Há mais de vinte anos, quando eu dava uma palestra na região, uma mulher falou: mas tem mulher que gosta de apanhar, Delegada! Fiquei chocada! Não imaginava que, naquele espaço de sensibilização, alguém fosse verbalizar frase tão preconceituosa.
Assim, quando depois de tantos anos percebo mulheres que ainda discriminam outras mulheres e que desprezam todas as lutas históricas, fico muito preocupada.
Como pode depois de inúmeros avanços e conquistas relacionadas à equidade de gênero, ainda chamarem de loucas as mulheres que se rebelam contra um sistema opressor ou de vadias se buscam ter os mesmos direitos dos homens? O que dizer das que chamam a dor de outras mulheres de “mimimi”?
Mais recentemente, surgiu um movimento que recebe do inglês o nome de Tradwife e que parece ter saído das revistas da década de 50. É formado por mulheres que se dizem empoderadas, porém exaltam ser dependentes financeiramente dos companheiros e têm a crença de que o lugar da mulher é apenas em casa.
Não estou aqui me referindo às mulheres que optam por ficar em casa trabalhando na lida doméstica (sim, é um grande trabalho) enquanto o homem sai para trabalhar. Nem de relacionamentos baseados em respeito, em que o serviço doméstico é valorizado e compartilhado pelo cônjuge e a educação dos filhos é responsabilidade dos dois. Se é escolha consciente da mulher, tranquilo. Se não repudia quem segue uma carreira, tudo certo.
Estou aqui me referindo a uma panfletagem à submissão, a retrocessos, onde os direitos conquistados com tanto esforço são desdenhados e o movimento feminista é comparado a um demônio destruidor de lares.
Nos últimos meses, li e ouvi comentários nas redes sociais onde mulheres pregam coisas absurdas. Falam que os maridos não podem fazer serviços domésticos para não perderem a sua masculinidade. Afirmam que o homem deve ser o único provedor da família, que ele deve ser a liderança no lar e alegam que o mundo piorou depois que as mulheres saíram para o mercado de trabalho. Até exercícios físicos são escolhidos para que as mulheres não reforcem músculos, já que, nessa concepção retrógrada, só quem deve ter força é o homem. E essas mulheres reúnem-se em grupos para compartilhar como devem mimar e ‘segurar’ o marido.
Que triste isso! Tais mulheres ainda não se deram conta de que estão servindo ao machismo estrutural e de que, num país com índices alarmantes de feminicídio como o nosso, é um enorme risco pregar que a mulher é um ser inferior. Isso objetifica a mulher e estimula a violência.
Empoderadas? Não! Parecem mais empoeiradas e enclausuradas num passado de submissão.
Fiquemos vigilantes com esses movimentos! E sigamos tentando sensibilizar essas mulheres para que despertem para a realidade.