A pressão regional sobre a RGE ganha novos contornos. Três decisões judiciais nos últimos dias e a mobilização de prefeitos elevam a cobrança por uma melhor prestação do serviço de abastecimento de energia elétrica. Em paralelo, cerca de mil famílias ainda aguardam pelo retorno da luz em suas residências e propriedades.
O mais recente movimento partiu da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat). Ontem, em reunião virtual, os prefeitos definiram nova estratégia e vão solicitar ao Ministério Público do RS a abertura de um inquérito civil. A maior crítica dos gestores, além da falta de energia, é quanto a dificuldade de acesso aos trabalhos executados pela concessionária.
“Nós ficamos, literalmente, no escuro em relação a resolução. Os prejuízos são imensos em todo o nosso Vale e podem chegar a milhões. Muitas pessoas estão há dias e mais dias sem energia. Imagina o quanto isso representa em prejuízos para agricultores, produtores ou famílias inteiras”, frisa o presidente da Amvat e prefeito de Venâncio Aires, Jarbas da Rosa.
Rosa reforça que, com uma possível abertura de inquérito, o objetivo não é criar problemas com a concessionária, mas sim garantir uma prestação satisfatória do serviço. “Não queremos brigar na justiça, e sim, construir, ajudar. As pessoas nos procuram e temos que dar explicações, mesmo sem as informações necessárias”.
Efetividade
Segundo o advogado da Amvat, Rodolfo Agostini, a opção pelo inquérito se dá pelo fato de municípios já terem encaminhado, de forma individual, ações judiciais contra a RGE. Cita os exemplos de Estrela e Venâncio Aires, além do Ministério Público de Lajeado que também obteve liminar favorável.
“Por questão de efetividade, essa é a melhor saída. As liminares resolvem os problemas de forma mais imediata, mas precisamos de algo mais amplo, com um acompanhamento periódico”, frisa o advogado. Conforme ele, as ações judiciais se complementam ao inquérito. “Precisamos ser mais assertivos, pensando a médio e longo prazo”.
Melhor organização
Promotor responsável pela audiência de sexta-feira, João Pedro Togni buscou uma intermediação entre concessionária e clientes. No entanto, sem um compromisso firmado pela RGE em melhorar a prestação do serviço e a comunicação, não restou outro caminho se não a judicialização do caso.
No domingo, o MP entrou com ação civil pública contra a empresa. Segundo Togni, houve um retorno no sentido dos pontos onde as equipes estavam atuando na área de abrangência da Comarca de Lajeado. “Ela prestou esta informação, indicou locais sem energia e o número de habitantes de cada localidade. Depois, foi
pedido o restabelecimento da energia, o que não ocorreu”, frisa.
Para o promotor, em um primeiro momento, o MP fez o que estava ao seu alcance. Mas o que fica para os próximos anos é a necessidade de uma melhor prestação no fornecimento de energia. “Eventos climáticos ocorrem eventualmente aqui e a leitura que faço é de que a RGE precisa estar melhor organizada para dar resposta mais rápida à comunidade. É evidente que isso exige um pouco de paciência, mas ela tem limites”.
Reunião com agências
O governador Eduardo Leite conduz amanhã uma reunião com as direções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) e representantes das concessionárias do setor no RS.
O encontro no Palácio Piratini, previsto para as 9h, servirá para reforçar a cobrança pela qualidade dos serviços de fornecimento de energia à população. “Compartilho a indignação da população com a demora no retorno da luz, e seguiremos fazendo todo o possível, em um esforço conjunto, para cobrar as concessionárias e exigir a prestação de serviço adequada”, cita o governador.
Leite esteve, na sexta-feira, em visita à Agergs e informou que vai encaminhar à Assembleia Legislativa uma proposta para fortalecimento da agência, com objetivo de ampliar as ações de fiscalização.
Cassação de concessões
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) avalia recomendar à Aneel a cassação da concessão das empresas que deixam de prestar o serviço. A afirmação foi feita pelo secretário nacional do consumidor, Wadih Damous, em vídeo divulgado nesse domingo, 21. Ele não cita as concessionárias do RS e menciona a situação da cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, como exemplo. “Já ultrapassou qualquer limite aceitável”, pontua.
CRUZEIRO DO SUL
Perdas na produção
Pelo menos cinco comunidades do interior estão há mais de 130 horas sem energia elétrica. Os prejuízos mais significativos foram sentidos em Boa Esperança Baixa onde, na manhã de ontem, moradores protestaram contra a RGE cobrando agilidade e mais atenção. Durante toda manhã, houve bloqueios na estrada geral.
Douglas Hickmann Nyland, 26, sentiu os prejuízos. O longo período sem energia afetou a residência e também impossibilitou o resfriamento da produção. O resultado neste período foi mais de 600 litros de leite jogados fora. “Não tem como aceitar isso. Ficamos sem luz, sem água, sem telefone e a equipe não aparece para ligar a fiação”.
Conforme a Defesa Civil, o temporal causou um prejuízo estimado em R$ 5 milhões. Ainda na quinta-feira o prefeito João Dullius decretou situação de emergência. Na área rural, lavouras de milho sentiram o maior impacto. Em Linha Sítio, houve queda de um chiqueiro onde 280 suínos estavam alojados. O município alugou geradores para o bombeamento de água em cinco associações.
ARROIO DO MEIO
Demora no restabelecimento
O caso de maior indignação foi registrado em Dona Rita, onde um poste de madeira, passadas 135 horas do temporal, permanece na sobre a rua João Erno Henz, principal via de acesso às pousadas do Morro São José. Conforme o morador Antônio Sattler, a precariedade do posto auxiliou a queda.
Os fios ficaram no chão e além de impedir o acesso, causou interrupção de energia em mais pontos da localidade. Além de Dona Rita, houve registros de problemas no abastecimento em Forqueta Baixa e Arroio Grande.
Prefeita em exercício, Adriana Meneghini Lermen ressalta que ainda há estradas obstruídas por quedas de postes. “Aqui as coisas estão funcionando porque agricultores têm geradores próprios, gastando valores altíssimos com diesel”.
As ações contra a RGE
- ESTRELA
– O município obteve liminar favorável no sábado, onde determina o restabelecimento de energia em todo o território sob pena de multa diária de R$ 500 por moradia não atendida. Apesar disso, pelo menos cinco comunidades do interior permaneciam sem luz ontem pela manhã; - VENÂNCIO AIRES
– Situação semelhante à de Estrela. O TJ-RS deferiu no domingo o pedido de tutela de urgência e determinou o restabelecimento da energia em 24 horas. Neste caso, estabelece multa diária de R$ 800 por unidade não atendida;
- COMARCA DE LAJEADO
– No domingo pela manhã, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra a RGE. A decisão favorável saiu à noite. Caso a energia não seja restabelecida nos municípios atendidos pela Comarca, a empresa pagará multa de R$ 100 mil por dia.