Dúvidas pairam sobre a Languiru e causam apreensão entre líderes regionais, fornecedores, transportadores, produtores rurais, funcionários e agentes públicos. Em meio ao plano de recuperação, informações desencontradas propagadas pela internet elevam a tensão sobre o futuro da cooperativa.
Tanto que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Teutônia e Westfália, com presença da coordenação regional da entidade e de associados, solicita uma reunião com a diretoria da Languiru. O pedido foi encaminhado na manhã dessa terça-feira.
“A situação é preocupante. Bastante difícil saber o que é verdade e o que não é. O associado está angustiado. Nossa preocupação é como ficará a cooperativa. Por isso queremos transparência sobre os números de hoje e o que está sendo feito”, realça a presidente do STR, Liane Brackmann.
Prefeitos integrantes do consórcio G7 também tentam um encontro com o presidente da Languiru, Dirceu Bayer, e demais diretores. Uma agenda chegou a ser pré-agendada, para essa quarta-feira, mas foi desmarcada.
Conforme os gestores públicos, a intenção é ajudar a cooperativa. Inclusive pretendem se reunir com a Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa. O assunto sobre a situação das finanças da cooperativa ganhou maior proporção com o vazamento de um documento da Languiru direcionado para bancos credores.
No material, detalha os prejuízos no segmento aves e suínos nos últimos dois anos. Juntos, somam R$ 274 milhões. Uma consultoria contratada pelo Banrisul fez um diagnóstico sobre a situação financeira da cooperativa, inclusive com um plano de reestruturação do endividamento.
Apenas com as instituições bancárias, a dívida atinge R$ 826,8 milhões. Somados fornecedores, terceirizados e transportadores, estimativa extraoficial aponta que essa dívida se aproxime de R$ 1,8 bilhão.
Pagamentos em atraso
Fornecedores, terceirizados e transportadores estão aflitos com relação ao pagamento. Na sema- na passada, prestadores dos serviços de coleta dos produtos dos associados e entrega na indústria estiveram em uma reunião com o setor financeiro da cooperativa.
“A informação é que não há previsão. Fiquei bem assustado. Tenho mais de R$ 100 mil para receber do mês de dezembro”, conta um motorista que prefere não se identificar. Estima-se que haja 58 transportadores nesta situação.
De acordo com ele, a preocupação pela continuidade dos atrasos é quanto às futuras coletas. “Tem gente que vai desistir. E quando o produto ficar na propriedade e ninguém for buscar?”
Entre o grupo dos motoristas, há um temor em expor as situações. “Estamos confiando que vamos receber. Neste momento não há muito para falar.”
Nos supermercados, clientes também começam a ver falta de alguns produtos. Vão desde frutas, massas, pães e refrigerantes.
Um fornecedor afirma: “entregamos os materiais e esperávamos receber dia 15 de janeiro a carga de dezembro. São cerca de R$ 300 mil. Esperei um dia, não entrou. Em seguida, entrei em contato com o setor financeiro. Ninguém respondeu. Mandei mensagem, e-mail e nada”, conta o empresário, que
também prefere não se identificar.
Sem resposta, entrou em contato com um comprador. “Ele me admi- tiu que estavam com dificuldades. Marcamos uma reunião, estive lá, e disseram que não havia previsão de quando poderiam pagar.”
Neste tempo, concluiu o pedido de janeiro, negócio aproximado de R$ 350 mil. “Estou com mais de R$ 600 mil para receber. Decidi não atender mais com venda a prazo. A cooperativa me consultou, para mais entregas, agora só à vista.”
Investimentos não deram resultado
O segmento de proteína animal sofre com instabilidade do merca- do e aumento dos custos de produção. No mercado internacional, a queda nos preços pagos na exportação à China de carne suína, aumentou estoques e diminuiu o preço do produto final no mercado interno.
Diversas indústrias tem registrado prejuízos nessas atividades. O que faz o quadro ser mais críticos para a Languiru são os R$ 300 milhões de investimentos feitos nos últimos cinco anos. Houve expansão de linhas, atualização tecnológica das plantas industriais, entrada em novos negócios, sem o resultado esperado.
