A delimitação de terras indígenas é uma polêmica longa e que não será resolvida com a aprovação na câmara dos deputados desta semana. A Constituição Federal de 1988 garante o direito a terra aos índios, uma proteção após décadas de perseguição.
Determinar que só pode ser reconhecida área de posse dos povos originários aquelas com comprovação de vivência antes de 1988 é mais um capítulo da história do colonialismo no Brasil.
No Vale do Taquari, a etnia Kaingang em Lajeado (no bairro Jardim do Cedro) e em Estrela (Linha Glória), exemplifica como essa população foi subjulgada. Toda a área deste pedaço do Rio Grande era indígena. Estudos arqueológicos iniciados em 2000 pela Univates confirmam que se tratava de um local comum dos grupos Guarani e dos próprios Kaingang.
Veja bem leitor, caso o marco temporal for colocado em prática, nenhuma aldeia atual por aqui teria confirmação de propriedade de terra. Nem ali na beira da ERS-130 e nem na BR-386. Por mais que os estudos arqueológicos comprovem o contrário.
Os povos indígenas, perseguidos, dizimados e marginalizados pela ocupação europeia na América Latina (inclusive por esses pagos), foram empurrados pelo avanço das cidades à beira das estradas. Estimativa do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta que das 1.393 reservas existentes no país, 871 seguem com pendências de regularização.
História de combate
A trajetória do grupo Kaingang foi de resistência. Mantiveram combate contra a expropriação das terras até quando o Estado impôs força por meio de armas. Ao longo dos anos de 1950 e 60, o patriarca Manoel Soares, da Terra Indígena Linha Glória, e familiares fugiam dos aldeamentos criados pelo ex-governador Leonel Brizola.
Os índios viveram sob repressão institucional. Eram colocados nas famosas “caçambas do Brizola”. Transportes que os carregavam à força para aldeias improvisadas. Nesta época, também havia o regime “Panelão”, do Serviço de Proteção ao Índio.
Que “proteção” era essa?
Os povos originários eram obrigados a deixar as terras, onde cultivam a própria alimentação, onde estavam suas raízes, para serem atendidos em uma cantina coletiva. Perderam a relação com a terra e os meios de manter a própria subsistência. Foram nestes anos que surgiu os primeiros acampamentos nas beiras de rodovias.
Vamos parar de hipocrisia. O que está em debate é a exploração das terras. Por aqui no Vale, não há jazidas de metais ou madeiras nobres para enriquecimento de alguns. Mas pense lá nas bandas do Maranhão, de Tocantins e Amazônia.
Há tempos que vemos que a representação parlamentar está muito mais próxima do poder econômico do que pelo interesse em contribuir com o bem-estar social e em reparar injustiças históricas, como as cometidas contra os povos indígenas.
Desconsiderar a propriedade
O professor e pesquisador, doutor Luis Fernando da Silva Laroque, frisa: “as comunidades Kaingang no Vale do Taquari são indígenas em contextos urbanos, muitos dos quais são negados pelas políticas públicas e agências institucionais do Estado Nação. Essa é mais uma complexidade que temos. Portanto, o marco temporal interessa muito para desconsiderar e legitimar este tipo de realidade, pois não estariam na lei.”
Enquanto isso, alguns ainda querem cobrar que o Centro de Tradição Kaingang construído às margens da BR-386 seja aproveitado. O “homem branco” deu algumas migalhas, virou as costas e agora quer prestação de contas. É como o colonizador querer de volta o “espelho” após levar toda a terra.