Seis meses da maior enchente

PERÍODO DE RETOMADA

Seis meses da maior enchente

Encantado, Muçum e Roca Sales ainda enfrentam diariamente os desafios causados pela catástrofe

Seis meses da maior enchente
Rua Coberta em Muçum também sofreu com a força da água seis meses atrás

Três municípios da região alta foram atingidos fortemente pela enchente que completou seis meses no início dessa semana. Muçum, Roca Sales e Encantado sofreram com a tragédia de setembro de 2023. Um nível de destruição incomparável às outras enchentes que assolaram a região e que marcou a história do Rio Grande do Sul. Com 53 óbitos confirmados e ainda ao menos cinco pessoas desaparecidas, a história resguardará o acontecido como uma cicatriz enorme do Vale do Taquari.

Com essa passagem de tempo significativa, a reportagem busca atualizar a situação desses três municípios sobe a ótica dos prefeitos que enfrentam até hoje desafios diários advindos da tragédia, assim como as empresas que seguem na batalha para retomarem o equilíbrio alcançado em anos de trabalho duro e as famílias afetadas em suas casas e que agora torcem para nunca mais se encontrar em meio a desastre semelhante.

Muçum

Para Mateus Trojan, o maior desafio enfrentado foi conseguir organizar os trabalhos nos primeiros instantes após a catástrofe. “Foi difícil manter a equipe calma, para agir com serenidade, e desenvolver um espírito de coletividade e dedicação ao serviço público essencial que precisávamos prestar naquele momento, além de conduzir todas as frentes e forças que se aproximavam do município para nos auxiliar”. O gestor aponta que outro desafio foi criar estratégias para motivar as pessoas a continuarem acreditando na cidade. “Mas não foi, e ainda não está sendo fácil”, salienta o prefeito.

E o principal avanço alcançado nesses seis meses foi a mobilização criada, o que permitiu a superação de alguns obstáculos nos acessos aos recursos públicos ao nível estadual e federal. “E flexibilizar alguns critérios que acabavam restringindo muitas pessoas de conseguirem acessar de fato alguns programas. Creio que melhoramos muito em relação ao que seria “o normal” da burocracia do Brasil, mas mesmo assim, ainda nos limitamos, muitas vezes, por conta disso”. Atualmente Muçum não possui mais nenhum morador em abrigos.

Na semana passada, o governo municipal e a empresa Traçado, de Erechim, assinaram o contrato da obra de reconstrução da ponte rodoferroviária Brochado da Rocha. O custo estimado é de R$ 9,6 milhões.

Moradores

Janete Zilio e o marido Raul Zilio foram uma das famílias contempladas com o programa Minha Casa, Minha Vida Rural, Calamidades, do Governo Federal. Moradores de Linha Alegre, no interior de Muçum, eles agora estão residindo em uma casa na comunidade, construída em um terreno de uma familiar, Beatriz Dalle Laste Zilio. “Estamos bem considerando tudo que passamos, vou conseguir recuperar um caminhão que perdi. Só temos a agradecer as mais de 400 pessoas que nos ajudaram”, comenta o marido.

Raul e Janete Zilio junto com Beatriz Dalle Laste Zilio
quando iniciaram a construção da casa no interior de Muçum. Foto: Matheus Gioanella Laste

Gilberto Dutra reside com a esposa no bairro Navegantes de Encantado. De 4 de setembro até 23 de dezembro eles ficaram no abrigo. Retornaram para o que restou da casa e lutam para se reestruturar.
“Não está fácil, mas seguimos na luta, com muito trabalho. Agora aguardamos as casas que o governo prometeu. É um bom projeto, mas com muita burocracia”, aponta.

Gilberto Dutra reside com a esposa no bairro Navegantes de Encantado. De 4 de setembro até 23 de dezembro eles ficaram no abrigo. Retornaram para o que restou da casa e lutam para se reestruturar. “Não está fácil, mas seguimos na luta, com muito trabalho. Agora aguardamos as casas que o governo prometeu. É um bom projeto, mas com muita burocracia”, aponta.

Gilberto Dutra em sua casa no bairro Navegantes em Encantado.
Foto: Matheus Giovanella Laste

O barbeiro Janei Muniz, atua exclusivamente em Lajeado atualmente, mas teve seu estabelecimento em Roca Sales fortemente afetado pela enchente. Pouco tempo depois ele decidiu encerrar as atividades na Cidade da Amizade. “Funcionários saindo, clientela diminuindo, ficou inviável continuar. Agora tenho dois locais em Lajeado, mas as coisas estão bem difíceis. A enchente ainda me afeta em pagamentos e negociação com o banco. Vou pagando conforme consigo, e assim vamos levando”, explica.

Empresas

Em Encantado, o setor industrial sofreu o maior prejuízo financeiro dentre os municípios afetados. Foram mais de R$
223 milhões. Ainda assim, 46 empresas fecharam desde o dia 4 de setembro e 101 abriram no mesmo período, um saldo po-
sitivo de 55 empreendimentos. “O Governo Federal e Estadual, bem como instituições financeiras criaram linhas para auxílio
das empresas, que ainda são insuficientes perante os prejuízos. No entanto, seguimos otimistas de que os governos ampliarão a oferta de recursos”, disse Calvi.

