Morador há 30 anos do bairro Carneiros, em Lajeado, Milton Alves da Silva, seu Presença, como é conhecido, é natural de Encantado. Ele perdeu a esposa Maria da Conceição, na enchente de setembro de 2023.
Ao longo dos 30 anos, enfrentou várias enchentes, mas nunca havia saído de casa. Água chegava até o porão, de onde não avançava. As últimas quatro enchentes, passaram deste limite. Para ele, a enchente de setembro considera ter sido a pior.
Milton relembra que no dia 4 de setembro de 2023, estava em casa com a esposa. Já haviam programado viajar para Bragança, no Pará, cidade natal da esposa. Na segunda, dia em que começaram as fortes chuvas, ela saiu para fazer compras e na volta, chegando em casa, ele deu a ideia de pegarem o carro e ir para um hotel em Lajeado, pois a previsão era de enchente, mas ela preferiu ficar.
O resgate e a dor da perda
Um dia que ficará na memória de seu Milton. Ele descreve o que passou naquela noite. Quando a água começou a subir, por volta da meia-noite, a situação de agravava. “Desde às 20h ela mandava mensagens pedindo socorro até a energia ser desligada, ficamos no escuro. Às 6h da manhã, fiz um chimarrão e olhei a água entrando na porta da parte de cima da casa. A água foi subindo lentamente foi aí que coloquei minha esposa sentada em cima da mesa e eu caminhando dentro da água, os vasos virando e comecei a me apavorar, mas não demonstrava, pois naquele momento, precisava ser forte. Coloquei ela no telhado e subi na mesa, a água alcançou minha cintura, mas ela já apavorada e, devido ao nervosismo, começou a passar mal”.
As lanchas passavam e um helicóptero chegou para o resgate. Maria da Conceição iria de helicóptero enquanto Milton aguardaria uma lancha. Sem saber que o pior ainda estava por vir, Milton ajudou a colocar a esposa para subir e recorda que falou para ela: “Meu amor, abrace esse rapaz do mesmo jeito que me abraçou no nosso casamento. Ela abraçou, ajudei a amarrar ela, pegou a bíblia, colocou debaixo do braço e a levantaram. Cinco metros adiante, ela começou a rodar, baixaram até perto da água e continuou girando e ali estourou o cabo de aço. Os dois caíram na água e, infelizmente, minha esposa estava sem colete salva-vidas e o sargento estava de colete. Ele sobreviveu. Vi ela nadando até ficar submersa e se afundou. O helicóptero baixou, puxou o sargento e depois ela, colocaram no cesto e a levaram para Colinas numa roça, tentaram reanimá-la e trouxeram de volta. Levaram no Lajeadense e me chamaram para dizer que ela estava morta”.
Ali, percebeu a necessidade de recomeçar, reconstruir, que não poderia ficar de braços cruzados. “Percebi naquele momento da notícia da morte da minha esposa, um olhar de indiferença de pessoas, autoridades, policiais e isso me tocou, foi como uma faca sendo fincada no peito. Agradeci a Deus e pedi que cuidasse bem dela e que todos os seus pecados eu pudesse pagar aqui na terra, pois a amava muito”.
O recomeço
Após enchente de setembro, voltou para casa, limpou, arrumou e por lá ficou. “Pensei comigo, qual será o meu propósito? Em novembro, acabou tudo, tive que fugir de carro. Saí antes e esperei baixar a água, voltei com a pá, com o lava-jato e reconstruí. Ficou tudo lindo, plantei verduras, hortaliças e mais uma vez, veio a água e me deu um tapa seguro, mas vi que sobrou a metade da casa. Percebi que não precisava muito para viver. Vou cobrir a cozinha, o quarto ficou parte do forro, pintar e ficar aqui. Preciso ir à luta, não posso me entregar. A vizinhança está me ajudando muito devido às limitações de saúde”.
Com um astral incomparável e carismático, Milton aprendeu de verdade o valor do ser humano, após a perda da esposa. “Não adianta reclamar, faça. Se trouxer um problema, traga a solução também mesmo que não seja acatada. Foi o que fiz na casa, não vou reclamar que perdi tudo, vou reconstruir. Uma pecinha de cada vez até terminar.
Na vizinhança, muitos perderam tudo. “Em 5 de setembro fui perdedor, agora, perdemos alguma coisinha, mas vamos reconstruir. A água vai baixar, a estrutura da casa vai levantar e a limpeza será feita. A perda humana não pode existir, tem que ser preservada”.
A busca por um novo lar
Milton não pretende voltar a morar no Carneiros. Está em busca de um novo local para se instalar onde possa plantar seus pés de alface, a salsinha e descansar. “Mas a caminhada continua. Não tenho condições financeiras, mas tenho a palavra para ajudar”.
Em suas redes sociais @presençasilva, seu Milton grava vídeos transmitindo energia positiva e fazendo valer cada dia de vida. Além disso, busca recursos para conseguir comprar uma nova moradia.
“Nessa enchente tivemos apenas perdas materiais. Isso não é nada, pois somos um povo forte. Quando se perde o bem material, a gente reconstrói. A pessoa humana a gente não reconstrói. Não tenha medo, não reclame, trabalhe e quando olhar para trás verás tudo que conseguiu fazer até aqui”.
Acompanhe a entrevista na íntegra