Maternidade plural:  amor de todos os jeitos

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Maternidade plural: amor de todos os jeitos

Mãe solo, duas mães, mãe e pai. A constituição da família, hoje, não segue mais um padrão e a maternidade se tornou diversa. Neste Dia das Mães, conheça a história de três mulheres que compartilham as alegrias e desafios de criar os filhos com ou sem união

Maternidade plural:  amor de todos os jeitos
Evelise Ribeiro e Vandréa Vanzin são um casal há 15 anos e, juntas, criam a filha Ana Clara, em uma família com carinho, respeito e amor. Crédito: Divulgação
Vale do Taquari

Quando Ana Clara, 4, é questionada sobre a família, responde logo e com um sorriso no rosto: “Quantas mães você tem? Eu tenho duas”. Filha de Evelise Ribeiro e Vandréa Vanzin, ela sabe, desde cedo, que existem famílias diferentes entre o próprio grupo de amigos e a importância de respeitá-las.

Mas, se hoje a maternidade é encarada com tranquilidade pelas mães, nem sempre foi assim. Evelise e Vandréa se conheceram há 15 anos, em Porto Alegre, onde viviam até a decisão de se mudarem para Lajeado e compartilhavam o desejo de ter um filho. Enquanto Vandréa não queria gestar o bebê, este era um sonho de Evelise e o acordo resultou em um tratamento para a fertilização in vitro, que iniciou em 2015.

“Quando a gente começou a fazer os testes, descobrimos que, com 33 anos, eu estava em menopausa precoce. Foi um susto. Fiquei bem triste e veio a realidade: nunca vou conseguir ter filhos geneticamente meus”, conta Evelise.

Por outro lado, Vandréa tinha óvulos que poderiam ser implantados na parceira. Mesmo assim, não tiveram sucesso. “As coisas foram ficando bem difíceis, porque o psicológico pega. Eu fui engordando, e aí a Vandréa disse ‘para, acabou, vai cuidar da tua saúde, quem vai engravidar sou eu’”.

Naquele momento, Evelise entrou na fila da bariátrica e Vandréa fez a fertilização do último óvulo ainda congelado e engravidou. As duas afirmam uma mudança grande na rotina depois do nascimento de Ana Clara e, sempre que podem, programam atividades em família. “É algo muito legal, a gente ama a vida que a gente escolheu. Valeu a pena correr atrás do nosso sonho. Nossa missão é dar exemplo para a nossa amada filha”.

Mãe de Marias

Na casa de Aline Giovanella, a família é construída de forma tradicional. A mãe, o pai e duas filhas: Maria Clara, 13, e Maria Antônia, 6. A gravidez das meninas foi planejada. Inclusive a distância de sete anos entre cada gestação. Mesmo assim, na hora do parto, vieram as dúvidas e inseguranças. Mesmo com todo apoio familiar, a maternidade continua sendo um desafio.

“Tem coisas que ninguém fala pra gente. Romantizamos um pouco a maternidade, principalmente quando somos jovens”, destaca Aline. Ela conta que quando engravidou da primeira filha, aos 28 anos, também tinha a ideia romântica de ser mãe. Logo após a cesária, o sentimento foi outro e levou um tempo até voltar a se sentir bem para cuidar da filha.

Na segunda gestação não foi diferente. Mas ela já sabia do processo e encarou o parto cesariana com mais segurança do que a outra vez. “Quando o bebê nasce, tu tem aquele choque de realidade: Opa! E agora? O que eu vou fazer?”. Ela lembra que antes de Maria Antônia nascer, o casal preparou a filha mais velha para a chegada da irmã. Nos primeiros meses depois do nascimento, Aline ficava em casa com a pequena e os passeios de Maria Clara eram sempre com o pai.

Um dia, a menina foi conversar com a mãe e disse que sabia das mudanças com a nova integrante da família, mas que ninguém tinha avisado que Aline não participaria mais dos passeios. “Ela disse: ‘quero devolver minha irmã, não quero mais ela’. Aí eu pensei ‘meu Deus, e agora?”. Hoje, as duas “Marias” são muito próximas e a relação de irmandade dá orgulho para os pais.

Ao longo dos anos, Aline também experimentou a maternidade de diferentes formas: em casa, 100% disponível para as crianças, trabalhando em uma empresa privada e também como empreendedora. “A maternidade mudou muito minha vida porque a gente passa a colocar o filho em primeiro lugar”, destaca.  Para ela, uma gestação é sempre uma surpresa e ela gosta de ver o desenvolvimento das filhas. “Cada dia é uma novidade, uma coisa diferente. É demais. Eu amo ser mãe”

Na casa de Aline Giovanella, a família é construída de forma tradicional. A mãe, o pai e duas filhas: Maria Clara e Maria Antônia. Crédito: Divulgação

Mãe e bebê

Pai, mãe e filho. Esse era o modelo de família que Jeane Baron sonhava em ter. A vontade de maternar sempre acompanhou o desejo de se casar. No entanto, as idealizações que acompanhavam a profissional de relações públicas desde criança tiveram que ser revistas.

