Os ônibus intermunicipais que passam pela rota da BR-386 chegam com atraso na rodoviária de Lajeado com no mínimo de 40 minutos. Em alguns casos, passa de uma hora. “Está bastante complicado para nós. O pior é para os passageiros que precisam fazer conexão”, diz o motorista André Luiz Frank.
Do outro lado do rio, o operador de caminhão munck, Felipe Bruxel, fica parado no trânsito entre Estrela e Lajeado por quase uma hora. Esse tempo adicional no percurso interfere sobre os serviços. “É complicado pois fecham o trânsito muito cedo. Colocam as máquinas sobre bem no horário das pessoas chegarem no trabalho.”
Para as empresas, o transtorno se configura em prejuízo. “Ficar com o caminhão ligado, com mais tempo de percurso em um trecho de cinco quilômetros representa gasto. E não podemos repassar o custo de frete por causa do congestionamento”, diz o diretor da Tomasi Logística, Diego Tomasi.
Três histórias diferentes e que mostram como a duplicação da BR-386 e o alargamento das pistas entre Lajeado e Estrela interferem sobre a comunidade regional.
O primeiro trecho de novas faixas deveria ter sido entregue em julho do ano passado. Trata-se dos 20 quilômetros de Marques de Souza a Lajeado. Sem cumprir o prazo estabelecido em contrato devido ao impasse entre a CCR ViaSul, concessionária da rodovia, e a terceirizada Eurovias, responsável pelas obras, um novo cronograma foi apresentado.
Em cima disso, se passou o término para outubro, depois novembro. Na análise mais atual da equipe de engenharia, fevereiro de 2024 seria o novo limite. “As obras estão em ritmo lento. Já percebemos que não será possível dentro desse tempo”, acredita o presidente da Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT), Ivandro Rosa.
A duplicação vai do trevo de acesso a Marques de Souza até o entroncamento com a ERS-130, em Lajeado. A obra iniciou em julho de 2021, após atraso de quatro meses do governo federal em conceder as licenças ambientais. Nestes primeiros 20 quilômetros de novas pistas, o montante investido se aproxima dos R$ 230 milhões.
A CCR Viasul venceu o leilão para gerir as BRs 386, 101, 290 e 448 em novembro de 2018. O contrato faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), e a empresa terá que investir mais de R$ 7,8 bilhões em 30 anos de concessão.
Ampliação entre Lajeado e Estrela
Na ligação entre os dois maiores municípios da região está o gargalo. A ampliação da capacidade de tráfego em trecho já duplicado começou no início do segundo semestre de 2022.
Pelo último relatório da concessionária, mais de 70% das intervenções estavam concluídas. O cronograma junto a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem como data limite agosto deste ano para conclusão.
No momento, ocorre a reestruturação das pontes e viadutos. Entre as quais, a passagem sobre o Rio Taquari, com uma área mais segura para pedestres e ciclistas.
“Temos de ter bem claro: o que está atrasado é a duplicação. O alargamento não. Agora, os transtornos são muitos. Comprova a necessidade de termos um anel viário entre outras cidades, para reduzirmos a dependência da 386”, argumenta Ivandro Rosa.
Em cima disso, frisa: “fazer faixas adicionais, sabemos, é impossível sem impactos. O fato complicador é as duas obras ao mesmo tempo.”
Revisão do contrato
A audiência pública para análise dos primeiros cinco anos de concessão deve ocorrer em fevereiro. Conforme o representante do Vale no Conselho de Usuários, ainda não houve posicionamento da CCR ViaSul de quando ocorrem esses encontros.
Além de Rosa, o prefeito de Estrela, Elmar Schneider, também representa a região. Esses encontros são a possibilidade de rever obras, cobrar melhorias previstas e não feitas. A ocasião também serve para revisão da tarifa do pedágio.
Conforme a ANTT, quando há o descumprimento do contrato, é possível aplicar a redução de tarifa, e multa. A agência informa que qualquer paralisação ou atraso no andamento das obras é de responsabilidade da concessionária.
Cotidiano de transtornos
Moradora de Estrela, Sabrina Bruxel Sulzbach, trabalha em uma escola municipal de Lajeado e faz o deslocamento durante toda a semana. Para evitar atrasos, opta por sair mais cedo. “Se eu saio às 7h, ainda consigo pegar um trânsito mais leve, pois qualquer obra ou acidente, já tranca tudo”.
Sabrina se apoia também na parceria entre moradores para saber as condições do tráfego na rodovia. Com quase 450 pessoas, o grupo “Trânsito caótico de Estrela” serve de referência para troca de informações entre usuários da rodovia. A iniciativa foi da empresária Vanda Dreyer.
Vanda chega a trafegar na BR-386 até seis vezes em um mesmo dia. “Sei que devemos entender a situação, pois é uma obra importante. Mas não está nada fácil. Ainda bem que estamos em férias escolares, o que ameniza um pouco”, observa.
