De posto agropecuário a bairro Universitário

Um novo olhar sobre os bairros

De posto agropecuário a bairro Universitário

Entre Carneiros e São Cristóvão, uma área de terras era lar de poucas famílias, que viviam em meio às plantações do que era o “interior de Lajeado”. Nas proximidades, também funcionava uma antiga escola de técnicas agrícolas que, anos mais tarde, deu lugar ao primeiro prédio da Univates

De posto agropecuário a bairro Universitário
O primeiro prédio da Univates ficou pronto em 1973. Créditos: Centro de Memória, Documentação e Pesquisa da Univates No entorno, potreiros circundavam a estrutura
Lajeado

O próprio nome do bairro Universitário se relaciona com a instituição que alavancou a expansão dessa parte de Lajeado. Há 50 anos, quando a Univates iniciou a construção do seu legado por entre a poeira e o mato do que eram os bairros São Cristóvão e Carneiros, também incentivou a instalação de moradias pelas proximidades.

Ali já moravam poucas famílias, em terras ainda determinadas pelos primeiros lotes coloniais. No local onde fica hoje a universidade, o governo federal mantinha um Posto Agropecuário, voltado a cursos técnicos.

A povoação do Universitário tem relação com o crescimento urbano de Lajeado. A criação do bairro, exatamente 40 anos atrás, ocorreu ainda em 1983, mas o povoamento mais expressivo se deu a partir do século 21. A Avelino Talini, por exemplo, em frente à Univates, foi aberta em 1980, mas só se tornou uma avenida em 2006.

Da porta de casa

O ano era 1964 quando Adolfina Zanatta, 79, deixou a localidade de Tamanduá, em Marques de Souza, para vir morar em Lajeado. Em 1970, ela, o marido e a filha se instalaram num terreno na rua Alagoas, nos fundos da Univates, onde continuam até hoje. Quase da porta de casa, Adolfina acompanhou a construção do primeiro prédio da universidade.

“Aqui era puro capim, podíamos contar nos dedos as casas nas proximidades. Onde hoje fica a Univates era tudo mato, só existiam algumas trilhas. Nossa rua não tinha sequer dois metros de largura, mal passava um fusca, era tudo estrada de chão”, lembra.

A construção do prédio 1 iniciou em 1972. Até então, as aulas da antiga Apeuat (Associação Pró-Ensino Universitário do Alto Taquari) e depois Fates (Fundação Alto Taquari de Ensino Superior) eram realizadas nas salas do Colégio São José, hoje, Escola Presidente Castelo Branco.

Em meio ao mato e à poeira, o primeiro prédio da Univates tinha um galinheiro no terreno vizinho e um potreiro com vacas ao fundo. Na memória dos alunos, as infinitas moscas que disputavam lugar nas salas de aula e o calor abafado da época em que não existia ar-condicionado.

Por mais de 20 anos, Adolfina trabalhou nas safras da Souza Cruz. Mas, nos anos 1990, começou a trabalhar na universidade, em um antigo bar nos fundos do prédio 1. Adolfina ficou até 2016 na Univates, com função na cozinha, onde preparava café para os professores. “Tenho muito carinho pelos 27 anos que passei lá”.

“Essa era uma parte esquecida de Lajeado”

As estantes repletas de livros na biblioteca do ex-professor Roque Bersch, 82, atestam os anos que ele dedicou ao ensino. Ele foi aluno da primeira turma que se formou na Univates, no Curso de Letras, em 1972.

Naquele tempo, o prédio 1 estava em construção, na área que era conhecida como Posto Agropecuário. Esse espaço compreendia 60 hectares, desapropriados peloUnião para montar a unidadee oferecer cursos de extensão e práticas agrícolas. A área ia desde a Avenida Alberto Pasqualini até o Rio Taquari.

“Essa era uma parte esquecida de Lajeado. Aquele posto não deu muito certo. Então o município teve a ideia de construir a faculdade ali”, conta. O prédio ficou pronto anos antes do terreno de fato ser da universidade. Somente em 1984 que a escritura de 12 hectares passou para a Univates.

O primeiro prédio foi inaugurado em março de 1973, quando Bersch começou a lecionar Português na instituição. “Era engraçado. A estrutura estava pronta, pintada, com aulas e, de repente, uma vaca aparecia. Era tudo potreiro no entorno”, lembra.

