Estava tudo pronto para o churrasco. Os amigos aguardavam o advogado Tadeu Pavoni, para o primeiro encontro do grupo no ano. Cerca de 20 pessoas estavam na confraternização.
Uma ligação inesperada trouxe preocupação. “Nos avisaram que o Tadeu estava no hospital. Até ali, não sabíamos o que tinha acontecido. Pensamos que não era nada grave. Que ele tinha passado mal, algo assim”, relembra o também advogado Henrique Gravina.
Ele é padrinho da filha mais nova de Tadeu Pavoni. Assim que os amigos receberam a ligação, foram à frente do Hospital Bruno Born (HBB). “Chegamos lá e nos informaram que era coração. Pensei: ele teve um infarto.”
Nenhum dos amigos sabia a verdade até ali. Passava das 20h do dia 24 de janeiro. Alguns minutos antes, o advogado Tadeu Pavoni, então com 44 anos, estava em uma reunião de condomínio.
A família é proprietária de um apartamento no prédio localizado na rua Bento Gonçalves. A assembleia dos donos de apartamentos tratava de reformas, pintura e melhorias na fachada do edifício. Poucos instantes depois do início da conversa, um dos inquilinos sai na janela e ameaça o grupo.
“O que vocês estão falando de mim?”, gritou. Em seguida, o homem pegou uma balestra (ou besta) e disparou uma flecha em direção ao grupo. Os moradores decidem encerrar a reunião e chamam a polícia.
Neste intervalo, o atirador, Arthur Alves Lopes, 24, saiu do apartamento e foi ao encontro dos vizinhos. Em meio a uma discussão, com os demais tentando acalmar o homem, ele se aproximou de Tadeu, tirou o canivete do bolso e, com um único golpe, acertou o peito do advogado.
“Ficamos sabendo por um morador que tinha socorrido o Tadeu. Quando vi a movimentação dos médicos, a correria no centro cirúrgico, percebi que era grave”, relembra o amigo Henrique Gravina.
O golpe com a lâmina atingiu o coração de Tadeu Pavoni. A vítima foi para a cirurgia e na sequência levado à UTI. Por volta das 2h da madrugada do dia 25 de janeiro, foi confirmado o óbito.
“Era a ligação que eu não queria atender”
O irmão mais velho, Tiago Pavoni, 47, aguardou no HBB até quase meia noite. Depois da cirurgia, os médicos se reuniram com ele e com os amigos que estavam na sala de espera. “Disseram que o procedimento foi concluído. Era esperar ele reagir. Disseram para irmos para casa e qualquer novidade iriam ligar. ”
Tiago mora em uma propriedade rural no bairro São Bento. O irmão também morava próximo, em uma chácara em frente. “Fiquei na área, perto da churrasqueira. Não consegui dormir, fiquei pensando e rezei muito.”
Passado das 2h da madrugada da quarta-feira, 25 de janeiro, o telefone tocou. “Era a ligação que eu não queria atender. Até então, tinha esperança dele se recuperar, de que ele ia conseguir”, lembra.
“A vida é assim. Sei que quando a gente menos espera, pode acontecer algo. Posso estar bem aqui, tropeçar, cair, bater a cabeça e morrer. Posso sofrer um acidente de carro. Tudo isso pode acontecer com a gente. Mas com o Tadeu não tem explicação. É difícil aceitar do jeito que foi. Uma agressão tão repentina e violenta”, emociona-se o irmão.
Aceitar falar com a reportagem foi uma decisão difícil, afirma Tiago. “Eu estava muito reticente. Mas decidi conversar para lembrarmos. Como uma forma de mantermos a memória do meu irmão, da pessoa que ele sempre foi: um amigo fiel, um pai carinhoso e um profissional dedicado.”
Tiago construiu um memorial na área onde costumavam se reunir. “Tínhamos pouca diferença de idade. Então sempre fomos muito próximos. Nossos amigos são os mesmos, fazíamos viagens, gostávamos das mesmas coisas.”
Entre os hobbies, o gosto pela aventura e pelas trilhas. “Eu fiquei com o jipe dele. Reformei tudo. Eu não precisava, eu tenho o meu. Mas este vai ficar para sempre na nossa família. Era uma paixão dele. Pessoas me contataram para vender, mas não tem preço. Tem um valor sentimental que dinheiro nenhum pode comprar.”
Família com histórico comunitário
Filhos dos professores Armindo (in memorian) e Doris, 84, Tadeu e Tiago foram criados em um lar católico. Quando criança, moravam no bairro Florestal. Os pais lecionaram em escolas da rede pública e privada da cidade e da região.
O casal era bastante ativo na comunidade lajeadense. Por muitos anos fizeram parte da diretoria na Paróquia Santo Inácio de Loyola, inclusive atuaram como instrutores no curso de noivos. Visitavam os futuros casais e falavam sobre como era a vida a dois.
Essa atuação comunitária aumentou a comoção da sociedade lajeadense pela morte de Tadeu. Tanto que a despedida mobilizou centenas de pessoas, da cidade, da região e do estado. Amigos de todas as gerações da família Pavoni compareceram. Colegas de profissão, de faculdade e até o presidente da Ordem dos Advogados do RS (OAB), Leonardo Lamachia, estiveram no velório.