As coisas não saíram exatamente como planejado. Ela vivia um relacionamento recente quando descobriu a gravidez e teve que aceitar ser mãe solo.
“Sei de muitas mulheres que querem isso e inclusive planejam ser mães independentes, não vejo problema algum nisso, mas esse não era um desejo meu, eu queria viver isso junto com alguém”, conta. A falta de um pai presente ocorria sobretudo pela ausência de companhia de ir ao parque, de comemorar as conquistas dos filhos, de planejar a rotina.

Para encarar os desafios foi necessário ressignificar a maternidade. Foi assim, entendendo os novos significados, que ela aprendeu que o laço entre mãe e filho é mais importante do que a imagem da família tradicional. Leonel nasceu em 2019, de uma gestação tranquila. O bebê calmo e saudável ajudou a mãe de primeira viagem a se adaptar à nova realidade. A relação com o pai se mantém amigável e respeitosa.

Um dos maiores desafios ocorreu durante a pandemia, quando Leonel tinha um ano, período em que a criança demanda bastante atenção e, sem escola, Jeane se dividia entre o home office e o cuidado com o bebê. Apesar das dificuldades do período, ela conta ter sido nesse momento que o laço entre ela e o filho se fortificou ainda mais.

Hoje, já com quatro anos, Leonel é o grande parceiro da mãe. A empatia entre as colegas de trabalho, além do apoio da família, é um dos pilares da maternidade de Jeane. “Precisei ressignificar a maternidade e, hoje, consigo ver eu e o Leonel como uma família”, conclui.

O sonho de Jeane Baron era ser mãe e, hoje, mesmo sem a figura paterna, ela cria Leonel com ajuda da família e muito amor. Crédito: Bibiana Faleiro


ENTREVISTA | Suelen Beal Miglioransa – psicóloga especialista na relação pais-bebês e atenção materno-infantil e obstetrícia. Mestre em educação e saúde

“Não há espaço social para uma mulher dizer que é impossível dar conta de tudo”

O que é importante para todas as mães ao cuidarem dos filhos?

O que os filhos mais necessitam é o investimento emocional. Um bebê só irá existir se os seus cuidadores tiverem a capacidade de identificar-se com suas necessidades, como alimentação e higiene mas, principalmente, investimento emocional. Indiferente da configuração familiar, o que mais importa é o “como”. Sendo uma mãe solo, duas mães, avós, pai solo ou mãe e pai, os principais cuidadores precisam estar presentes desempenhando a função materna e paterna com afeto e sustentação emocional para o desenvolvimento dos filhos em cada etapa da vida.

Muitas mulheres também se comparam em termos de maternidade e se sentem culpadas por não darem conta de tudo, como a família, o trabalho, a saúde, a vida social. Como você avalia isso?

Winnicott, que era um pediatra e psicanalista britânico, diz que uma mãe não precisa ser perfeita, ela precisa ser “suficientemente boa”. Na medida que seus filhos vão amadurecendo, suas falhas em atender todas as necessidades levam eles a uma menor dependência, de modo que eles possam ir amadurecendo e criando suas estratégias de enfrentamento e regulação emocional para viver no mundo. “Dar conta de tudo” e também “fazer tudo certo” é uma auto exigência muito presente que pode surgir por crenças trazidas da própria infância mas, principalmente, porque não há espaço social para uma mulher dizer que é impossível dar conta de tudo. A mãe que assume isso corre o risco de ser julgada, apontada e de sua queixa ser minimizada.

Seja a mãe, da forma que ela for, qual a importância de ter uma rede de apoio na criação dos filhos?

A rede de apoio é fundamental. Uma coisa são as funções maternas que só uma mãe (biológica ou não) será capaz de desenvolver na relação com seus filhos e no desenvolvimento emocional deles, outra coisa é dar conta de todas as responsabilidades na criação de um filho e de um lar. A maternidade é um trabalho invisibilizado e essa carga precisa ser dividida. A criação dos filhos não é responsabilidade exclusiva das mulheres. Os pais precisam ser mais ativos em suas funções que são tão fundamentais para o desenvolvimento saudável dos filhos quanto as maternas. Falar de maternidade não é “coisa só de mulher”, é coisa de todo mundo que está vivo porque, afinal, teve uma mãe que lhe deu a luz.

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