E uma das empresas mais afetadas pela enchente no município é a Fontana SA. Com quase 90 anos de fundação, é um dos maiores empreendimentos do município. O diretor Ricardo Fontana aponta que estão com 60% da produção em funcionamento, com algumas linhas produtivas de produtos de higiene e limpeza ainda em manutenção. “Financeiramente tocamos a empresa normalmente com a ajuda de nossos clientes, fornecedores e bancos parceiros. Da parte governamental, tivemos postergação de recolhimento de alguns impostos que vão até este mês. E quanto a manutenção de empregos, atualmente estamos contratando funcionários”, disse.

E no centro de Muçum, o Kiosque da Praça é um local conhecido de todos os moradores e teve que enfrentar a força da água que alcançou o telhado do local. “Nosso prejuízo foi incalculável, mas graças a ajuda dos voluntários e dos nossos funcionários conseguimos reabrir 12 dias após a tragédia. Desde então não demitimos nenhum funcionário, mas a situação financeira é bem delicada, pois sem a ponte nossos clientes de Roca Sales e região da Serra desapareceram”, aponta aproprietária Loirane Marchetti.

Ela conta que aos finais de semana muitas pessoas de outros municípios iam até o Kiosque para almoçar. “Hoje esse movimento caiu pela metade. Na estrutura precisamos fazer manutenção geral das portas, móveis, utensílios e até a pintura. Uma despesa não esperada. As economias se foram e o movimento aos poucos está retornando, mas estamos todos no mesmo barco e vamos reerguer Muçum”, salienta Loirane.

Casa do Real em Roca Sales.
Foto: Matheus Giovanella Laste

Na Casa do Real de Roca Sales, os proprietários seguem na luta para manter o estabelecimento em funcionamento. Mesmo após seis meses da enchente, os efeitos ocasionados por ela continuam presentes, principalmente nesse início de ano. “Devido à grande perda de mercadoria, tivemos que repor e recomprar todos os produtos, parcelados em várias vezes. Tivemos muitos gastos com despesas de pintura, calçadas destruídas, prateleiras danificadas, além da sujeira deixada pelas cheias”, diz Marilda dos Santos, que gerencia o local com o marido.

O casal conseguiu limpar e repor os produtos do empreendimento. “Demos continuidade ao prédio que estava sendo construído e já nos mudamos para ele. Na parte financeira estamos conseguindo manter e pagar todos os nossos fornecedores. A manutenção de empregos foi mantida e juntos vamos nos reerguer”, complementa Marilda.

Proprietária do Kiosque da Praça em Muçum, Loirane Marchetti.
Foto: Matheus Giovanella Laste

Roca Sales

Amilton Fontana, prefeito de Roca Sales, ressalta que atualmente o município melhorou muito a questão da limpeza na cidade. “Vamos começar a reconstrução das ruas, em 15 dias uma empresa inicia esse trabalho melhoria na sinalização, prédios públicos e praças. Temos vários projetos aprovados, empresas contratadas e vamos seguir dando andamento a todo trabalho que temos feito nesses seis meses”.

Segundo o gestor, a maior dificuldade enfrentada no momento é a questão da habitação. “Temos uma demanda grande na área urbana de 330 moradias que ainda precisa ser aprovada. Até o fim do mês finalizamos 20 moradias provisórias, onde serão colocadas as famílias que estão em abrigos (oito pessoas). Na área rural temos 11 moradias aprovadas, mas há uma demanda grande de habitação para ser aprovada ali também”, explica Fontana. O prefeito salienta também a conquista de R$ 5 milhões que serão investidos na área educacional. “Vamos melhorar toda infraestrutura do setor”.

Encantado

O município vive um cenário bem diferente agora que meio ano se passou da enchente. A cidade sofreu um prejuízo de quase R$ 290 milhões em uma realidade em que o orçamento anual é de R$ 129,5 milhões. Mais de 4 mil residências foram prejudicadas. Segundo o prefeito Jonas Calvi, a compreensão e apoio da comunidade tem sido essencial para colocarem em prática as ações que visam recuperar Encantado. A seguir algumas atualizações sobre os movimentos de enfrentamento emplacadas pelo município.

*Encantado tem 87 pessoas nos abrigos (Escolas Pequeno Príncipe, Lago Azul, Palmas e Navegantes). Após a catástrofe, mais de 900 moradores estavam desabrigados.

*Há 156 contratos de aluguéis sociais subsidiados pela prefeitura. Investimento total de R$ 288 mil.

* O governo municipal lançou um edital de credenciamento de empresas para a construção de 180 moradias aprovadas pelo governo federal, sendo 100 casas e 80 apartamentos. “Além disso, estamos em processo de ajustes de projetos para ampliar o número de moradias junto à Defesa Civil Nacional, complementando mais 293 unidades habitacionais” salienta Calvi.

* O município foi contemplado com oito habitações na área rural, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida Rural, do Governo Federal.

* A Univates presta assessoria técnica para auxiliar no processo evolutivo da questão habitacional.

*Plano de Contingência Municipal foi revisado e atualizado após a enchente de setembro.

* A Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil de Encantado conta ainda com um Plano de Operação para agilizar e otimizar as ações frente a uma nova adversidade natural.

* Este ano serão feitos simulados com cada setor envolvido em situações emergentes. A pasta da Educação desenvolverá ao longo do ano, nas escolas municipais, atividades educativas para a prevenção e preparação às enchentes.

* Foram retomados os projetos de capeamento asfáltico e na sequência estarão fazendo a pintura de diversas ruas e avenidas.

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