Com uma câmera analógica em mãos, José Sebald Hammes fez história em Lajeado nos anos de 1970. Conhecido pela comunidade como Sebaldo, o fotógrafo era um dos únicos da cidade a exercer a profissão, ainda singela na época. Quem tem registros daquele tempo, de casamentos, batizados ou festas de carnaval, provavelmente tem a assinatura dele, que revelava as fotografias em um pequeno cubículo onde morava na Benjamin Constant.
Os mais de 30 mil registros, entre fotos e negativos, sempre guardados em caixas, são hoje preservados pela família Darde e serviram como objeto de pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso da jornalista Pietra Darde, formada pela Univates, intitulado “José Sebald Hammes: o valor de suas fotografias para a documentação da história social de Lajeado, a partir de uma análise iconográfica e de interpretação iconológica”.
De acordo com ela, que também é fotógrafa, Sebaldo foi responsável por documentar a história social da cidade, capturando momentos que registram hábitos e costumes da época, além da evolução de Lajeado.
“Seu trabalho é ainda mais significativo porque, quando começou a fotografar, a prática era restrita a poucos profissionais e entusiastas na região”, destaca Pietra. O trabalho da jornalista resgatou a vida e parte da obra de Sebaldo.
Fotógrafo de pessoas
Durante a elaboração da pesquisa, foram analisadas cinco fotografias de Sebaldo. “Fiz uma análise de descrição do conteúdo visual de uma imagem, além de uma análise interpretativa do contexto que originou a foto, a primeira realidade”, conta Pietra.
Com o auxílio de pessoas que foram fotografadas por Sebaldo e aparecem nas imagens escolhidas para o trabalho, ela buscou entender o que se passava no momento do registro. Pietra reforça que Sebaldo acompanhava as movimentações de Lajeado e cidades do Vale. Era um fotógrafo de pessoas e fazia tanto imagens de eventos, quanto ensaios em estúdio. Em algum momento da vida, também tinha um projeto em que fotografava em escolas. “Ele também gostava de fotos espontâneas, em bailes, carnavais, por exemplo”, diz a jornalista.
Entre as câmera utilizadas pelo fotógrafo, foram encontrados em seu acervo, os modelos Olympus Trip, Ricoh Singlex e Pentax K1000.
Identidade de Lajeado preservada
Os assuntos que o fotógrafo costumava registrar foram divididos por Pietra em educação, festas, eventos regionais, concursos e religião. Por isso, foram escolhidas fotos de cada um desses momentos para a pesquisa.
Ao fim do trabalho, a jornalista conclui que as fotografias podem ser utilizadas como documentos históricos quando situadas no espaço-tempo apropriado e devidamente contextualizadas. Mesmo assim, são apenas fragmentos de uma realidade.
Pietra ainda diz que Sebaldo não foi o primeiro e único fotógrafo da cidade. No entanto, tornou-se uma figura icônica por suas características e trabalho lembrados até os dias de hoje. “Ele buscava espontaneamente oportunidades de registro em eventos, mesmo quando não havia sido contratado”.
Para ela, o fotógrafo não apenas registrou, mas também preservou a alma e a identidade de Lajeado da época por meio das fotografias. Por isso, entende que o valor do trabalho dele está na singularidade de cada momento capturado.
“Ele tirava foto de tudo”
“A gente não tinha celular, máquina, não carregávamos junto, então quando precisávamos fazer uma foto, chamávamos o Sebaldo”. Vera Lúcia Lau, 72, tem uma coleção de imagens feitas pelo fotógrafo a partir da década de 70. Entre elas, uma de 1973, no tempo em que fazia estágio como professor no Madre Bárbara.
A foto registra o encerramento de um trabalho que Vera Lúcia desenvolveu na escola. Além de ser a primeira turma com meninos na instituição. Ela conta que haviam outros fotógrafos na cidade, mas Sebaldo era o mais popular e se prontificava em fotografar os eventos do município.
“Ele tirava foto de tudo, dos bailes. Às vezes nem estávamos prontas e ele pegava o momento, do jeito dele”. Quando era contratado, Sebaldo costumava avisar os clientes quando as imagens estavam prontas e cada um podia escolher a que gostava mais na hora de pagar pelo serviço.
Estudantes e jovens da cidade também costumavam ir até o estúdio do fotógrafo após um grande evento da cidade para ver os registros. Sebaldo guardava as fotografias em caixas e não se importava com os curiosos que iam conferir o trabalho.
De acordo com Vera Lúcia e também outros moradores da cidade, o fotógrafo era uma pessoa humilde e engraçada. Gostava de fazer poses para fotografar, que faziam as pessoas rirem. “Era o jeito dele de tirar fotos. Não tirava várias fotografias como hoje, fazia aquela que era pedida e deu”. Vera Lúcia também diz que ele era muito religioso e o via na igreja de vez em quando.
Memória viva
Hoje, o acervo de Sebaldo está com Luiz Darde, pai de Pietra, que alimenta uma página no Facebook chamada pelo nome do fotógrafo, com publicações de imagens restauradas que marcaram os 50 anos capturados por ele em fotografias. A iniciativa faz parte do Projeto Cultural Sebaldo, organizada com o auxílio de outros voluntários.
Pietra também pretende dar continuidade à pesquisa caso opte por ingressar em um mestrado ou doutorado. Uma das ideias é produzir um documentário que retrata a vida de Sebaldo. Outra, é realizar os sonhos do próprio fotógrafo: construir um museu em sua homenagem ou publicar um livro, não sobre teologia, o que ele queria, mas sobre a história do profissional. A jornalista ainda pensa em criar um espaço dedicado à memória dele, onde fotografias e histórias possam ser preservadas e apreciadas para além das redes sociais. Confira AQUI as imagens publicadas na página “Sebaldo” no Facebook.
Sebaldo na comunidade
José Sebald Hammes, nascido em 1928, em Arroio do Meio, iniciou sua jornada na agricultura, com a família. Aos 16 anos, saiu de casa com o objetivo de se tornar padre. Ao longo da trajetória como seminarista, estudou filosofia e, durante uma estada em Minas Gerais, desenvolveu habilidades autodidatas em fotografia e revelação, além de ter aprofundado os estudos em latim e grego.
Aos 40 anos, retornou ao Rio Grande do Sul, estabelecendo-se em Lajeado, onde se tornou um dos pioneiros na fotografia da cidade. Abriu um estúdio fotográfico e destacou-se ao registrar eventos locais, como bailes de debutantes, carnavais de rua, desfiles escolares e, em especial, momentos na igreja, como batizados e casamentos.
Apesar de ter levado uma vida solitária, sem cônjuge ou descendentes, o fotógrafo se tornou uma figura conhecida na cidade. Nos últimos anos, viveu de maneira discreta, mesmo enfrentando dificuldades. Sebaldo morreu no dia 29 de janeiro de 2014, aos 85 anos, no Hospital São José de Arroio do Meio.