População envelhece e escancara carência no cuidado dos idosos

PIRÂMIDE ETÁRIA

População envelhece e escancara carência no cuidado dos idosos

Casais com menos filhos e vida mais longa. Configuração etária muda relações de consumo e exige planejamento para garantir o sustento social. Neste processo, indicadores comprovam a necessidade de aumentar a quantidade de serviços e de profissionais voltados para população 60+

População envelhece e escancara carência no cuidado dos idosos
Roselaine da Silva está faz 16 anos como cuidadora. “Nessa vivência, passei a dar mais valor para coisas simples da vida. Aprendi isso com eles.”. (FOTOS: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

Paciência, carinho e afeto. Junto com isso, dar banho, alimentar, ajudar nos movimentos mais básicos. O cuidado de idosos reúne qualidades humanas e de manejo profissional. Por vezes, a própria família se desdobra para conseguir dar a atenção necessária. Uma tarefa cada vez mais difícil diante das exigências contemporâneas.

Procuram-se cuidadores. Lares geriátricos pela região mantém uma busca contínua por esses profissionais. Uma atividade sempre com vagas abertas. Com mais de 16 anos na profissão de cuidadora, Roselaine da Silva, 51, resume: “os mais jovens não querem. São poucos que cogitam seguir nesta carreira.”

Ela atua na Vovolândia, em Estrela. “A rotatividade é muito maior entre quem começou a pouco tempo na atividade”, diz a administradora, Pauline Brönstrup. “As pessoas confundem com a função de um acompanhante. Acham que vai ser aquele que fica no hospital enquanto o idoso está internado. É mais. Precisa assumir todas as funções quando a pessoa não consegue manter o autocuidado. Saber que terá dias bons e dias difíceis, em que o humor do idoso vai oscilar. Em um momento ele te ama, no outro será agressivo.”

Se hoje já existe carência destes profissionais, as pesquisas indicam que no futuro haverá uma necessidade ainda maior. As curvas etárias comprovam essa tendência. A média de filhos por mulher cai em todo o Brasil desde 1990. Naquele ano, era quase três crianças. Em 2023, é de 1,6 filho por mulher. Junto com isso, aumenta a expectativa de vida, hoje em 73,4 anos.

“O problema não é viver mais. Isso é ótimo. O problema é a queda na taxa de natalidade”, diz o superintendente do Serviço Social da Indústria (Sesi) no RS, Juliano Colombo. O dirigente é um dos coordenadores de um estudo inédito sobre envelhecimento populacional e a crise no cuidado. O material está em elaboração e, nos resultados preliminares, mostram que o país vive o bônus demográfico, que começa a se esgotar mais rápido do que se esperava.

Este fenômeno tem uma relação comportamental e do mundo do trabalho, diz. Os casais optam por ter menos filhos. De outra ponta, o sustento na vida contemporânea exige que ambos ocupem espaços no mercado de trabalho. “Ao invés de sete, dez filhos, como nas gerações passadas, hoje é um ou dois, no máximo. A pergunta que fica, quem vai cuidar dos idosos nos próximos anos?”.

No passado, com mais filhos esse cuidado se dividia entre os irmãos. “Era algo normal e natural. Mas hoje a situação é outra. Precisamos trabalhar mais tempo e por mais anos. Essa é uma situação que interfere diretamente na vida das pessoas. Atinge as empresas e a capacidade produtiva dos trabalhadores”, argumenta Colombo.

Para se ter uma ideia, diz, estatísticas da Fiergs com base em dados do IBGE mostram que dos anos 2000 até 2040, a população 60+ passará de 54 milhões de pessoas. Um crescimento proporcional de 274%. Por outro lado, entre jovens dos 15 aos 19 anos, a perspectiva é de retração em 21%.

Decisão difícil

O momento em que uma família escolhe transferir o familiar para uma Instituição de Longa Permanência (ILP) é marcante. “Eu já não tinha mais como. Estava interferindo demais. Eu e meus irmãos decidimos colocar a mãe em um lar. Foram quase cinco anos até essa decisão”, relembra o comerciante, Flávio Werle, 64.

Ele era o responsável por ficar com a mãe, Maria Selma, 95, durante a noite. No período da manhã e tarde, ele e os irmãos dividiam o pagamento de uma cuidadora. “Foi muito difícil. Eu trabalhava todo o dia, chegava a noite e precisava cuidar, atender para tudo. Interferia no meu descanso e na minha rotina.”

Com a piora no quadro de saúde devido ao Alzheimer, os irmãos decidiram levar para um lar de longa permanência. “Venho todas as semanas. Sei que aqui ela está bem cuidada. Tem atividades, tem enfermeiras e médicos. Se acontecer qualquer coisa, vão conseguir atender com mais agilidade do que se ela estivesse em casa.”

