A origem da menção “Viva o Rei” é antiga e encontra-se em hebraico na Bíblia: (Samuel I, 10, 24). Este é o grito de aclamação dos judeus quando Saul é nomeado rei de Israel por Deus e Samuel o anuncia.
Já a expressão “O rei está morto, vida longa ao rei!” é uma frase tradicional que era proclamada durante a ascensão de um novo monarca na França. Desde os carolíngios, o poder do rei era assegurado pela eleição e pela coroação antecipada, o que dava um caráter divino ao monarca. Assim que um rei era coroado (rex coronatus, “rei coroado”), ele tinha seu filho associado à função real por uma eleição que o tornava o futuro rei, sucessor de seu pai (rex designatus, “rei designado”).
No entanto, poderia existir um vácuo de poder entre a morte do rei e a coroação do seu sucessor que se realizava apenas na sua maioridade. Isso aconteceu inclusive no Brasil, quando do retorno de D. Pedro I a Portugal deixando seu cargo para o pequeno D. Pedro II. Justamente por isso alguns monarcas tentaram ultrapassar esta desvantagem: Filipe III é o primeiro rei a datar os seus atos em 1270 a partir da morte de seu pai e não de sua coroação, reduzindo a maioridade do príncipe para 14 anos.
Dois éditos de Carlos VI em 1403 e 1407, talvez inspirados na apreensão hereditária do direito privado (segundo a qual “os mortos apoderam-se dos vivos“), estabeleceram dali para frente a instantaneidade da sucessão segundo a qual o título de soberania é transmitido imediatamente após morte do monarca anterior.
De forma macabra o próprio ritual fúnebre pôs em prática essa continuidade: no caixão de Carlos VI, uma efígie representando o rei vivo (boneco de madeira com cabeça e mãos em cera) veste a insígnia, símbolo da continuidade da função real. Ali se materializava a teoria do “duplo corpo do rei”: a corpo físico mortal e o corpo político eterno, que se originou na noção teológica do “corpo místico”. Isso exigia que o sucessor não participasse do funeral para evitar que dois reis da França estivessem presentes ao mesmo tempo no mesmo local.
Os gritos “Morto está Rei Carlos, viva o Rei Henrique” foram ouvidos pela primeira vez no momento do enterro de Carlos VI em 1422 e permitiram a transferência instantânea dessa dignidade para seu sucessor, o rei Henrique. O grito “O rei está morto, viva o rei!” apareceu pela primeira vez em sua forma impessoal, no funeral de Carlos VIII em 1498.
Por isso essa frase que surgiu na França foi (mal) traduzida para o português como “rei morto, rei posto “ e acaba sendo usada de forma cínica para aludir à ingratidão dos homens, que, logo após a queda de um senhor, de um chefe, o esquecem e procuram outro.
Dito isso, a frase parece adequada para o atual momento em que Bolsonaro descobre, cada vez com mais assombro e indignação, que está vivo fisicamente, mas morto politicamente.
Opinião
Marcos Frank
Médico neurocirurgião
Colunista