Demissões na indústria alertam para efeito cascata

ECONOMIA E EMPREGO

Demissões na indústria alertam para efeito cascata

Em dezembro, setor extinguiu 862 postos de trabalho no Vale. Sondagem da Fiergs aponta para menor atividade produtiva e redução na empregabilidade neste primeiro semestre. Com consequência, serviços, construção e comércio também começam a ser atingidos por instabilidade econômica

Demissões na indústria alertam para efeito cascata
Foto: Arquivo / A Hora
Vale do Taquari

Dos mais de 1,4 mil postos de trabalho formais fechados em dezembro nos 38 municípios da região, 57,7% foram na indústria, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Foi o pior resultado na empregabilidade do ano passado. Além de ser um movimento cíclico, comum nos períodos de fim de ano, férias e redução na atividade produtiva, somam-se dificuldades ligadas ao alto custo dos insumos, desvalorização do real, continuidade da guerra na Europa.

A economista, Fernanda Sindelar, também adverte para incertezas quanto às políticas econômicas. “Tivemos trocas de governos, mas até agora não houve o desenvolvimento de políticas sólidas que beneficiassem o setor ou a demanda de forma geral. Talvez essa seja uma das justificativas para o cenário.”

Na avaliação dela, os empresários da indústria aguardam programas efetivos para definir estratégias e também alguma melhoria no quadro geral da economia. Enquanto o país estiver em compasso de espera, diz, a empregabilidade não deve subir.

Esse indicativo de menos atividade na indústria regional também aparece em pesquisa da Federação das Indústrias do RS (Fiergs). Conforme o levantamento, as fábricas gaúchas reduzem a produção e também o quadro de funcionários.

Pela Sondagem Industrial, os resultados de janeiro estão abaixo do comportamento histórico para o início do ano e as expectativas dos empresários não indicam mudança em curto prazo. De acordo com a federação, a indústria do RS não cresce faz cinco meses, o que atinge a empregabilidade. A pesquisa da Fiergs consultou 194 empresas, 46 de pequeno porte, 64 médias e 84 grandes.

“Ponta do iceberg”

Para o presidente da Câmara da Indústria e Comércio da Região (CIC-VT), Ivandro Rosa, as mais de 4 mil demissões no Vale do Taquari em dezembro são um indicativo do que deve ocorrer neste primeiro semestre.
“As demissões na indústrias atingem todos os outros setores. É a primeira engrenagem. Em seguida, há um efeito cascata, com menos serviços, menos movimento no comércio e na construção. Se as empresas estão com pouca demanda, reduzem o número de trabalhadores.”

A atualização do Caged, com dados de janeiro, é esperada para esta semana. “Penso que teremos mais um mês com saldo negativo. Por tudo que estamos vendo nas nossas indústrias”. De acordo com Rosa, o setor de proteína animal (frangos, suínos e leite), representam algo próximo dos 80% de todas as atividades econômicas regionais.

“Os frigoríficos estão reduzindo os abates. Operam com prejuízos. O processo de desindustrialização é visível na nossa região. Mas essa é a ponta do iceberg”. Como consequência, agricultores alojam menos animais, há redução nos transportes e, em consequência, na renda das famílias.

“Expectativa que não haja mais aumentos”

O presidente do conselho administrativo da Dália Alimentos, Gilberto Piccinini, confirma a necessidade de reestruturações na cooperativa. Diz que houve redução nos abates, em especial de suínos. Por uma questão estratégica, a direção optou por não abrir os números em termos dessas atividades.

“Fizemos mudanças, mas tentamos não reduzir as equipes. Se houve demissões, foram poucas. Nossa estratégia é de agregar valor aos produtos para ter mais rentabilidade”, frisa. O dirigente ainda destaca que os custos de produção seguem altos. “Nossa perspectiva é que não tenhamos mais aumentos. Seja nos insumos e nas outras despesas, como energia e combustíveis.”

No fim da tarde de ontem, o governo federal anunciou a retomada da cobrança dos impostos sobre os combustíveis, com percentual maior sobre a gasolina. Com a volta da tributação, o Planalto estima uma alta de R$ 28,8 bilhões na arrecadação por ano.

Candies e bebidas em alta

Enquanto o setor de alimentos enfrenta condições adversas, segmentos ligados aos candies e bebidas passam por um momento positivo. “Isso se deve a própria diversidade produtiva regional. O fato é que o número de trabalhadores nestas áreas são inferiores na comparação com o segmento de proteína animal”, avalia o presidente da CIC-VT.

Na Bebidas Fruki, a produção está em capacidade máxima, afirma a diretora Aline Eggers Bagattini. “Estamos prevendo um ano excelente. Estamos com volumes de vendas crescentes no RS e em Santa Catarina. Também estamos construindo a fabrica nova em Paverama, para nos preparamos para o próximo verão.”

Ainda assim, houve impactos nos custos. “Desde a pandemia estamos com escassez de insumos, as embalagens e também de vidro, por exemplo”. A indústria emprega cerca de 900 pessoas. Porém, a maioria é do setor de atendimento externo e vendas. Nas linhas de produção, são cerca de 250 funcionários.

ENTREVISTA – Fernanda Sindelar, economista e professora da Univates

“Menos emprego significa que as expectativas empresariais com relação ao futuro são pessimistas”

A Hora – Com menos trabalho na indústria, qual o efeito para a economia regional?

Fernanda Sindelar – Efeito sempre negativo. Menos trabalho reduz o nível médio de renda. Na região, a indústria é um setor econômico importante, especialmente as vinculadas ao setor agroindustrial, por todo o efeito multiplicador. Menos emprego significa que as expectativas empresariais com relação ao futuro são pessimistas.

A Hora – Pelas expectativas de líderes locais, janeiro e fevereiro serão de saldo negativo no emprego. Qual sua análise?

Fernanda – Também acredito nisso. Considerando algumas publicações regionais, já foram noticiadas demissões em empresas. E considerando que a previsão de crescimento do PIB para este ano é baixa, segundo o último boletim Focus será de 0,84%, o emprego não deve ter um desempenho muito diferente. Como agora nos primeiros meses as indústrias citam o aumento nos estoques, se não houver um maior crescimento da demanda, o nível de empregos não deve subir

– Quanto ao processo de desindustrialização. Não é um assunto de hoje, mas, ao que parece, esse movimento se acelerou. Quais as consequências para a macroeconomia termos uma estrutura que exporta commodities e industrializa pouco?

Fernanda – As consequências são ruins. A indústria é composta por organizações que transformam a matéria-prima em bens e serviços. Na medida em que a indústria perde participação no mercado, significa que estamos conseguindo agregar menos valor às produções.

Além disso, nos prejudica no cenário internacional, pois ficamos mais dependentes de produtos com maior valor agregado e com a moeda desvalorizada em relação ao dólar. Nossas compras ficam mais caras, afetando também o desempenho da balança comercial.

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