“Lugar bonito é lugar perigoso”, mesmo!

Opinião

Rodrigo Martini

Rodrigo Martini

Jornalista

Coluna aborda os bastidores da política regional e discussão de temas polêmicos

“Lugar bonito é lugar perigoso”, mesmo!

A frase acima foi o título do meu artigo publicado no dia 20 de fevereiro deste ano. Mas a descomplicada frase não é de minha autoria. Ela pertence a um dos mais renomados especialistas em desastres naturais e cuja palestra realizada dias antes daquela publicação, em Muçum, chamou a atenção de poucas pessoas. “Lugar bonito é lugar perigoso”, avisava o japonês Masato Kobiyama, nascido em Kitakata, no Estado de Fukushima, e “brasileiro” desde 1991.

Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs, membro da Global Alliance of Disaster Research Institutes (GADRI) do Disaster Prevention Research Institute da Kyoto University, ele também é um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Desastres Naturais no IPH da Ufrgs e faz parte da coordenação da Comissão Técnica de Desastres da Associação Brasileira de Recursos Hídricos. E ele foi direto. Além das inundações, avisou, nós precisamos estar muito atentos aos deslizamentos de terra, especialmente com as recentes permissões para o avanço da urbanização junto às encostas de morros. Eu só não imaginava que a realidade iria bater tão cedo – e tão forte – em nossa porta…

“Nossa ‘Titã’ de concreto”

Na mitologia grega, os chamados “Titãs” eram deuses poderosos e criados a partir da união de Gaia, que representava a terra, e Urano, que representava o céu. Passaram a existir bem antes dos conhecidos deuses do Olimpo, como Zeus, Afrodite, Apolo e Atena, e eram a representação do poder, da fortaleza e da força. E, mais recentemente, um ouvinte da Rádio A Hora invocou a mitologia para definir a resistência da ponte sobre o Rio Taquari. “Nossa ‘Titã’ de concreto”, definiu ele, logo após a liberação da pista para o tráfego de veículos leves. Eu assino embaixo. E vou além. A resistência da ponte será o principal símbolo da nossa implacável – e ágil – volta por cima.

O “já” virou “só”

O sentimento mudou de forma abrupta no Vale do Taquari. Até o início da semana passada, as cobranças por recursos e políticas públicas com capacidade para devolver segurança à região tratavam a histórica enchente de setembro de 2023 com uma certa distância de tempo. “Já se passaram sete meses e pouco avançamos”, dizíamos. Pois bem, e após a nova tragédia que ainda assola o Rio Grande do Sul, a frase e o tempo mudaram. “Só se passaram sete meses e já sofremos outra vez”, passamos a afirmar. E a proximidade entre os dois fenômenos climáticos que mataram mais de oitenta moradores do Vale assusta. Afinal, quem pode garantir que não ocorrerá outra vez?

Fundo eleitoral ou reconstrução do RS?

Já está em andamento um importante debate. Ora, se já era insuportável saber que os partidos políticos vão engolir R$ 4,9 bilhões do nosso suado dinheiro para fazer campanha eleitoral em 2024, o fato restou ainda mais intragável após a destruição de uma imensa fatia do nosso querido Rio Grande do Sul. Dito isso, é imprescindível que o presidente Lula articule suas bases, assim como os demais partidos e líderes partidários, para que boa parte desse recurso seja realocado. E o mesmo deve valer para a milionária dívida do Estado com a União. É hora de virar algumas chaves.

Informação, alerta e cotas

Não é momento de apontar culpados e aclarar os diversos erros e movimentos negligentes por parte de quem deveria garantir um mínimo de segurança à população em âmbito estadual e federal. Haverá tempo e momentos mais oportunos e necessários para desenhar os graves lapsos cometidos pelas autoridades. Mas, e diante da proximidade assustadora entre os eventos de setembro de 2023 e abril/maio de 2024, é preciso correr contra o tempo para garantir modelos muito mais eficazes de monitoramento dos afluentes e do próprio Rio Taquari. Não podemos mais aceitar tanto amadorismo e imprecisão. Sem falar na mediocridade dos alertas e na pachorra do socorro.

Mutirão pela “Ponte de Ferro”

O mesmo grupo de empresários – e a mesma empresa – responsável pela reconstrução da ponte de ferro entre Nova Roma do Sul e Farroupilha já visitou Lajeado para inspirar um mesmo processo junto à nossa histórica ponte de ferro, parcialmente destruída pela maior enchente da nossa história. E tal visita já mobilizou empresários e agentes públicos e políticos de Lajeado e Arroio do Meio. Por aqui, aliás, a ideia é construir uma estrutura ainda mais robusta. E com duas vias.

Água e desleixo

O abastecimento de água é crucial para a sobrevivência e a dignidade de qualquer comunidade em qualquer parte do mundo. Dito isso, é inadmissível que uma cidade do porte de Lajeado continue refém de um só sistema de captação junto ao Rio Taquari, em um ponto que historicamente é atingido pelas enchentes periódicas. É inadmissível uma cidade do porte e da pujança de Lajeado ficar sete ou oito dias sem água potável em milhares de residências. É um desleixo e um descaso imensurável e vergonhoso. Onde estavam os necessários geradores? Onde estão os poços para captação de água junto ao maior aquífero do mundo? Onde estão os milhões e milhões pagos pelos contribuintes ao longo dos últimos anos? Afora os heróis que lutaram contra o tempo junto à subestação da Corsan/Aegea para devolver dignidade à população, é preciso evoluir e muito em diversos aspectos. E tomara que esta tragédia sirva de lição.

A dor e a idade

Cada um sofre à sua maneira. E a idade também pode influenciar no luto e na dor. Os adolescentes, com toda a vida pela frente, tendem a sentir menos os impactos da trágica enchente que ainda assola o Rio Grande do Sul. Homens e mulheres mais maduras e conscientes decifram melhor os impactos sociais e econômicos e tendem a sofrer de maneira mais resiliente e introspectiva, pois carregam a responsabilidade maior de dar a volta por cima e recolocar o futuro nos eixos. E como será a dor de quem já vive a chamada “terceira idade” e viu as casas e os pertences de uma vida inteira serem levados pelas águas do Rio Taquari? E as crianças – e bebês – resgatados por botes e helicópteros? Aos profissionais da saúde, um desafio e tanto: decifrar as dores para garantir saúde mental a todos.

 

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