Depois das oito horas diárias de trabalho no computador, a jornalista e gestora de tráfego pago Natália Richter, 24, passa mais quatro horas em frente às telas para lazer ou aperfeiçoamento pessoal.
Ela está entre as usuárias da internet acima da média nacional de exposição às telas, como mostra pesquisa da Eletronic Hub. O levantamento analisou as tendências em 45 nações desenvolvidas para descobrir qual o perfil dos usuários.
No quesito tempo em frente a telas, o brasileiro fica 56,6% das horas acordado usando algum dispositivo eletrônico conectado na internet. Natália é responsável por planejar, executar e analisar campanhas de mídia pagas em plataformas online. A superexposição traz efeitos negativos, diz.
“Sinto muito cansaço nos olhos, em especial à noite. Nos fins de semana, por exemplo, isso não acontece, pois evito o uso do celular nas horas de folga”. Mantém na rotina algumas precauções, como o uso permanente de óculos e também de protetor solar. “A luz azul das telas prejudica também a pele”, afirma.
Apesar dos malefícios, há pontos positivos. No trabalho, as tecnologias representam mais praticidade, pois garantem recursos que auxiliam no desempenho e na entrega dos resultados, frisa.
Sociedade em mutação
As transformações provocadas pelas tecnologias interferem no mundo do trabalho e nas relações humanas. Smartphones, tablets e computadores se tornaram ferramentas inseparáveis. Algo impossível de se pensar nas gerações passadas.
“Vivemos um momento histórico na forma de nos comunicarmos e de buscar informações. Precisamos aprender a lidar com isso. Estabelecer limites de uso para manter a nossa saúde”, avalia o mestre em Educação, professor do Centro Universitário do Senac, Militão Ricardo. “A tecnologia não é boa ou ruim. Bom ou ruim é o uso que as pessoas dão a ela. Estamos em um princípio de caminhada”, reforça.
Para ele, um dos principais aspectos positivos é o fato dos aparelhos terem uma grande capacidade de processamento de informação. Isso aumentou o potencial de acesso às informações. “O conhecimento circula mais rápido. O que precisamos regrar é o uso mal-intencionado das redes sociais e da engenharia social para manipular as pessoas.”
O professor alerta sobre aspectos negativos desta exposição, como a dificuldade de desconectar. “Podemos ser encontrados a qualquer momento. A relação entre tempo de trabalho e de descanso se perdeu.”
Conexão permanente
Fernanda Reis Schmitz, 27, é publicitária e head de conteúdo em uma agência de marketing. A exposição à luz azul e a conexão diária ao mundo digital são inevitáveis. “Como eu trabalho pelo computador, eu sinto às vezes dor de cabeça ou cansaço mental. Tenho dificuldade de me desconectar do que acontece”, conta.
Para dar conta das 10 horas que passa conectada – entre trabalho e lazer – faz pausas. Cerca de 15 minutos de descanso de manhã e pela tarde. Ainda assim, para Fernanda, os dispositivos tecnológicos trazem benefícios, como a possibilidade de trabalhar em qualquer lugar do mundo.
Prejuízo a visão
Assim como quem trabalha com redes sociais, profissionais da área da tecnologia da informação também estão expostos ao risco de danos à saúde pelo uso exagerado das telas. O programador Lucas Emanuel Germano, 23, conta que passa metade do dia em frente ao computador. O tempo de uso do celular é variável, mas é um dos contribuintes para a visão cansada, sobretudo em ambientes com baixa iluminação.
Nem mesmo as reuniões da equipe escapam da virtualidade. “Logo após iniciar a minha carreira, descobri que precisava de óculos. Sempre escolhi lentes com filtro de luz azul para aliviar os sintomas de ficar muito tempo diante das telas”, conta. Além disso, o programador configura os aparelhos para a opção noturna, que diminui a intensidade de luz.
Cotidiano com as crianças
Professora faz 30 anos, a especialista em Gestão Escolar e Orientação Educacional, Solange Kunrath, percebe a transformação no comportamento das crianças de hoje em comparação com as de gerações anteriores. Falta de paciência, irritabilidade e agressividade são condutas mais presentes nas escolas atuais.
Solange nota que as crianças ou adolescentes que passam mais tempo conectadas são aquelas que, com frequência, ficam mais isoladas. “Se envolvem mais em conflitos com colegas e até mesmo aparentam estarem mais cansados e com sono”, reforça.
“Conforme a situação e a idade da criança, o celular pode ser substituído por uma caminhada, um passeio de bicicleta, um jogo de tabuleiro, uma brincadeira, uma conversa olho no olho e de escuta atenta, uma contação de histórias, inclusive manuseando livros, brincadeiras que envolvam a imaginação”, reitera. Para isso, é importante que os adultos da família estejam disponíveis para dar atenção aos pequenos.
Saúde do corpo e da mente
O neurocirurgião e professor do Curso de Medicina da Univates, Marcos Frank, realça que o uso excessivo interfere no funcionamento do cérebro. De acordo com ele, o cortisol (hormônio que atua como um biomarcador de estresse) é um dos atingidos. “Um artigo recente afirma que até três horas por dia de uso da mídia por crianças em idade escolar resulta em redução no cortisol, o que é prejudicial ao desenvolvimento dela”.
Entre os adultos, provoca situações como resistência à insulina, deficiência visual, dores de cabeça, fadiga ocular, olhos secos, hábitos sedentários, depressão e comportamento suicida, estão associados à hiperexposição às telas.
“Regular o tempo de tela é vital à estabilidade e recuperação progressiva da saúde mental. Não é só quanto tempo estamos usando as telas que realmente importa, é como os estamos usando e o que está acontecendo em nosso organismo. O cérebro humano está constantemente construindo conexões neurais enquanto elimina as menos usadas.”
O psiquiatra Roberto Pierobom Lima adverte para a necessidade de descanso. “Precisamos desligar. O cérebro necessita de repouso entre as tarefas. O que estamos vivendo é que fazemos um trabalho, vamos às redes sociais, depois voltamos para mais alguma tarefa.” Essa imersão nas telas vão até à noite, momento de relaxar. “Dormir mal nos expõe a diferentes riscos. O sono está muito ligado à saúde mental”.
O tipo de acesso também interfere. “Se frequentamos conteúdos alarmistas, cria-se um quadro de hipervigilância. A pessoa está sempre preocupada. Isso aumenta muito a ansiedade, casos de síndrome do pânico, estresse e até depressão.” Quanto ao desenvolvimento cognitivo, estar sempre ligado às telas reduz habilidades interpessoais. “As experiências sociais são fundamentais. Interagir no real cria memórias, melhora nossa comunicação.”