O funcionamento da barragem de Bom Retiro do Sul interfere no nível do Rio Taquari, aponta levantamento feito por engenheiros da Certel. Os cálculos foram pedidos pelo Comitê Pensar o Vale Pós-Enchente, formado por representantes de instituições de ensino, do empresariado, dos especialistas e dos poderes públicos.
Em resumo, a simulação mostrou que durante a enchente dos dias 4 e 5 de setembro, quando a água chegou ao pico de 30 metros entre Lajeado e Estrela, se as comportas da Eclusa estivessem abertas, seria 21 centímetros menor.
O reservatório da barragem tem 30 quilômetros de lago. São 650 hectares. A função dele é manter a cota de 13 metros no Porto de Estrela. “Precisamos ter muita responsabilidade para falar deste tema. Então foram feitos cruzamentos de dados em uma condição muito específica. É como se fosse um retrato em um momento do dia 5 de setembro”, explica o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrológica Taquari/Antas e diretor de Geração, Comercialização e Mercado de Energia da Certel, Julio Salecker.
Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos, Salecker diz que a abertura das comportas resulta em uma redução de 2 metros da cota normal (13 metros). Na hipótese de uma operação da Eclusa pensada a partir da previsão de uma enchente, o esvaziamento teria de ocorrer dias antes, com base em uma análise de quais impactos podem trazer, com dados sobre em que nível está o rio naquele momento, tanto acima quanto abaixo do reservatório.
Na tragédia de setembro, a vazão de água chegou a 20 mil metros cúbicos por segundo. “Nesta velocidade, o lago da eclusa encheria de novo em 11 minutos.”
De acordo com ele, esse tempo foi calculado com as comportas ainda abertas. A operação da Eclusa hoje pertence ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Barragem para navegação
O complexo em Bom Retiro do Sul foi construído durante o Regime Militar e inaugurado em 1976. Foi projetado para garantir o funcionamento da hidrovia, como forma de equilibrar as condições de navegabilidade até o Porto de Estrela.
Naqueles anos, havia o funcionamento da ferrovia e das embarcações. Os carregamentos eram de insumos e produtos agrícolas. No fim dos anos 80, a hidrovia do Rio Taquari viveu o ápice, com um volume de cargas transportadas que superavam 1,3 milhão de toneladas.
Contraste com a situação atual, em que nenhuma embarcação sai de Estrela em direção ao Porto de Porto Alegre desde 2014.
“A operação da barragem pelo Dnit segue como base o nível do rio para permitir o transporte fluvial”, diz Salecker. Junto com isso, pormenoriza, também há uma preocupação sobre o funcionamento a partir dos impactos na Bacia do Guaíba. “Todos os rios daqui mandam água para o Guaíba. Para abrir a barragem, isso também tem que ser levado em conta”, realça.
A Certel assumiu a instalação de uma hidrelétrica na barragem de Bom Retiro do Sul. “Estamos refazendo o projeto. Havia materiais prontos, mas estamos colocando dentro do padrão da cooperativa, com mais atenção às características da nossa região”, informa o diretor Salecker.
Efeito paliativo
A redução de 21 centímetros no total da enchente nas áreas de Lajeado e Estrela não traria um resultado muito diferente frente a destruição provocada pela enchente histórica de setembro. “Não analisamos a área do Alto Taquari. Então Muçum, Encantado e Roca teriam resultados iguais. O que poderia acontecer é a água não chegar em algumas casas de Estrela e Lajeado”.
Por outro lado, uma operação técnica, analítica e fundamentada na previsibilidade e monitoramento poderia ser positiva em inundações menores, acredita Salecker.
“Não somos nós que dizemos se é preciso esvaziar o lago da barragem. Também não pode ser uma decisão simplista, pois os efeitos poderiam ser sentidos de Taquari para baixo. É uma operação complexa, de dias. A água precisa ser liberada aos poucos. Do contrário, há um grande efeito ambiental também”, esclarece.
Sobre o efeito da abertura das comportas, a análise de Salecker é que a abertura da barragem é uma das medidas para mitigar os efeitos das enchentes, mas que sozinha não consegue dar conta de episódios extraordinários.
Balsa encalhada e a dragagem
A embarcação que será responsável pela travessia entre São Valentim do Sul e Santa Tereza enquanto a ponte na ERS-431 é reconstruída encalhou no Rio Taquari na manhã dessa sexta-feira entre Arroio do Meio e Colinas.
Com 36 metros de comprimento e 13 metros de largura, a barca pode navegar em trechos com pouca profundidade. O calado dela é de 40 centímetros. Onde parou, não havia 30 centímetros de profundidade.
