Há muitos anos, trabalhei na Secretaria da Saúde de Estrela, na farmácia do SUS. Como eu atendia muitas pessoas com frequência mensal, especialmente aquelas com doenças crônicas, as fisionomias e os nomes se tornaram familiares. Contava muito ser uma cidade pequena, onde não era difícil passar pelos mesmos rostos, na rua, durante a semana.
Um dia, perguntei pelo Fulano de tal. Não o via mais. Responderam-me que tinha falecido. A morte não é uma surpresa para quem labora nessa área. Tratei de espalhar a notícia, pelo jeito, velha.
Passados alguns meses da comunicação do óbito, encerrando o expediente, vejo ele em frente ao guichê no qual eu atendia. Nada de gritos e desmaios. Somente um ligeiro arrepio. “Não te vi mais, acreditei que tivesse falecido”, eu disse. “Não, estive morando fora algum tempo”, ele respondeu.
Com vergonha por ter espalhado uma mentira, passei a dizer para todos os que encontrava: “Sabe o Fulano? Tá vivo.” Eu queria me livrar de um peso, talvez o da consciência. Mas esses tempos passaram.
Recentemente, o Instituto de Opinião Pública (IFOP) fez uma pesquisa entre jovens franceses – vamos começar por lá – com idade entre 11 e 24 anos. Apenas 33% acreditam que a ciência traz benefícios para a humanidade. Nunca precisaram da farmácia? Nunca usaram tecnologia? Tudo isso vem da ciência, não?
Na França, o porcentual de indivíduos abraçando dados científicos, em 1972, era de 55%. Ou seja, parece mesmo que regredimos como muitos costumam dizer. A grande questão é: o que mudou? Uma das grandes modificações, da década de 1970 para cá, foi o surgimento das redes sociais, as melhores plataformas para multiplicar a lorota. O Tik Tok tem sido apontado como recordista em compartilhamento de teorias conspiratórias e boatos.
No Brasil, fake news sobre a população yanomami, minimizando a crise humanitária; sobre supostos infiltrados na invasão do Congresso Nacional; sobre um programa chamado “Bolsa Travesti”, que teria sido criado por Haddad; sobre Lula, que, segundo Regina Duarte, teria dito que não aumentaria o salário mínimo… É uma saraivada de balelas divulgadas sem a mínima responsabilidade. Dia sim, dia sim.
Quando vi Fulano de tal vivinho, corri para desdizer o equívoco. Hoje, mesmo comprovada a falsidade, continua-se mantendo os ditos e os escritos. É como preferir dizer que viu assombração do que assumir a falha. Ninguém corrige, ninguém apaga. Não existe mais constrangimento. É hora de doer no bolso – ao menos do criador.