O país do tango e do trágico

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

O país do tango e do trágico

“Eu não falo de vingança nem de perdão, o esquecimento é a única vingança e o único perdão.”
Jorge Luis Borges

A surpresa do ano no mundo político sul americano é Javier Milei. Com aparência de roqueiro e sem papas na língua ele conseguiu aderência imediata dos seguidores de Bolsonaro e o desdém dos Lulistas, como a revista Carta Capital que o descreve como “histriônico”.

Criado em um lugar violento (para os padrões argentinos), brigado com os pais que o tratavam com abusos verbais e físicos e apoiado pela avó materna, o jovem Milei foi goleiro, cantor de uma banda cover dos Rolling Stones e jamais se casou nem teve muitos amigos, exceto os cinco mastins ingleses que trata como filhos de quatro patas. Seus detratores afirmam que ele se comunica telepaticamente com um de seus cães, morto em 2017. Milei responde a isso dizendo que o que ele faz dentro da própria casa é problema pessoal dele.

Apesar das esquisitices, aos 52 anos esse economista, professor e escritor se elegeu deputado e se tornou repentinamente a terceira via em um país acostumado com apenas duas.

Seu discurso gira em torno da liberdade e de um conceito que ele batizou como “a casta”, ou seja, a classe política argentina que vive do Estado, que faz políticas “contra a população” e que não demonstrou ser capaz de resolver os problemas do país. Ele promete “destruí-la”. Nisso não difere muito de alguém que já andou pelo Brasil caçando “marajás”.

Com frases duras e marcantes como “estou aqui para expulsar esses bandidos”, Milei começou a conquistar o apoio de jovens e de uma classe média desencantada, que se diz cansada da incapacidade das forças políticas tradicionais de resolver seus principais problemas, principalmente a inflação galopante.

Mas há quem veja a vitória de Milei nas primárias argentinas como o voto do desespero de uma população que perdeu toda e qualquer esperança na politica tradicional.

No entanto, se a direita o vê como alguém capaz de reerguer a cambaleante economia da Argentina, a esquerda o vê como um demônio que defende abertamente a total desregulamentação da compra de armas de fogo, a livre venda de órgãos humanos e alguém contrário ao aborto, legalizado na Argentina desde 2020.

Acostumada a demonizar seus adversários, a esquerda brasileira já o vê como um novo “Bolsonaro.” Mas ao contrário do brasileiro e mostrando como é burra toda generalização, o candidato argentino defende o casamento gay com um argumento muito simples: isso não é assunto para o Estado. Alias, foi esse mesmo argumento que utilizou para defender a venda de órgãos humanos.

Ainda no terreno das comparações e no quesito palavreado chulo, pode-se dizer que Milei está muitos decibéis acima do ex-presidente brasileiro. No entanto, sua experiencia com programas de televisão o tornaram muito mais articulado. “El Loco” como era chamado na escola, cultua em tempos de redes sociais, uma imagem de quem diz o que pensa.

O que será que o destino reserva ao país que cultua o tango e o trágico e esta divido dessa vez não em duas, mas em três partes.

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