Para ela, a existência do grupo ajuda com que as pessoas possam se planejar antes de pegar a estrada em dias tumultuados. “Resolvi criar para que, ao menos, pudéssemos exigir outra saída da cidade além da Rio Branco.”
Atrasos na rodoviária
Responsável por linhas de ônibus intermunicipais pela região, a Expresso Azul registra atrasos nos itinerários que passam de 1 hora e meia. “A fila entre Lajeado e Estrela é muito grande. Por vezes, para tudo mesmo. Hoje (ontem) tivemos um ônibus que saiu de Porto Alegre às 7h40min, com projeção de chegada às 9h30min em Lajeado. Passava das 10h10min e ainda estava em Estrela. Isso impacta todo o restante da linha”, comenta o diretor da Expresso Azul, Pedro Guarnieri.
Entre os passageiros estava Sirlene Damacini. Precisava chegar antes por volta das 9h30min para fazer conexão com ônibus até Muçum. “Chegamos era mais de 10h10min. Agora vou ter que ver qual o horário do próximo”. De acordo com ela, esses atrasos viraram rotina a partir de dezembro.
“O prejuízo é para o Vale e para o estado”
O empresário Diego Tomasi é integrante do Sindicato das Empresas de Transporte do RS (Setcergs). “Nossa crítica é quando a gestão da obra. Se foi feito um contrato, com um cronograma, era porque tinha como entregar naquele prazo.”
Para ele, os prejuízos atingem toda a sociedade. “Converso com empresários de outras regiões. O comentário é que hoje passar por Lajeado é tão difícil quanto a Região Metropolitana. Está parecendo uma empresa pública”, opina.
Como a BR-386 é conhecida como a rota da produção, transportes vindos de toda a região norte do RS passam pelo trecho. “O prejuízo é para o Vale e para todo o estado. É urgente que se reduza o impacto dos congestionamentos. Talvez com uma melhor comunicação aos usuários por parte da concessionária, ou com a revisão dos horários para obras na pista.”
Protesto dos operários
Mais um impasse entre trabalhadores e Eurovias interferiu no andamento da duplicação da BR-386. Cerca de 80 operários paralisaram as atividades. Reclamam do atraso do pagamento do salário de dezembro, das horas-extras desde novembro, ajuda de custos e vale-alimentação.
O grupo foi chamado para uma reunião no pátio da sede, próximo ao shopping de Lajeado, os operários foram informados que o pagamento dos salários atrasou devido a um problema de transação bancária. A empresa também se comprometeu em acertar as horas e a ajuda de custo.
Durante a tarde, trabalhadores fecharam a entrada para o pátio da Eurovias. A Brigada Militar foi chamada por volta 16h. Minutos depois, os depósitos dos salários foram confirmados e o grupo encerrou a mobilização. A promessa é que retornem hoje ao trabalho no trecho.
Resposta da CCR ViaSul
Por meio de nota, a concessionária reforça as liberações dos trechos duplicados desde novembro, como os primeiros sete quilômetros em Marques de Souza, além de obras de arte como o viaduto que dá acesso ao bairro Conventos, em Lajeado, pela rua Arnoldo Scherer.
Quanto ao andamento dos trabalhos, a CCR ViaSul afirma que “segue empenhada para concluir a totalidade da extensão desta primeira etapa de 20,3 quilômetros”. Porém, admite não haver uma previsão para o término das ações, visto que os cronogramas seguem em avaliação pelas equipes de engenharia.
Linha do tempo
- 2021:
– Ordem de início das obras de duplicação da BR-386 é emitida em fevereiro, dois anos após início da concessão. No entanto, sem a licença ambiental do Ibama, começo dos trabalhados é postergado com aval da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT);
– Em 1º de julho, máquinas começam a trabalhar no trecho de Marques de Souza. Menos de um mês depois, cidade já sente o impacto das obras, com a chegada de centenas de trabalhadores; - 2022:
– Ritmo impressiona região e duplicação começa a tomar forma. Em julho, um ano após início dos trabalhos, trecho conta com 10 quilômetros da nova pista executados; - – Em agosto, começa a obra da terceira faixa entre Lajeado e Estrela, também com atraso em relação ao cronograma inicial. Em pouco tempo, frentes de trabalho se multiplicam no trecho;
- 2023:
– Gradativa redução no número de trabalhadores chama atenção e preocupa líderes regionais. Em abril, obra é paralisada. Após revisão, contrato com a Eurovias é rescindido;
– Depois de 40 dias de máquinas paradas na BR-386, obra é retomada em maio, com assinatura de novo contrato com a Eurovias. CCR ViaSul admite não ser possível cumprir cronograma de entrega, previsto para julho e projeta conclusão entre setembro e outubro, o que não ocorreu;
– Em novembro, após críticas da comunidade quanto a falta de segurança no trecho e até protestos em Lajeado, CCR libera os primeiros sete quilômetros da duplicação para usuários, em Marques de Souza. Obra chega a 90% de conclusão.