Mais de 11,7 milhões de brasileiros sofrem com a depressão. O país tem o maior índice da América Latina, conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como forma de conscientizar sobre os riscos dos transtornos psíquicos, foi criada, em 2014, a Campanha Janeiro Branco.
A psicóloga Denise Cyrne realça o intuito dessa iniciativa para tornar o assunto mais presente na sociedade.“Campanhas assim são feitas para trazer o tema à tona. Sempre existiram transtornos mentais, só ficam mais escondidos”, reforça.
Conforme Denise, a cor branca foi escolhida por remeter à ideia de uma tela em branco, onde é possível imprimir os desejos e ambições. O mês de janeiro representa o início de um novo ciclo, um recomeço, destaca a psicóloga.
“Saúde mental é estar bem consigo e com os outros. Mas isso é subjetivo e particular”. Segundo a profissional, todos têm momentos depressivos, mas não significa que a pessoa tenha depressão.
“A diferença entre uma doença e um caso específico é ver o quanto aquilo afeta a funcionalidade no dia a dia. Todos temos altos e baixos. A questão é como eu reajo diante das questões da vida”, resume.
Denise percebe um crescimento no número de pessoas que buscam acompanhamento psicológico. A pandemia acelerou esse contato, uma vez que a opção virtual facilitou os atendimentos.
Hoje, segundo Denise, as pessoas buscam a terapia por precaução. “Não vão mais ao psicólogo só quando estão doentes, mas sim para evitar adoecer”, cita.
Conforme a profissional, os três diagnósticos que mais aparecem são de Transtorno de Ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout. “O ritmo corrido do cotidiano faz a nossa ansiedade aumentar, assim como o excesso de estímulos e informações a todos os instantes.”
A psicóloga destaca que todo quadro mental se manifesta no corpo. “Muitos vão para o hospital com sintomas de AVC, taquicardia, formigamento. Mas é somente um quadro de ansiedade aguda. É quando a mente não dá conta e o corpo acaba manifestando.”
A síndrome do esgotamento profissional
A Síndrome de Burnout só foi reconhecida como doença ocupacional em 2021 pela OMS. Burnout surge no ambiente de trabalho, explica Denise, quando a exaustão física, emocional e mental faz com que as pessoas adoeçam.
“Nós temos que render e dar resultado o tempo todo. Essa é a nova realidade. A questão é como eu vou lidar com esse novo contexto”, destaca.
No mundo corporativo, as empresas que se destacam são aquelas que se preocupam com a equipe, diz Denise. “É importante que os funcionários entendam os valores e princípios da companhia. Quando a pessoa comunga com eles, ela se sente feliz na empresa. Por isso é fundamental ter uma área de gestão de pessoas”, aconselha.
Para minimizar as chances de desenvolver algum transtorno mental, Denise sugere ter um corpo sádio como primeiro passo. “O básico, como cuidar da alimentação e fazer exercício físico, é essencial.”
Outro ponto muito importante é o autocuidado. “Cada um precisa olhar para si e ver o que faz bem. Aí entra o autoconhecimento, saber o que é melhor para si. Não tem receita, existe aquilo que funciona pra cada um”, conclui.
Exemplo em Doutor Ricardo
O município de quase 2 mil habitantes fez um estudo inédito para verificar os índices de bem-estar da população. Ao todo, 148 pessoas responderam a um questionário, que abordou o uso de medicamentos, histórico de transtornos, acompanhamento profissional, entre outros. O objetivo foi para nortear futuras ações de prevenção.
Psicólogo desde 2018, Guilherme Santana atua no posto de saúde do município desde o ano passado. A pesquisa, conforme Santana, não trouxe nada fora do esperado. Conforme os dados, 53,4% dos entrevistados já se sentiram deprimidos/ansiosos por mais de duas semanas seguidas.
“Esse número é alto. O nosso trabalho agora é analisar cada caso e entender se aquela pessoa passou por um momento de luto, de briga, e identificar se é realmente um caso clínico”, explica.
Santana chama atenção também para o perfil dos entrevistados, a maioria são mulheres casadas. “Quase metade disse ter algum caso de transtorno mental na família, então pode ser que realmente tenhamos números acima da média, mas temos que verificar cada resposta.”
Entre os principais sintomas vistos na pesquisa está a insônia e a impaciência. “Isso também pode ter relação com a faixa etária e gênero da maioria dos entrevistados, por isso a necessidade de analisar bem”, reforça.
Santana também é psicoterapeuta e percebe uma maior consciência sobre a saúde mental. “As pessoas vêm procurar ajuda. Por isso o acesso à informação é tão importante. Vejo um avanço nisso”. Para ele, campanhas como Janeiro Branco servem para potencializar os trabalhos durante o ano todo.
Qualidade de vida
Os estigmas em torno do tema ainda dificultam o tratamento da saúde mental. Médica responsável pelos atendimentos no Caps, em Estrela, Sâmara Becker conta que muitos pacientes ainda resistem ao tratamento. “Eles não percebem que estão perdendo qualidade de vida”, cita.