Além das lutas para alavancar o ensino superior no Vale e garantir os terrenos para o campus, a área no entorno do antigo Posto Agropecuário não tinha a melhor das reputações. Nos anos 1970, aquele espaço era conhecido como zona de meretrício. Conforme Bersch, foi o tempo que desmanchou essa imagem do bairro Universitário.

Na década de 1980, o governo federal favoreceu o desenvolvimento do ensino superior e, a partir de 1989, a Univates teve uma expansão, com o oferecimento de mais cursos. Aos poucos, com a ampliação da zona urbana de Lajeado, mais moradores foram se instalando nas proximidades do centro de ensino.

Depois de ter ocupado diversos cargos na reitoria e presidência da Fundação, Roque Bersch se aposentou em 2013. Foi a primeira pessoa a receber o título de Professor Emérito da Univates, em 2022. “Tenho orgulho de ter participado dessa história”.

Crédito: Arquivo Histórico Municipal de Lajeado

Um símbolo da região

A Ponte de Ferro foi, por décadas, a única ligação rodoviária entre a região alta e baixa do Vale do Taquari. Até hoje, a estrutura acima do Rio Forqueta conecta Arroio do Meio e Lajeado, onde segue como prolongamento da Avenida Alberto Pasqualini.

Por muitos anos, fez com que o bairro Universitário fosse a porta de entrada para Lajeado.
Inaugurada em julho de 1939, a fita inaugural da ponte foi descerrada pelo interventor (hoje, chamado de governador) Coronel Cordeiro de Farias. Naquele dia, as comunidades dos dois municípios estavam em festa, com desfiles pelo centro e almoço festivo.

“Lajeado ficou grande”

Era 1971 quando Arlindo Schwingel, 77, foi morar no bairro Universitário. Naquele tempo, a localidade era chamada de Carneiros e Barra da Forqueta, a zona rural de Lajeado. “Por anos paguei o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), depois virou zona urbana. Tinha cinco casas quando vim morar aqui”, lembra.

As terras eram todas de Vitus Möerschbächer. O lote colonial dele ia desde o Rio Forqueta até a Avenida Amazonas. “Möerschbächer era meu sogro e dividiu a colônia entre os seis filhos”, conta. Arlindo e a esposa Lúcia ficaram com um terreno às margens da atual Avenida Alberto Pasqualini, que, naquele tempo, não passava de uma estrada de chão batido.

“Abri a ruela que sobe para a minha casa com um picão, era tudo mato e plantação. Nossa primeira casa tinha chão batido. Não tinha luz e nem água”. Schwingel também recorda do Posto Agropecuário. “Comprei mudas ali, tenho as árvores no meu pátio até hoje”, lembra.

Schwingel nasceu em Arroio do Meio. Pela Ponte de Ferro, veio com os pais para Lajeado, aos três anos de idade. A carroça com a mudança atolou no meio do barro da Pasqualini. “Meu pai, Conrad Schwingel, construiu as primeiras duas casas do bairro Santo André, morei lá até me casar”.

Pedreiro por mais de 38 anos, construiu a casa onde mora hoje, de frente para a avenida. “Essa rua tem história. É muito diferente ver todo esse movimento aqui hoje em dia”. Conforme Schwingel, foi nos últimos 20 anos que vieram mais moradores. Onde hoje é o Condomínio Vert, existia o antigo campo de futebol da Lacesa. “Lajeado ficou grande e vai crescer ainda mais”, avalia.

Quem foi Vitus Mörschbächer?

No bairro Universitário, uma escola de ensino fundamental carrega o nome desse agricultor. Foi ele quem, nos anos 1960, doou um terreno para o educandário e para a capela. As aulas iniciaram em 1962, tendo Sirlei Kroth como primeira diretora.

Arlindo Schwingel, genro de Vitus Mörschbächer, conta que o sogro, já em idade avançada, queria uma capela mais próxima de casa, então doou o tereno.

“Lembro de ele dizer que não viveria muito para aproveitar o espaço ou a escola, mas os filhos e netos dele sim. E é verdade, meus filhos estudaram lá”.

Raica Franz Weiss / raica@grupoahora.net.br

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