A tragédia expôs nossa displicência e nos força a sermos melhores. Por aqueles que se foram, pelos que ficam e aos que virão, temos a obrigação de levar a sério o planejamento de uma região suscetível à inundação. Fazer de conta e empurrar com a barriga não se admite mais.
O golpe foi duro. Fomos à lona. Em Roca Sales e Muçum, ao nocaute. Perdemos meia centena de pessoas que até o domingo antes do dia 4 ainda sonhavam com a gente. Mas morreram com a enchente. Um tanto de milhares foram salvos pela coragem e abnegação de quem não aceitava a morte, mesmo que a própria vida estava por um fio. Heróis que surgiram dos céus e das águas. Quanta superação.
As histórias incríveis e emocionantes de sobreviventes – contadas nas páginas a seguir e nos canais digitais do Grupo A Hora – servem para decidirmos jamais passar pela mesma coisa do mesmo jeito. Enchentes virão. Maiores ou menores, é da natureza. Só nos resta uma única e inadiável tarefa: planejar e organizar melhor a ocupação de nossas cidades ribeirinhas e não subestimar a força e a capacidade fatal das águas.
Ainda estamos sob efeito da comoção. As imagens e os relatos ainda impactam mundo afora, mas, infelizmente, o tempo se encarrega de fazer do episódio uma triste e sombria lembrança da história do Vale. A tarefa de reocupar as cidades e áreas atingidas será nossa, principalmente. A comoção, cedo ou tarde, vai passar. E nós vamos ficar. O socorro que vem dos governos federal e estadual é imperioso. Aliás, é exemplar a presença do Estado enquanto ente maior desde a consumação da tragédia. R$ 4,1 bilhões de recursos anunciados é bastante, mas insuficiente. Precisamos de mais. Bem mais.
O trabalho é árduo, tanto braçal, mental e também financeiro. Um contexto de ações se ergue diante do caos que ainda se impõe em Muçum, Roca Sales e em algumas áreas em Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul, Estrela, Encantado, Colinas e Lajeado. Um dia após o outro e as notícias melhoram.
A necessidade urgente ainda é devolver a dignidade para milhares de desabrigados, recolocar os alunos para as escolas, reocupar empresas e viabilizar a economia. E convenhamos, não é pouco. Passada essa tarefa mais dramática, vem o planejamento de prevenção. Um plano de prevenção contra enchente já! É o carimbo estampado na capa do jornal A Hora. Ele só sairá dali quando a região consumar projetos e ações que nos tornem mais preparados , em todos os sentidos, para encarar a elevação do nível dos rios.
A displicência e a histórica omissão nos custam caro. Em vidas e em dinheiro. Um plano de prevenção contra enchente, já. Poder Público, Ministério Público, entidades classistas, comitês de bacias, universidades e sociedade civil têm a obrigação de dar uma resposta na dimensão da tragédia. Chegou a hora de separar o “joio do trigo” e, de uma vez por todas, encarar a questão com a maturidade que se exige. Tudo ao contrário disso é apostar na sorte e insistir no desleixo.