Há clima para eleições no RS?

PENSAR ELEIÇÕES 2024

Há clima para eleições no RS?

Faltam pouco mais de quatro meses para o pleito de outubro. Mas catástrofe cria cenário de incerteza nos municípios. Especialistas divergem sobre as condições e o impacto que uma campanha eleitoral causaria em um momento de reconstrução do RS, após comentário de governador

Há clima para eleições no RS?
Justiça Eleitoral, por ora, não trabalha com hipótese de adiamento e garante condições de realizar pleitos municipais no RS. (Foto: Arquivo A Hora)
Estado

Marcado para 6 de outubro, as eleições municipais mobilizam partidos, pré-candidatos e autoridades desde o começo do ano. No entanto, a catástrofe climática enfrentada pelo RS desde o começo do mês alterou o cenário. As tradicionais ações de pré-campanha deram lugar ao socorro às vítimas e ao voluntariado. E deixa dúvidas sobre a viabilidade de um pleito nos próximos meses.

A possibilidade de adiamento das eleições no RS foi ventilada já no começo do mês, ganhou força nos últimos dias e encontra eco em uma parcela da sociedade gaúcha. Até o governador Eduardo Leite manifestou preocupação com o impacto de uma disputa eleitoral em meio a reconstrução do Estado.

Porém, a discussão está longe de ter ampla aceitação. No campo partidário, há quem considere oportunismo político propor uma nova data para os pleitos municipais. No âmbito da justiça eleitoral, há uma tendência pela manutenção do calendário atual, em conjunto com as disputas país afora.

“Nós vamos contabilizar as urnas que, eventualmente, sofreram avarias. Temos as urnas em depósito e todas as condições para garantir, até esse momento, as eleições normais em todos os municípios gaúchos. Isso é muito importante, porque o calendário eleitoral permanece para o Brasil todo”, assegurou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

“É uma questão a ser debatida”

Se no TSE não se cogita um adiamento das eleições, no âmbito da Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS) a discussão pode ocorrer. Foi o que antecipou Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, então presidente do órgão, durante entrevista à Rádio A Hora 102,9 FM nessa semana.

Entretanto, conforme Teresinha, a Constituição Federal de 1988 normatiza a realização do pleito. O documento supremo nacional prevê eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores de forma direta e simultânea em todo país, no primeiro domingo de outubro, anterior ao término do mandato.

“É uma questão a ser debatida. Mas é difícil ocorrer uma alteração”, admite. Em razão dos contínuos transtornos causados pelas fortes chuvas, ainda não é possível calcular a real extensão dos prejuízos. O tribunal já iniciou contabilização.

Dos 497 municípios gaúchos, estima-se que 85% tenha tido algum problema, ressalta Teresinha, que complementa dizendo que as próprias sessões eleitorais vão precisar averiguação para confirmar as condições de votação.

Teresinha encerrou o mandato à frente do tribunal. Ela foi substituída pelo desembargador Voltaire de Lima Moraes. A posse ocorreu na quarta-feira, 22. Moraes, em seu discurso, garantiu todos os esforços para a realização de “eleições serenas, transparentes e isonômicas”.

Mandatos afetados

Advogado especialista em direito eleitoral, Fábio Gisch considera “muito difícil” do ponto de vista jurídico ocorrer um adiamento da eleição. Lembra do impacto que isso causaria, com a prorrogação dos mandatos atuais. Além disso, o fato de ser em apenas um estado, e não no país todo, torna a situação mais delicada.

“Não é um país inteiro afetado, como ocorreu na pandemia. Seria necessária toda uma estrutura, uma questão de gerenciamento, das urnas, e toda a situação junto ao Tribunal. E como seriam os mandatos? O de agora, talvez de cinco, e o próximo de três? Essa é a dúvida que fica e que alguns discutem. Então eu vejo um entrave nesse ponto”, frisa.

Por outro lado, Gisch vê como “necessário” um adiamento, em virtude da situação de calamidade. “Não estamos num momento para realização de campanha eleitoral, de convenções partidárias, de reuniões políticas. Não tem clima para isso. As pessoas estão sem casas, sem emprego, algumas sem qualquer estrutura familiar”.