Dor silenciosa
“Contar para a mãe foi bastante difícil e isso mexeu bastante comigo”, conta Tiago. A continuidade da vida da família neste primeiro ano sem o Tadeu é marcada por altos e baixos.
“A gente segue a vida. Muitas vezes sofremos em silêncio. Sei que a minha mãe ainda sente muito. Que a tristeza acompanha ela. Tentamos não falar. Mas ainda temos esse sentimento de luto.”
Tadeu era casado e deixou duas filhas. “As coisas mudaram bastante. O meu irmão tinha um carisma muito grande. O nosso grupo de amigos continua. Mas não é mais a mesma coisa.”
Essa característica da personalidade dele também é ressaltada por amigos. “O Tadeu era quem ligava o grupo. Chamava para os jantares, almoços. Dava as ideias para nossas viagens. Um cara extraordinário e que faz muita falta. Esse ano foi muito difícil, em especial quando recebia as recordações de fotos pelo Google. Em momentos importantes da nossa vida, ele estava lá”, destaca Henrique Gravina.
Atuação profissional
“Era uma pessoa especial. Sabe aquele cara gente boa. Eu conhecia ele desde criança. Tinha proximidade com a família quando morávamos no Florestal”, conta o advogado Ney Arruda Filho.
Ele foi professor de Tadeu quando ele cursava Direito na Univates. “Estávamos no início do curso na universidade. Se não me engano, ele foi da segunda turma de formandos. Entrou já mais maduro e tinha um bom relacionamento com todo mundo.”
Já na atuação profissional, Arruda Filho relembra: “nos encontrávamos no Fórum. Inclusive defendemos partes opostas em alguns processos. Mesmo assim, sempre foi uma relação de cordialidade e de lealdade profissional.”
“Sempre foi um parceiro de todos, para todas as horas. Um profissional dedicado, ágil, conhecedor e envolvido em trabalhos voluntários. Um ano depois da morte dele, quando paro para pensar, sinto muita tristeza. Tem dias que ainda não acredito”, diz a ex-presidente da OAB de Lajeado, a advogada Alessandra Glufke.
“Nós conversávamos bastante sobre o nosso trabalho. Assim como eu, ele também trabalhava sozinho no escritório. Então, acabávamos nos ajudando de alguma forma, tirando dúvidas um do outro, buscando referências para determinados processos”, relembra.
Quando foi presidente da OAB, Tadeu ocupava posições de diretoria. “Se não me engano, ele tinha uns nove anos de trabalho institucional. Foi do conselho de ética da ordem, inclusive em âmbito estadual”, conta. Isso fez com que conhecesse também profissionais da Região Metropolitana.
“No velório dele, muitos advogados de Porto Alegre compareceram. O Tadeu tinha essa personalidade intensa. De ser proativo, de resolver as coisas com agilidade e também de se relacionar bem com as pessoas.”
“Às vezes parece que foi um pesadelo”
Atual presidente da OAB de Lajeado, Ronaldo Eckhardt, mantinha uma relação próxima com a família Pavoni. “Nos conhecíamos desde criança. Tenho lembranças do Tadeu e do Tiago. Inclusive temos fotos juntos ainda bem pequenos.”
Os anos passaram e a amizade permaneceu. “Nós conversávamos todos os dias. Quando assumi a OAB, ele não estava mais na diretoria. Mesmo assim sempre ajudava. Seja nas organizações de palestras ou mesmo nos eventos festivos.”
Quando pensa no que aconteceu há um ano, emociona-se: “Foi um choque tremendo. Difícil de acreditar. Às vezes parece que foi um pesadelo.”
Julgamento marcado
A Justiça marcou o Tribunal do Júri para 21 de fevereiro. O réu responde por homicídio qualificado, por motivo fútil, além do uso de artifício que dificultou a vítima de se defender.
Hoje ele está detido em uma instituição psiquiátrica. No testemunho à investigação, Arthur afirmou ser ameaçado por vizinhos. Admitiu ter disparado com a balestra como uma espécie de “aviso” para que cessassem essas “ameaças”.
O réu é representado pela defensoria pública. Em laudo a pedido da defesa, passou por avaliação psiquiátrica. A perícia afirmou: “totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do seu comportamento”, em razão do diagnóstico de esquizofrenia.
Pelo Código Penal, apesar do réu ser inimputável, isso não impede o julgamento por júri popular. Em caso de condenação, cabe ao juiz determinar a pena. A tendência é que seja a aplicação de medida de segurança, como a internação em um hospital psiquiátrico.
Como aconteceu
- Por volta das 19h do dia 24 de janeiro de 2023, Tadeu estava em uma reunião de condomínio em um quiosque externo com outros proprietários de apartamentos.
- Minutos depois do início da assembleia, Arthur começa a gritar da janela do apartamento dele. Para a polícia, alegou ouvir vozes de pessoas falando sobre ele e o ameaçando.
- Com uma balestra, dispara uma flecha perto do grupo. Os moradores decidem encerrar a reunião e chamam a polícia.
- Arthur desce do apartamento e vai em direção aos vizinhos. Em meio a discussão, tira um canivete com lâmina dupla do bolso e golpeia o peito de Tadeu.
- O advogado é levado ao Hospital Bruno Born. Passa por cirurgia no coração. Por volta das 2h da manhã de quarta-feira, 25 de janeiro, é confirmado o óbito.