desde a enchente de setembro do ano passado, foram prometidas mais de 1,6 mil habitações. Passadas outras três inundações, apenas 28 unidades temporárias, a partir de parceria com o Sinduscon-RS, foram finalizadas

Nenhuma casa entregue no Vale pelos governos
No bairro Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul, foram pelo menos 500 casas destruídas. Nem o asfalto na ligação secundária ao centro do município resistiu a força da água. (Fotos: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

Falta de licenciamento ambiental das áreas escolhidas para receber moradias, licitação deserta, atraso no depósito dos recursos e falhas nos projetos entregues à instituição financeira. Essas são algumas justificativas para o fato de nenhuma das residências prometidas pelos governos federal e estadual terem sido finalizadas no Vale do Taquari desde a inundação de setembro do ano passado.

De lá para cá, outros três episódios prejudicaram a região. Na pior enchente já vista, em maio, o total de estragos nos imóveis ainda é desconhecido. Grupos de voluntários, de engenheiros e técnicos, bem como as equipes das defesas civis, avaliam as estruturas.

De antemão, a análise aponta para mais de dez mil construções atingidas, com grande parte destruída ou com a estrutura comprometida.

Em Cruzeiro do Sul, por exemplo, os bairros Vila Zwirtes e Passo de Estrela foram devastados. São mais de 600 moradias destruídas. “Não temos nem como recomeçar. Estamos aguardando algum sinal. Cada dia que passa é uma angústia”, diz Carlos Souza. Ele estava em um abrigo, ficou alguns dias e foi para casa de familiares. “Não consigo nem mais identificar onde a gente morava”, lamenta.

Em Muçum, o cenário também é desolador. “Nenhuma casa permanente foi entregue desde setembro do ano passado”, assegura o prefeito Mateus Trojan.

De acordo com ele, o obstáculo é o licenciamento ambiental. “O processo está paralisado há quatro meses, impedindo o progresso na entrega das residências prometidas”.

Embora o município tenha feito esforços na busca por áreas seguras, longe das cotas de inundação e de risco de deslizamentos, e também na desapropriação de terrenos, a falta de laudo por parte da Secretaria Estadual de Meio Ambiente impede a continuidade do processo de contratação das moradias previstas pelo programa Minha Casa Minha Vida Calamidade.

Os projetos aprovados pela Caixa e na expectativa de começar ficam no Loteamento Cidade Alta e em área do bairro Batalhão. Foram autorizadas pelo governo federal na primeira leva de moradias, 209 construções.

Porém, como o déficit aumentou após a inundação do início de maio, serão feitos mais cadastros. O que pode elevar para quase 500 o total de unidades liberadas.

Entrada para o bairro Conservas. Sem ter mais casa, famílias dependem dos abrigos do município e tentam cadastro para receber aluguel social enquanto esperam casas governamentais

Em março, no dia 15, uma caravana presidencial esteve no Vale do Taquari. Em cerimônia no teatro da Univates, em Lajeado, o governo federal anunciou a contratação de 857 novas moradias do Minha Casa, Minha Vida em 13 municípios.

Desde o ano passado, contabilizando as construções do MCMV, junto com os anúncios do Estado, dos programas de moradias rurais e das habitações pela Defesa Civil, o montante de unidades habitacionais previstas na região passa de 1,6 mil.

Apenas moradias temporárias

As unidades feitas na parceria entre governo do Estado e Sindicato das Construtoras (Sinduscon-RS) foram apresentadas em outubro e levariam no máximo dois meses para serem concluídas.

Porém, das 48 casas previstas, apenas 28 foram concluídas e entregues em 19 de abril, com um atraso de mais de 140 dias. A entrega foi em Arroio do Meio, com a presença do vice-governador, Gabriel Souza. As outras 20 são em Roca Sales, ainda não finalizadas.

Uma outra frente de trabalho, por meio de fundo do Ministério Público (MP), Arroio do Meio foi contemplado com 42 unidades definitivas. A inundação de setembro, diz o prefeito Danilo Bruxel, danificou mais de mil moradias.

No total, foram 388 condenadas pela Defesa Civil. Além das 70 moradias (28 provisórias e 42 pelo convênio com o MP), o governo do município pretende comprar terrenos para construir 100 casas pelo Minha Casa Minha Vida Calamidade.

A inundação de maio aumentou o déficit habitacional no município. O bairro Navegantes, um dos mais atingidos, tem cerca de 400 moradias. O levantamento preliminar sobre as condições dos imóveis aponta pelo menos a metade sem condições de abrigar as famílias.

Sobre a demora em entregar as casas provisórias, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Habitação, afirma que o compromisso do Executivo gaúcho foi de prestar assessoria técnica e coordenar as ações para os municípios viabilizarem soluções mais céleres.

A parceria com o Sinduscon-RS foi para elaboração dos projetos e os materiais usados por meio de doações ao conceder isenções fiscais aos donatários privados.

