O que separa o remédio do veneno é a dose. Pois é. Neste mundo cada vez mais tecnológico e virtualizado, impõe-se um olhar permanente e vigilante sobre o assunto. Me refiro ao frenético e desenfreado uso de telas virtuais.
Crianças, adolescentes, jovens e adultos – ou seja, todas as faixas etárias – gastam tempo demais em frentes as telas. Uma pandemia se desenha a partir de diagnósticos aterradores acerca do uso desregrado e indisciplinado de telas, especialmente o smartphone, que literalmente, se transformou numa extensão do corpo humano.
Resolvi escrever sobre o assunto enquanto leio o livro “A Fábrica de cretinos digitais”, escrito com excelência por Michel Desmurget, pesquisador francês especializado em neurociência cognitiva. Em 2011, foi nomeado diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França e atuou em várias universidades americanas. O livro em questão recebeu Prêmio Femina de Ensaio em 2019.
O alerta é muito sério para todos, mas especialmente para quem, assim como eu, têm filhos: “Por que pela primeira vez, os filhos têm QI inferior ao dos pais”, sustenta e explica o autor da obra. Estamos, portanto, num claro processo de involução.
Precisamos acordar. Até porque, na Inglaterra, os principais colégios ameaçaram enviar a polícia e os serviços sociais aos lares em que os pais deixam seus filhos jogarem videogame violento. Em Taiwan, onde os alunos apresentam um dos melhores desempenhos escolares do planeta, uma lei prevê pesadas multas para os pais que expõem seus filhos com menos de 24 meses a qualquer aplicativo digital e que não limitam suficientemente o tempo de uso pelos jovens de 2 a 18 anos (uso diário não deve ultrapassar 30 minutos consecutivos). Nos Estados Unidos, ilustres dirigentes de indústrias digitais, como por exemplo Steve Jobs, o mítico ex-diretor da Apple protegem sua prole das diversas “ferramentas digitais” que eles próprios criaram e comercializam.
No Vale do Silício, em geral, já existe há mais tempo, um consenso sombrio em relação a utilização de telas digitais pelas crianças. Ou seja, os gurus digitais criam seus filhos sem telas. Enquanto eles criam as ferramentas digitais para os nossos filhos, eles dão livros para os deles.
A “Fábrica de Cretinos Digitais” é um soco permanente no estômago. E o legal, é que trás o tempo todo comparações e argumentos contra as classificações generalistas e superficiais que defendem o uso das telas em todas as idades. Não quer dizer que só tenha impactos negativos, mas orienta cuidar da dose.
Sobram estudos – e o autor enumera uma dúzia deles – que quanto mais aumenta o tempo de tela, mais as notas dos alunos caem nas escolas. Na França, por exemplo, estudos mostram que o desempenho escolar se degrada em proporção ao tempo oferecido ao despotismo do senhor smartphone: quantos menos o aluno é parcimonioso, mais seus resultados caem.
Enfim, indico a leitura de A Fábrica de Cretinos digitais para que possamos elevar nossa compreensão e reflexão sobre nosso comportamento diante das telas. Quantos mais os aplicativos se tornam inteligentes, mais eles substituem nossa reflexão e mais nos ajudam e nos tornar idiotas.