Além do drama enfrentado pelas famílias que perderam de entes queridos a bens materiais, o Vale do Taquari também sofre os efeitos dos danos à atividade empresarial. Uma das maiores forças da região, o setor produtivo ainda não conseguiu contabilizar os prejuízos, mas já trabalha para mitigar os efeitos da maior tragédia ambiental e climática da história do Rio Grande do Sul.
Presidente da Câmara de Indústria e Comércio do Vale do Taquari, Ângelo Fontana destaca pontos fundamentais para a reconstrução das empresas atingidas diretamente, e também da infraestrutura necessária para a normalização da produção e dos empregos em todo o segmento. “São as empresas que geram renda para a população e fazem toda a roda da economia girar.”
Conforme Fontana, o primeiro gargalo a ser solucionado é a infraestrutura de mobilidade. Sem a recuperação das condições de logística, seja para receber insumos, equipamentos e funcionários, ou para escoar a produção, as indústrias não terão condições de se recuperar, mesmo se houver recursos para a retomada.
O segundo pilar é a garantir de moradia e acomodação para as famílias de trabalhadores. Fontana defende a criação de distritos industriais e loteamentos em áreas com topografia favorável, de forma a garantir que as empresas e trabalhadores tenham tranquilidade para desempenhar suas atividades.
“Precisamos de investidores que montem esses condomínios, porque as empresas não terão condições de imobilizar seus recursos com obras, diante da necessidade de investir em maquinários e na operação”, aponta. Dessa forma, acredita ser possível evitar o êxodo de trabalhadores e empresas da região para fora do RS.
Por fim, Fontana ressalta a necessidade de medidas efetivas por parte do poder público, em especial do governo federal, de socorro ao setor empresarial. Nas enchentes de setembro e novembro os recursos acabaram não chegando às maiores empresas atingidas pelas águas. “É preciso corrigir o que não deu certo. Se o governo conseguir cumprir metade do que está sendo negociado, estaremos bem.”
Segundo ele, um dos principais entraves para a efetividade das ações governamentais ainda dependem da mensuração dos prejuízos. Por meio de parceria com o Sebrae-RS, o governo do Estado realiza pesquisa com os empresários para determinar os danos, nos moldes do trabalho bem sucedido na região após as enchentes do ano passado. Porém, diante da dimensão da tragédia, e como algumas regiões ainda estão em baixo d’água, não há previsão de conclusão desse trabalho.
Motivação para seguir
Uma das empresas mais atingidas pelas últimas enchentes que assolaram a região, a Vidraçaria Lajeadense suspendeu temporariamente as operações no município. De forma provisória, a indústria opera em um galpão alugado na cidade de Estrela, enquanto constrói uma nova sede em Lajeado, longe das margens do rio Taquari.
Responsável pelo marketing da empresa, Roberta Arenhart afirma que os prejuízos dessa última cheia ainda não foram estimados, principalmente porque a força da água destruiu todos os prédios. “É uma empresa com 66 anos de história e cada pavilhão foi construído pelo meu pai. Sentimos a dor de uma vida inteira que se foi.”
Mesmo com a retomada do trabalho de forma provisória, a vidraçaria ainda enfrenta dificuldade no acesso a clientes devido a destruição da infraestrutura logística do Estado. “Estamos na metade do mês e ainda não conseguimos fazer nenhum tipo de medição ou entrega de produto.”
Apesar das dificuldades, a empresa familiar mantém a motivação para recomeçar e continuar cumprindo o importante papel de gerar emprego e renda na região. “Acreditamos nos nossos sonhos, como família, como empresa e para as mais de cem famílias que dependem desse negócio.”
Escoamento da produção
Uma das empresas mais tradicionais da região alta do Vale do Taquari, a Fontana S.A. também enfrenta os efeitos de grandes enchentes em curto período. Diretor Comercial da empresa, que completa 90 anos de história em 2024, Maurício Fontana ainda contabiliza as perdas provocadas pela água, que alcançou instalações intactas nas outras cheias.
“Tivemos várias ações de prevenção que ajudaram a minimizar as perdas da empresa, mas jamais esperávamos um evento tão extremo”, afirma. Além do trabalho de limpeza, desobstrução, desentulhamento, lavagem, e recuperação dos equipamentos para restabelecer a produção, ainda existe o entrave da infraestrutura logística. Com pontes destruídas e estradas obstruídas, tanto a chegada de insumos quanto o envio dos produtos fica prejudicado.
Para Fontana, o grande desafio será fazer com que todos acreditem que é possível habitar o Vale do Taquari e reconstruir com segurança. “Precisamos de um trabalho de prevenção de cheias, e obras que tragam essa tranquilidade. Acreditamos na transformação do Vale em uma região ainda mais mais forte.”
Mudança de endereço
Empresa com 99 anos de história, a Vinagres Prinz, de Lajeado, enfrentou a quarta enchente na fábrica localizada no Centro da cidade. A Diretora Janaína Martinez afirma que os danos da enchente desse ano superaram as das enchentes anteriores e tornaram inviável manter a empresa no mesmo endereço. “Paredes caíram, a empresa ficou totalmente submersa até o telhado. A água tomou forte velocidade e agressividade.”
Além dos prejuízos financeiros, Janaína destaca o abalo psicológico dos diretores e funcionários, que agora trabalham na limpeza do espaço. “Somos uma empresa familiar muito unida e temos gratidão pelas pessoas que estiveram conosco em todos os momentos de dificuldade. Nós estamos ao lado deles também, tentando fazer com que reconstruam suas casas e suas vidas.”
Apesar das dificuldades, Janaína destaca o foco em restabelecer o negócio e manter o atendimento aos clientes da marca, líder no mercado gaúcho. Segundo ela, o setor empresarial precisa ter acesso ao crédito com juros subsidiados e condições facilitadas, conforme promessa do Governo Federal. “Vamos fazer 100 anos em 2025 e estamos muito organizados e focados na retomada. Vamos conseguir porque não há outra alternativa.”
Entrave logístico
Com plantas fabris em diferentes cidades atingidas pelas cheias da região, a Dália ainda contabiliza graves prejuízos enfrentados pelos produtores integrados. Presidente do Conselho Administrativo da cooperativa, Gilmar Piccinini afirma que os problemas das indústrias são pequenos frente aos danos provocados pelas enchentes no campo.
“Ainda não temos como dimensionar porque nossa prioridade é cuidar das pessoas”, aponta. Conforme Piccinini, a água não chegou a invadir a indústria de laticínios e provocou poucos danos nas plantas de aves e suínos. Com exceção da queijaria, localizada no bairro Aimoré, em Arroio do Meio, a previsão é de retomar as atividades da indústria forma gradativa, já na segunda-feira, dia 21.
Piccinini afirma que a principal preocupação está na infraestrutura logística para garantir tanto a alimentação dos animais quanto o posterior escoamento da produção, além da mobilidade dos funcionários. “Vamos entrar em uma discussão muito forte na questão estrutural do Estado. Precismos definir as prioridades para manter a região viva e garantir os empregos.”