Do anúncio à prática

O prefeito de Estrela, Elmar Schneider, durante visita da comitiva federal e estadual à região nessa quinta-feira, 30 de maio, cobrou mais efetividade dos programas anunciados para socorro dos municípios.

“Do anúncio até a prática existe uma distância muito grande. Sei que não é vontade do presidente, do governador, do vice, ou do deputado Pimenta (Paulo Pimenta, ministro extraordinário da Reconstrução). Mas as pessoas estão cansadas. Em outras enchentes, perderam apenas uma parte da casa. Agora, foi tudo. A casa, mas também a escola dos filhos”, relata Schneider.

Na inundação de setembro, mais de 2,7 mil moradias de Estrela foram atingidas pelas águas. Deste total, 124 destruídas e 458 condenadas. O governo do município protocolou na Caixa Econômica Federal a construção de 341 residências pelo MCMV Calamidade. Em março, foram aprovadas 100 construções.

Na tragédia de maio, bairros inteiros foram devastados. O loteamento Marmitt, Moinhos e o Indústrias tiveram mais prejuízos. Em diagnóstico preliminar, são pelo menos mais 2 mil imóveis sem condições de abrigar famílias. No total, o episódio extremo atingiu 46% da população de Estrela (algo em torno de 15 mil pessoas). Foram 7 mil moradias com prejuízos derivados da chegada da água.

“Precisamos saber quais são os motivos das travas”

Nomeado pelo presidente Lula para ser o interlocutor do Estado do RS, dos municípios e da comunidade gaúcha com o governo federal, o ministro extraordinário da Reconstrução, Paulo Pimenta, esteve na região na tarde de sexta-feira, 31.

“Minha obrigação é estar perto. Visitar todas as localidades do nosso estado que foram atingidas. Precisamos saber quais são os motivos das travas. Quero passar o pente-fino, saber o que andou e o que não andou, seja os recursos às empresas, o apoio à agricultura, a reconstrução das escolas, dos hospitais e das moradias”, afirma.

Como cada um dos setores governamentais tem uma sistemática, o ministro afirma que vai atuar para reduzir as distâncias entre os projetos e a execução. “Existem normas no setor público. O que vamos fazer é avaliar quais podem ser flexibilizadas.”

Em cima disso, no que tange o setor de habitação, a equipe do ministério vai analisar cada um dos projetos inscritos e verificar quais os motivos. “Vamos ver obra a obra, casa a casa, detalhe por detalhe e saber se foi o licenciamento ambiental, se foi erro no projeto, se foi licitação deserta. O que não podemos é travar o socorro por causa de algum burocrata que fica meses para emitir um laudo.”

Revisão nos programas de habitação

A reconstrução das moradias parte de organização do Ministério das Cidades. Para agilizar as entregas, são feitas atualizações nos modelos, confira algumas:

  • Reestruturação do Programa Minha Casa Minha Vida:

Uma das mudanças é a autorização para compra de imóveis usados, algo que não era possível nas edições anteriores.

  • Inclusão de financiamentos para unidades fora da faixa de preço:

Algumas casas que nunca foram inundadas foram destruídas.

O governo planeja incluir modelos para essas unidades, mesmo que estejam fora da faixa de preço do programa.

Depois da inundação de maio, foram acrescentadas 1,5 mil unidades, com um investimento de quase R$ 200 milhões.

  • Diagnóstico e planejamento:

O Ministério das Cidades lançou um formulário digital para que as administrações municipais cadastrem as necessidades habitacionais.

As estimativas da necessidade habitacional serão usadas para mapear soluções.

O objetivo é entender o tamanho da demanda em termos de habitação e recursos para prevenção, como contenção de encostas e drenagem.

  • Investimento:

Até o momento, o governo federal anunciou um investimento total de R$ 60,7 bilhões em habitação.

Governo gaúcho e o programa “A Casa é Sua”

O governador Eduardo Leite lançou em março o programa habitacional. Em 23 de maio, ampliou o número de construções. Confira os detalhes:

  • Serão construídas 538 casas para famílias afetadas pelas enchentes.
  • Serão investidos R$ 41,8 milhões do Tesouro estadual no programa
  • Doações e parcerias: A Construtora Inova e o Ministério Público estadual doaram recursos para a construção de casas adicionais.
  • As casas devem ficar prontas em 120 dias, com os municípios fornecendo terrenos não-alagáveis e infraestrutura local.

Municípios contemplados

  • Muçum: 56 casas definitivas
  • Cruzeiro do Sul: 140 unidades (40 pelo programa do Estado e mais 100 doadas pela Construtora Inova)
  • Estrela: 40 moradias
  • Venâncio Aires: 40 unidades
  • Encantado: 35 casas
  • Roca Sales: 35 residências
  • Lajeado: 30 habitações
  • Arroio do Meio: 38 casas (pelo Ministério Público)

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