A busca por atendimento tem aumentado, no entanto. “O paciente precisa saber que será acolhido e terá o suporte necessário.”
Em Estrela, a maior parte dos pacientes atendidos são adultos, com sintomas de depressão. Mas há um aumento nos casos em adolescentes também. A conjuntura atual pode ser um dos fatores de agravamento. “Todo estresse excessivo é um fator de risco para desenvolver algum transtorno. O trauma das recentes cheias pode ser um, por exemplo.”
Para trazer luz ao assunto, o Caps organiza uma blitz no Calçadão de Estrela na próxima quarta-feira, 24. “Vamos falar sobre saúde mental aos pedestres e solucionar eventuais dúvidas.”
Campanhas do gênero também ocorrem em outras cidades do Vale. Em Encantado, uma ação ocorre neste sábado, 20, em frente à Casa de Cultura, entre 8h30min e 11h.
Uma equipe de profissionais fará a entrega de material sobre a campanha, rodas de conversa e de música. Também haverá declamação de poesias, exposição dos trabalhos feitos nas oficinas terapêuticas, entrega de mudas de chás e pipoca. Em Encantado, são cerca de 600 atendimentos relacionados à saúde mental por mês.
Pesquisa em Doutor Ricardo
- 53,4% já se sentiram deprimidos/ansiosos por mais de duas semanas seguidas
- 41,9% têm histórico de transtorno mental na família (pai, mãe, irmãos, tios, avós)
- 48,6% já fizeram uso de medicamento psiquiátrico
- 49,3% nunca tiveram acompanhamento para sua saúde mental
- 20,3% tiveram ou têm acompanhamento psicológico
- 18,9% tiveram ou tem acompanhamento psiquiátrico
Conheça os principais transtornos
Depressão – É uma doença que produz uma alteração do humor, caracterizada por uma tristeza profunda. Nos quadros de depressão, a tristeza não dá tréguas, mesmo que não haja uma causa aparente. Desaparece o interesse por atividades e a pessoa não tem perspectiva de que possa melhorar.
Bipolaridade – A característica mais marcante é a alternância entre episódios de depressão e euforia. A pessoa com esse transtorno apresenta períodos de mania, que duram, no mínimo, sete dias, e fases de humor deprimido, que se estendem de duas semanas a vários meses.
TAG – O transtorno da ansiedade generalizada se manifesta pela preocupação excessiva, persistente e de difícil controle. Os principais sintomas são inquietação, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, tensão muscular e perturbação do sono. Em geral, as mulheres são mais suscetíveis.
TDAH – O transtorno do déficit de atenção com hiperatividade é caracterizado, em especial, pela desatenção e impulsividade. Esses sinais se manifestam na infância e a prevalência é maior entre os meninos.
Síndrome de Burnout – Também é chamada de síndrome do esgotamento profissional. É quando a pessoa se encontra em um estado de tensão emocional e estresse crônicos, provocado por um trabalho físico, emocional e psicológico desgastante. Um dos principais sintomas são as mudanças bruscas de humor.
Entrevista
Thricy Dhamer • Médica Psiquiatra, com mestrado em Ciências do Comportamento
“Os transtornos depressivos e ansiosos têm crescido”
A Hora – Quais as principais doenças ou transtornos mentais que aparecem?
Thricy Dhamer – Principalmente transtornos depressivos (como depressão e bipolaridade) e transtornos ansiosos em geral (como ansiedade generalizada, transtorno de pânico e fobias). Problemas de concentração como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), além de transtornos por uso de substâncias, que também são muito frequentes na prática clínica.
– Percebe um aumento dos casos?
Thricy – Sem dúvidas, os transtornos mentais, em específico os transtornos depressivos e ansiosos têm apresentado prevalência crescente ao longo dos anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil teve um aumento de 40% nos casos de depressão após a pandemia.
– Quais fatores podem estar relacionados ao aumento?
Thricy – São diversos. A pandemia de Covid-19 é uma das causas percebidas, pois trouxe diversos fatores estressores, como a perda de emprego, o isolamento social, a perda de entes-queridos e a preocupação com a saúde. O aumento da violência e a instabilidade econômica também. O adoecimento em saúde mental sempre existiu, porém, antes era menos comentado e menos conhecido. Por isso, agora, temos a sensação de haver mais, mas muitos desses casos já existiam, mas não eram identificados. Mas também há o aumento real dos casos, em consequência do ritmo acelerado que vivemos e também das exigências atuais.
– A campanha Janeiro Branco completa 10 anos em 2024. Percebe que as pessoas têm procurado mais ajuda?
Thricy – Acho que sim, tem se falado mais progressivamente sobre o tema e a abrangência vem aumentando. As pessoas têm prestado mais atenção em sua condição mental e emocional e a busca por atendimento tem aumentado. O estigma e o preconceito ainda existem, porém, perdem força conforme aumenta o conhecimento sobre a importância da priorização da saúde mental.