O faturamento da Languiru fica na casa dos R$ 2,2 bilhões. Com os juros, a dívida com os bancos sobe para algo próximo a R$ 1 bilhão. Isso representa 68,1% da arrecadação com os negócios por ano. Do montante em débito, 80% está concentrado no Banco do Brasil, Sicredi, Banrisul e Sicoob. O restante distribuído em fundos de investimentos. A renegociação das dívidas é conduzida pela CD Capital, de Derci Alcântara. O executivo atuou como vice-presidente de agronegócio do Banco do Brasil.
Em dezembro, o presidente da cooperativa se pronunciou em reunião da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat). Na ocasião, afirmou que seriam feitas demissões e redução na produção.
Na época, afirmou que para cada quilo de suíno produzido, havia um prejuízo de R$ 3. “Se antes abatíamos 1,6 mil, vamos produzir mil. Estamos encolhen- do”. Essa condição também re- cai sobre a avicultura. “Faço esse alerta pois não adianta depois que fecharmos as portas dizer que não sabiam”, realçou Bayer diante dos prefeitos.
Entre a desconfiança e a esperança
A reportagem percorreu o interior da região, em contato direto com os associados. Foram visita- das propriedades e também contatados produtores de diversos municípios. Foi adotado como critério o sigilo de fonte, inclusive a pedido dos próprios entrevistados.
A sensação dos produtores se divide entre desconfiança e crença de que a cooperativa vai se recuperar. Em Estrela, um dos agricultores afirma: “todas empresas passam por momentos de dificuldade. A Languiru vai se recuperar. Fornecedor de leite à indústria, é associado faz quase 50 anos. “Nenhuma vez houve atraso. Recebo em dia e com preços melhores que outras empresas.”
Em Coqueiro Baixo, um produtor se diz desconfiado. “Fui olhar na conta e tinha pouco dinheiro. Também não recebi a nota fiscal. Vou precisar conferir tudo.” Insegura quanto aos pagamentos, uma agricultora consultou o técnico agropecuário. “Ele me disse que há muitas notícias falsas e que a parte do produtor está garantida.”
Em comunicado aos associados em 16 de janeiro, por meio de vídeo, o presidente Dirceu Bayer reconheceu as dificuldades e os atrasos de pagamento aos fornece- dores e terceirizados. No material, relata que os débitos estão em renegociação. “Nosso produtor será preservado e a Languiru continuará firme e forte”.
Da mesma forma, se comprometeu com o sistema bancário, fornecedores e funcionários. “Isso tudo gera dúvidas, mas estamos imbuídos em executar esse programa de reestruturação.” A presidente do STR Teutônia e Westfália, Liane Brackmann, destaca a preocupação das famílias com os financiamentos. “Muitos produtores investiram em chiqueirões, aviários, na automação no segmento do leite. Precisamos de transparência, para saber como essas questões vão ficar.”
Renegociação com os bancos
No plano entregue às instituições financeiras, a cooperativa pede a prorrogação do prazo para os financiamentos para sete anos, com os dois primeiros de carência. A carta encaminhada aos bancos, assinada pelo presidente Dirceu Bayer e pelo superintendente Administrativo, Comercial e Financeiro, Rafael Lagemann, diz que a cooperativa “tem enfrentado um cenário extremamente desafiador pela elevação do custo dos insumos, estiagem rigorosa no Rio Grande do Sul com redução substancial na oferta de produtos locais, elevação drástica da taxa Selic e redução do poder de com- pra dos consumidores”.
A cooperativa também busca de parceria com outras cooperativas para a operação nos negócios de suínos e aves. Inclusive abre a possibilidade de vender as unidades de Westfália e de Poço das Antas. Entre as medidas, também está adiar o pagamento das dívidas. Essa alternativa foi apresentada a algumas instituições de crédito. Entre as condições para avançar, foi apresentada a troca da presidência da cooperativa.