O trecho é o mais complexo, devido ao número de ilhas e de cascalho.
Integrantes do comitê regional apontam a necessidade de dragagem do Rio. Mais do que condições de navegação, mas como auxílio para garantir mais vazão do rio.
Para conhecer a situação do solo na parte inundada, é necessário fazer a chamada batimetria (funciona como um sonar para fazer um mapa geológico do rio).
Nos trechos da parte alta, de Muçum até as imediações de Estrela, não há informações sobre as condições do rio. O estudo mais recente encomendado pelo Dnit foi apresentado na Empresa Logísticas de Estrela (E-Log), em 30 de agosto do ano passado. Cinco dias antes da inundação histórica.
Pelo resultado da empresa contratada pelo Dnit (CHD – Cartografia, Hidrografia e Digitalização de Mapas), os equipamentos constataram boas condições do calado do rio em 90% do trecho de Estrela até São Jerônimo.
Foram analisados 84 quilômetros de hidrovia. Dois trechos foram apontados como críticos, um no encontro com o Arroio Boa Vista com o Taquari e outro nas proximidades da foz do Rio Jacuí.
“O fundo do rio mudou”
A batimetria apresentada em agosto terá de ser refeita e o trabalho está em andamento. O estudo sobre o fundo do rio foi dividido em trechos. Também foi necessário recolocar postos de orientação e medição ao longo de Estrela até São Jerônimo.
Nos trechos onde houve releitura dos números, os serviços de dragagem estão confirmados, inclusive a informação é que começaram na tarde dessa sexta-feira. “O fundo do rio mudou. Foi uma enchente muito violenta. Os resultados de antes não valem mais”, diz um funcionário da empresa.
O plano do Dnit é garantir condições de navegação na hidrovia até 2026. Pela necessidade de refazer os mapas, a tendência é que ultrapasse esse prazo.
Medidas estruturantes
Os planos de prevenção, monitoramento e socorro partem de ações estruturantes e não estruturantes. A primeira se refere a obras (intervenções humanas), como diques, barragens, reservatórios, dragagem e muros de contenção.
A outra se sustenta na prevenção por meio de estudos, levantamentos, revisão das cotas para construção (planos diretores), instalação de sistemas de monitoramento de chuva e dos mananciais.
Para investimentos nas duas frentes é fundamental o Plano de Bacia. Este documento é uma exigência legal para qualquer política pública ou obra estruturante ao longo dos rios que compõem os rios Taquari/Antas.
O estudo para formulação do plano está parado desde 2012. São três etapas (Diagnóstico, Prognóstico e Ação). As duas etapas foram concluídas e o comitê da Bacia aguarda a devolutiva do Estado.
Nas etapas concluídas, os estudos apontaram 28 ações previstas nos mananciais. Das nascentes que desembocam no Taquari até a foz, em Triunfo, no Rio Jacuí, a bacia tem 119 municípios. São 27 mil km de área de chuva, com interferência sobre a parte baixa do Vale.
Detalhes sobre impactos da cheia de setembro
- Simulação de engenheiros da Certel sugere que a abertura das comportas de Bom Retiro do Sul reduziria a enchente em 21 cm.
- Abertura da barragem resulta na redução de 2 metros da cota normal no porto de Estrela (de 13 metros para 11 metros).
- As operações da Eclusa são feitas pelo Dnit e têm como objetivo permitir o transporte fluvial.
- Redução de 21 cm não teria impacto significativo diante da enchente histórica, mas poderia ser eficaz em inundações menores.
- A análise regional aponta que a operação da Eclusa deve ser combinada com dragagem, projetos de diques e melhorias no sistema de réguas para mitigar efeitos de inundações.
- Abertura das comportas deve ser planejada considerando a previsão de enchentes e impactos na Bacia do Guaíba, além dos impactos ambientais e nas margens.
- Enchente violenta alterou o fundo do rio, exigindo reavaliação da batimetria de Estrela a São Jerônimo, onde dados foram apresentados na E-Log, cinco dias antes da inundação.
- Serviços de dragagem confirmados para recuperar condições de navegação.
- Planos de prevenção incluem obras estruturantes como diques, barragens e dragagem. E medidas não estruturantes (estudos, revisões dos planos diretores, instalação de réguas e equipamentos para avaliar o volume de chuvas na bacia).
- Por lei, os investimentos passam pela conclusão do Plano de Bacia, parado 2012. Nas duas etapas concluídas, estão 28 ações previstas dentro do manancial do Taquari/Antas. O Comitê aguarda devolutiva do Estado.