Natural de Estrela, no distrito de Costão, uma das moradoras do lar, Lori Leonhardt, 90, lembra como foi deixar a casa em que cresceu. “Foi muito difícil. O lugar em que eu nasci, cresci. Nem gosto de falar.”
Esteve em outras instituições e agora completa quatro anos na Vovolândia. “Recebo bastante visitas. Meus filhos vêm sempre que podem. Eu entendo. Precisam trabalhar. Eu sou muito bem tratada”. Ao lado dela, a cuidadora particular, Loreni Weiss. Para se manter na profissão, destaca: “é preciso muito afeto, paciência e empatia. Conhecer a história da vida dos idosos para saber até como atender.”

atua faz oito anos na atividade e não pensa em trocar de ofício

“É preciso mostrar como é esse trabalho”

No Vale do Taquari, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) tem uma formação específica para a função de cuidador. Inclusive módulos da formação ocorrem a partir de convênios com municípios.

Dentro da formação voltada à enfermagem, a coordenadora dos cursos técnicos da Univates, Edi Fassini, conta que a instituição modificou o currículo faz três anos e trouxe o estágio em lares de longa permanência logo para os primeiros meses. “Sabemos como existe essa carência. Os estudantes não conhecem essa atuação. É preciso mostrar como é esse trabalho.”

Não adianta só ir no lar, passar um dia, realça Edi. “Enquanto instituição de ensino, entendemos isso e passamos a mostrar que se trata de uma oportunidade. Quem se dispõem a cuidar, vai aprendendo na medida em que atua. Como não é exigida formação, muitos estudantes do técnico em enfermagem conseguem ganhos financeiros enquanto estudam.”

A experiência tem sido marcante. “Em cada despedida é um choro só. Choram os idosos e os alunos também. Eles criam afeto, entendem o quão nobre é esse trabalho. Conviver com essas pessoas marca a vida do profissional.”

Entrevista

Juliano Colombo • Superintendente do Sesi-RS

“O problema não é o envelhecimento, é a queda de natalidade”

A Hora – Como o envelhecimento interfere nesta chamada crise do cuidado?

Juliano Colombo – Desde 2005 o Brasil enfrenta uma queda na natalidade. Por outro lado, vivemos mais, o que é positivo, mas nem sempre de maneira saudável. Os sistemas de saúde são voltadas para tratar doenças e não para preveni-las. Costumo dizer, os planos de saúde são na verdade planos de doenças. E esse modelo se torna insustentável, tanto na saúde pública quanto na particular. Somando-se a isso, o aumento da longevidade nos torna mais suscetíveis a doenças crônicas. Tudo isso nos leva a repensar o cuidado, que abrange desde crianças até idosos. O problema não é o envelhecimento, é a queda de natalidade. Vivemos mais e precisamos de mais pessoas produtivas para sustentar a sociedade.

– O que podemos esperar no futuro, dado que a conta não fecha?

Colombo – Hoje, temos pessoas em idade ativa e que precisam deixar o trabalho para cuidar de seus familiares. Com o envelhecimento, haverá uma maior demanda por cuidadores. Se olharmos para países como a Alemanha, por exemplo, vemos que para cada três idosos, há um profissional da área. E eles chegam ao ponto de importar cuidadores de outras nações. A realidade é que o cuidado, em sua maioria, ainda recai sobre as mulheres, sendo cerca de 75% delas acumulam a responsabilidade pelo cuidado. Na grande maioria nem mesmo são remuneradas. Essa é a realidade que vivemos, afetando a todos. Acontece conosco, ou com algum familiar ou amigo.

– Quais são os desafios específicos do Brasil em relação a essa questão?

Colombo – O Brasil vive o auge do bônus demográfico e não aproveitamentos. Vamos envelhecer pobres. Isso afeta diretamente a saúde da população. Países como os Estados Unidos já enfrentam a crise do cuidado, causando prejuízos bilionários. Infelizmente, não temos essas estatísticas por aqui, mas estamos trabalhando para obtê-las. No entanto, é evidente que muitas pessoas já vivenciam essa realidade e sofrem as consequências.

– O que as empresas podem fazer para abordar essa questão?

Colombo – O setor privado tem um papel crucial. Precisamos que as empresas olhem para além de seus muros e influenciem as mudanças fora das organizações. Isso envolve dialogar com políticos e fazer a diferença. Sabemos que as estruturas públicas sozinhas não vão dar conta. No Vale do Taquari, por exemplo, a classe empresarial é ativa, atenta e conhece onde estão os problemas.
Em cima disso, é chegar para os políticos e apresentar isso. Cobrar deles: o que vão fazer sobre isso? Vão se comprometer com projetos voltados a atender essas deficiências? Precisamos de políticas públicas de médio e longo prazo.
Isso é semelhante à educação; soluções de curto prazo não resolverão o problema. No entanto, devido à complexidade da questão, muitas vezes, não há interesse em investir nisso. As agendas ESG (ambiental, social e governança) estão na moda, mas é crucial que essas questões não se tornem apenas conversas vazias. Devemos traduzir palavras em ações para criar um impacto real.
Isso precisa ser um projeto da governança empresarial. Dos diretores, dos CEOs, dos executivos. Aquele discurso “pago impostos e o poder público precisa resolver” você pode até estar certo, mas mas vai morrer agarrado nessa verdade se não fizer nada.

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