Com o quadro de endividamento, a Languiru não tem crédito para pedir novos empréstimos direcionados para quitar os débitos.
Briga política e desavenças internas
A divulgação da carta aos bancos expõe divergências dentro da Languiru eleva tensão interna. Também conflagra disputa política pelo menos desde o fim de 2017. Opositores criticam excesso de atividades fora da indústria alimentícia, pouco diálogo com associados e cobram esclarecimentos quanto aos impactos para os produtores rurais.
“Triste. É um problema de gestão e também de outras situações, que no futuro ainda serão esclarecidas”, diz o ex-vice presidente da Languiru, Renato Kreimeier. Ele deixou a cooperativa em janeiro de 2018, após assem- bleia extraordinária que destituiu o Conselho Fiscal da Languiru. À época, os integrantes haviam pedi- do uma auditoria externa sobre as contas da gestão de Dirceu Bayer.
Kreimeier afirma ter deixado a vice-presidência em solidariedade aos conselheiros afastados. “Era previsível que isso ia acontecer. Não concordava com o que estava acontecendo e agora se confirmou o que eu temia.”
A presidência da Languiru foi procurada. Dirceu Bayer res- pondeu por mensagem: “não comento mais nada com a imprensa. Devo explicações ao as- sociado somente.” Por meio de nota, a diretoria afirma que “de forma corriqueira, a Languiru tem sido alvo de iniciativas de disseminação de fake news, com compartilha- mento de documentos falsos.”
No material, também afirma que o momento não é mais de cautela, mas de recuperação e de medidas extremas à manutenção. “E as ações para esse fim es- tão sendo tomadas. Criar temor e dúvidas apenas atrapalha.”
Pelo documento, afirma que o vazamento de documentos restritos, voltados à negociação com os bancos, são ações estratégicas e, por isso, não são de forma imediata todas divulga- das. De acordo com o gerente executivo de Recursos Humanos e Desenvolvimento Cooperativo, Alexandre Schneider, a confirmação da forma da renegociação, inclusive com venda de ativos da cooperativa, só vai ocorrer após assembleia. “São os associados que vão decidir”, afirma.
Nos bastidores, informações dão conta de desavenças internas. Inclusive as demissões de dois diretores, dos setores comercial/financeiro e de Indústria/ Fomento, teriam sido motivadas por discordarem da presidência. Nenhum dos ex-dirigentes respondeu à reportagem.
“Medidas extremas”
Ao longo da semana, a situação da Languiru embasou reuniões entre representantes dos empresários, dos agricultores e também de gestores públicos. O presidente da Amvat e prefeito de Estrela, Elmar Schneider, defende a realização de uma assembleia extraordinária com os associados. “A Languiru é uma marca da região. Tem importância econômica e social. Foi construída pelo trabalho do produtor. Tenho acompanhado o assunto, em reuniões com bancos, com secretários estaduais. Inclusive o vice-governador (Gabriel Souza) se envolveu diretamente.”
Por ser um momento delicado, acredita ser necessário convocar os associados. “O conselho precisa decidir se é necessário mudar ou não a gestão da cooperativa. Agora é hora de medidas extremas.” Por parte dos gestores públicos, Schneider afirma que a Amvat organiza um encontro com os prefeitos de Teutônia e Poço das Antas. O intuito é conseguir de- talhes sobre as condições atuais da cooperativa e tentar apoio político em nível estadual e nacional, com vistas na reversão do cenário atual. “É preciso salvar a Languiru. Muitas famílias de- pendem desse trabalho.”
A reportagem entrou em contato com o Sistema Ocergs, representante das cooperativas gaúchas. Por meio de nota, a entidade afirmou acompanhar a situação da Languiru. “Como prerrogativa, o Sistema Ocergs não tem interferência na autono- mia das cooperativas”, finalizou.
O governo do Estado se limitou a dizer: “olhamos com preocupação para a situação da Languiru, em função da sua grande importância econômica e social para a região do Vale do Taquari.”