Além disso, observa que a lisura do pleito pode ficar comprometida a partir do momento em que os eleitores, em um momento de luto, votam por uma emoção momentânea. “O voto precisa ser algo que você espera da sua cidade, dos seus administradores, e não algo apenas para os próximos quatro anos. Então, vejo que isso compromete também o próprio pleito eleitoral”.

Tempo hábil

Na mesma linha, o cientista político Fredi Camargo entende ser “de bom tom” um adiamento da eleição, em virtude de não haver tempo hábil para a reconstrução de uma normalidade cotidiana. Cita o preparo psicológico do eleitor como um motivo, “para poder fazer sua escolha de forma mais racional e menos passional”.

No entanto, também não acredita em uma mudança de data do pleito. “A não ser que haja mobilização da sociedade inteira. Em não havendo, será uma eleição muito complicada tanto para os que estão na gestão quanto aos que estão fora”, salienta.

Camargo vê um desafio ainda maior para aqueles que estão nas gestões municipais, sejam prefeitos que buscam a reeleição ou outros candidatos situacionistas. “A cobrança da população por soluções mágicas será enorme, e nós sabemos que não há solução mágica diante da grandeza dessa catástrofe, em qualquer lugar do planeta que ela fosse acontecer”.

Sem alternativas

“Uma pergunta ainda não foi colocada neste debate. Qual é a alternativa a não realização da eleição?”. A provocação, do advogado Rafael Morgental, especialista em Direito Eleitoral, indica que a discussão sobre o futuro das eleições municipais no RS é complexa.

Defensor da manutenção do pleito para outubro, reconhece a existência de fatores que podem, eventualmente, frustrar a realização da eleição. Contudo, alerta para uma “inconstitucionalidade flagrante” e acredita que sequer há voto para aprovar uma proposta de emenda a constituição. Também considera a extensão do mandato dos atuais gestores como “a pior solução”.

O entendimento de Morgental é de que a eleição, cuja periodicidade está definida na Constituição, é sagrada. “O fato de levarmos eleições a cabo num cenário de crise pode ter uma leitura nobre, do quanto valorizamos a democracia. Não minimizo a catástrofe, mas não vejo ela como um impeditivo absoluto a eleição. Talvez sejam necessárias adaptações, mas a Justiça Eleitoral deixou claro que tem condições de fazer”, argumenta.

Mesmo assim, ele avalia que, em situações muito isoladas, a discussão sobre adiamento pode prosperar. Cita o exemplo de Cruzeiro do Sul, que teve bairros devastados pela enchente. “Esses podem ter uma análise mais criteriosa. A opinião final é da Justiça Eleitoral. Se acharem que a disputa está completamente comprometida, pode submeter via TSE uma emenda ao Congresso”.

Leite e a discussão

  • Em entrevista ao O Globo na segunda-feira, 20, Eduardo Leite concordou com a necessidade de um debate sobre adiamento da eleição. Para ele, o processo pode ser dificultado em meio a uma campanha eleitoral, sobretudo em municípios afetados pela cheia;
  • “Junho já é um momento pré-eleitoral e, em julho, se estabelecem as convenções. É um debate pertinente. O Estado estará em reconstrução, ainda em momentos incipientes, em que trocas de governos municipais podem atrapalhar esse processo. O próprio debate eleitoral pode acabar dificultando a recuperação”, afirmou.

CALENDÁRIO ELEITORAL
O que ainda tem pela frente

  • 6 DE JULHO
    – Servidor público que pretende concorrer precisa se descompatibilizar do cargo até esta data
  • 20 DE JULHO
    – Início das convenções partidárias
  • 5 DE AGOSTO
    – Término do prazo para realização das convenções
  • 15 DE AGOSTO
    – Data limite para registro das candidaturas
  • 30 DE AGOSTO
    – Começa a campanha eleitoral obrigatória na TV e no rádio para o primeiro turno
  • 3 DE OUTUBRO
    – Término da campanha eleitoral
  • 6 DE OUTUBRO
    – Data do primeiro turno da eleição
  • 19 DE DEZEMBRO
    – Fim do prazo para diplomação dos eleitos
  • 1º DE JANEIRO/2025
    – Posse dos prefeitos e vereadores

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