Alguém já disse que as perguntas são mais significativas do que as respostas. Perguntas nascem da curiosidade, da dúvida e até do medo. Perguntas pressupõem criatividade, razão por que, às vezes, incomodam.
A pergunta, em se tratando de literatura infantil, é especialmente importante. Por essa razão, já vai longe o tempo dos livros com moral da história, mensagens óbvias e linguagem edulcorada. Crianças são exigentes. E gostam de descobrir…
A atual literatura infantil é desafiadora e nem sempre traz resoluções explícitas ou respostas únicas. A chave pode estar nas veleidades de uma trama complexa ou num verso que continua sussurrando na cabeça do leitor, mesmo quando se torna adulto, pois um livro a ser experenciado por meninos e meninas precisa ultrapassar, na memória, o tempo da infância, fazendo-os voltar, de vez em quando, para aquele texto que nos encantou, décadas atrás.
Por isso, é muito bom ver que novos escritos para a infância estão surgindo em nosso meio e que ultrapassam o imediatismo. Morgana Domênica Hattge lançou, recentemente, Por quê?, livro belamente ilustrado por Oscar Reinstein. Educadora apaixonada por literatura, Morgana enveredou pela escrita e já está em sua segunda criação. A primeira, Maria na janela (2022), ilustrado por João Alfredo Caberlon, também revela o encanto que a autora sente pela curiosidade das crianças.
Por quê?, Editora Arterinha/Appris, 2023.
Bernardo, o protagonista de Por quê?, é um garoto que pergunta incessantemente e, quando encontra as respostas, em livros, internet ou professores, volta com outras perguntas. O processo, no entanto, se interrompe, na medida que se torna adulto. O homem esquece o menino e não questiona mais. Sua missão no mundo, agora, é seguir a suposta ordem da vida: trabalhar, estudar, progredir, ter coisas.
Por sorte, a existência humana é plena de infância. Bernardo, em dado momento, encontra o seu Oráculo de Delfos e, possivelmente, o nosso espelho como adultos. Se, por um lado, Por quê? é um livro dirigido a crianças, ele também incita-nos a revisitar o passado e a inquirir sobre por que (e quando) paramos de “curiosear” e de mexer em caixas secretas.
Mas, para além das reflexões que provoca, a nova obra de Morgana Hattge é pura leveza e, inclusive, rende boas risadas. Nas páginas finais, encontramos o alarido de um delicioso recreio, formado pelas perguntas feitas por crianças inteligentes e curiosas. “Por onde andará a minha meninice? ” questiona a nossa voz interior. Para saber, pode-se perguntar ao pequeno Martin que, na sabedoria dos seus 3 anos de idade, tem uma resposta na ponta da língua: Sabe por que eu sei? É que eu penso em tudo.