Nesta semana, durante mais uma das recentes rebeldias do clima, dei-me conta do quanto estava sozinha no escuro da minha casa. Estava impedida de exercer uma das minhas paixões mais declaradas: eu não poderia ouvir música. No princípio, a duradoura falta de eletricidade não me abalou. Mas, depois de duas horas, parecia que eu havia mergulhado no abismo da desesperança.
O isolamento e a escuridão, na contemporaneidade, apresentam-nos dois caminhos: viver o celular ou cair nas ciladas do pensamento. Incialmente, considerei colocar as mensagens em dia. Contudo, como sabemos, a bateria é uma amiga traiçoeira que nos abandona nos momentos mais urgentes. Então, restou o espaço de dormir ou de pensar.
Dada a inviabilidade da primeira opção (sou noctívaga), fui pelo caminho onde não faltam veredas, embora tenham nos ensinado que viver é perigoso e pensar mais ainda. Mas o meu refúgio foi prosaico e simples. Como nostálgica que sou – cada dia mais, na medida que o tempo avança sem piedade – me perdi na época em que a falta de luz era uma deliciosa desculpa para que a música fosse só minha.
Percebi que existe certo paradoxo nas facilidades que temos atualmente. Apesar de tantos recursos, ouvir música era mais fácil nas antigas noites sem luz. Eu tinha o tal radinho de pilha que, depois, evoluiu para o tal disc player portátil, um aparato arredondado, a pilha, em que cabia um único cd. Era simples colocar os fones e esquecer a não luz.
“Ora, (direis), ouvir cds! Certo perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto que, mesmo que haja Ipods, faltam luz e bateria.
Amai para entender as pilhas…”
Eu dedicava longo tempo aos CDs. Perdia-me nas suas capas bem cuidadas, libretos com letras, biografias e produção técnica. Adquirir um CD era fazer parte de uma história. Eu sabia ouvir, naquela época.
Depois, o tempo voou e tudo ficou mais fácil, abundante e fluido. É bom, mais barato, a raridade virou rotina. E a qualidade do som é melhor. Sem falar que se pode convocar a música desejada com um comando de voz. Sequer é preciso dizer “por favor”. O mundo das vontades agora se chama App, Alexa, Ok, Google…
Mas precisa de bateria.
Por tudo disso, fiquei calada no silêncio da escuridão. Sem música, sem livro, inquieta porque meu instante se resumia à ineficiência do comando “carregar”. Mas me pergunto – tenho de me perguntar – sobre o que eu faria, nesse silêncio, se tivesse opções: admito que é bem possível que eu buscasse a rede das centenas de amigos que não conheço, das anedotas que preciso repassar, das novidades que tenho de curtir. E passariam as horas. E haveria a pergunta, no dia seguinte: o que fiz, enquanto a luz não vinha? No emaranhado de nomes e histórias fotografadas, perderam-se as outras histórias, os outros sons, as vozes. É, não sei mais ouvir.
No avesso da minha nostalgia tem uma pessoa que quase não conheço mais. A escuridão agora me inquieta. A música fica para depois, quando houver tempo, nesse movimento que, se houver bateria, escoa pelo touch em busca de mais e mais faixas sem fixar-se em nenhuma.
Esta é uma coluna de dicas culturais, mas, desta vez, deixo a pergunta: o que você faria no escuro isolado da tempestade?