Em primeiro lugar, e acima de tudo, eu quero deixar registrada aqui a minha solidariedade plena a todas as pessoas que sofrem as consequências do desastre decorrente da enchente que se abateu sobre as cidades atingidas, que destruiu vidas, famílias, empresas, e a própria economia da nossa região. As perdas são terríveis, e só aqueles que sentem na pele os efeitos dessa catástrofe podem descrever a dor que vivenciam. Sob todos os aspectos é lamentável. Não vou comentar sobre quem poderiam ser os responsáveis por essa calamidade. Talvez um dia sejam identificados. Se serão punidos é outra coisa. Levando em conta os antecedentes históricos do que
acontece neste país, tenho seríssimas dúvidas. Pela minha experiência de vida quase posso assegurar que não serão. Nunca. É mais provável que as vítimas sejam apontadas como as verdadeiras culpadas pelo que aconteceu do que o contrário.
Espero, sinceramente, que as autoridades que aqui compareceram e prometeram mundos e fundos, liberem as vítimas que necessitam de apoio nesta hora dolorosa do monstro da burocracia que manda neste país.
No entanto, uma coisa é preciso salientar. A impressionante solidariedade prestada pelas autoridades municipais, por servidores públicos, pelos prefeitos, por empresários, pelos voluntários de todos os cantos do Brasil que aqui vierem prestar auxílio aos necessitados (se esqueci alguém me perdoem), e fazem o possível e o impossível para
minimizar os problemas que surgiram. É a demonstração de que o povo brasileiro é bom; é prestativo; tem boa índole; é um povo que se une na desgraça que afeta os seus semelhantes.
Eu sei perfeitamente o quanto é difícil enfrentar determinados contextos de limitação completa. Às vezes o desespero nos atinge fortemente. Senti pessoalmente durante a minha vida a angústia que nos abate e nos desanima nesses tristes cenários. Dias atrás escrevi um texto em que mencionei uma carta, na qual meu pai contava a um amigo que numa comemoração do Sete de Setembro, vendo os meus coleguinhas de aula marcharem todos felizes, eu lhe perguntei por que eu não podia marchar com eles, e chorei desesperadamente com a cabeça sobre suas pernas. Eu tinha 6 anos e 2 meses de idade. Depois daquele dia, eu nunca mais chorei por esse motivo. Decidi enfrentar a situação.
Tenho um exemplo pessoal de um homem a indicar. O nome dele é Viktor F. Frankl, que escreveu um livro chamado Em busca de sentido. Vendeu milhões de exemplares em todo o mundo, sua autobiografia. Prisioneiro durante muitos anos em campos de concentração na Alemanha, durante a Segunda Guerra, ele viu seres humanos serem tratados pior do que se fossem animais. Seu pai, sua mãe, seu irmão e a sua esposa morreram em campos de concentração ou em crematórios. Exceto sua irmã, toda a sua família morreu ali. Como foi que ele, tendo perdido tudo o que mais amava, com todos os seus valores destruídos, sofrendo fome, frio e brutalidades extremas, esperando a todo o mo- mento ser ele próprio eliminado, conseguiu encarar essa crise pessoal e chegar à conclusão de que a vida valia a pena ser vivida e preservada?
Ele percebeu o que um ser humano pode fazer quando, subitamente, compreende que não tem mais “nada a perder senão a sua existência tão ridiculamente nua”. Segundo ele, primeiro surge uma fria e distante curiosidade de salvar o próprio destino. Depois surgem estratégias de preservação do que resta de vida. Fome, humilhação, medo e profunda raiva das injustiças são dominadas graças as imagens sempre presentes das pessoas amadas, graças ao sentimento religioso, e até mesmo da visão de belezas naturais, uma árvore, ou um pôr do sol.
Ele reconhece que apenas esses momentos de conforto não fixam o desejo de viver. O tema central da sua tese é o de que a vida é sofrimento e sobreviver é encontrar sentido na dor. Se existe algum propósito na vida deve também existir esse sentimento na dor e na morte.
Frankl gosta de citar uma frase de Nietzsche: “Quem tem por que viver pode suportar qualquer como”.
Precisamos fazer um esforço enorme para manter o controle. A última coisa que nos resta é “escolher a atitude pessoal que se assume” quando perdemos tudo, menos a nossa própria vida.
Vitor Hugo, outro escritor famoso, dizia: “O futuro tem muitos nomes. Para os fracos é o inalcançável. Para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes é a oportunidade”. Então, vamos começar denovo. É a vida que segue.