Inesquecíveis os Natais da infância, no interior de Arroio do Meio, ainda sem energia elétrica. Calça curta engomada, chinelinho de couro e camisinha xadrez feita a mão, percorríamos a pé os 3 km de estrada cascalhada até a igreja, protegidos por um céu atapetado de estrelas. Os lampiões a querosene da capela criavam áurea bucólica para o pinheiro acomodado num canto, coberto de velas coloridas, de cera que derretiam aos poucos.
Já adulto, entendi que o espírito daqueles Natais tinha o condão de trazer esperanças de melhores dias aos moradores, frente aos dissabores de estiagens que, por vezes, os precediam, acabando com as lavouras e de temporais que, por vezes inutilizaram milharais inteiros, desprovendo os colonos do alimento indispensável aos animais das propriedades.
Já residente em Porto Alegre, certa vez, deslocando-me à igreja para assistir ao Programa de Natal encenado a cada ano, o trânsito parou nas cercanias do Hospital Ernesto Dornelles. Vi suas janelas iluminadas, denotando que todos os quartos estavam ocupados com pessoas enfermas que, com seus acompanhantes, virariam ali a noite de Natal. Experiência não estranha para mim que passara algo igual com minha mãe no Hospital Santa Rita, com doença terminal. Por paradoxal que pareça, o sentimento, naquelas condições, não é de revolta, mas de esperança, enlevados pela áurea que o Natal oferece.
Tento imaginar – mas não consigo – de como será este Natal, para as pessoas que perderam tudo nas enchentes de setembro. Pessoas estas, ainda trôpegas, vitimadas por uma segunda enchente, semanas após. E hoje, muitas ainda morando precariamente, vestindo roupas de terceiros desconhecidos, objeto de políticos inescrupulosos que prometem um auxílio que não vêm, a olhar pelos cantos das moradias, tentando recompor, no imaginário, objetos carinhosamente amealhados numa vida toda, mas que a água levou. Este sentimento é individual, permeado por uma dor que assalta cada qual em horas aleatórias, encharcando a alma de uma melancolia indescritível.
Só nos resta pedir que o espírito natalino faça seu efeito milagroso, voltando a dar-lhes rumo existencial, convencendo-as de que o tempo é o senhor dos remédios e de que nos fortalecemos no infortúnio, para empreitadas e realizações maiores.
A caminhada aqui na terra é formada por momentos. De alegria, de tristeza, de desesperança, de felicidade.
Na noite deste Natal abracemos a quem está junto a nós e nos permitamos o alívio de um choro sentido, mas catártico, seguido de profunda gratidão por ali estarmos, aptos a seguir na caminhada, que continuará a proporcionar momentos de alegria e de felicidade. Por vezes singelos, mas sempre revitalizadores.