Incêndio na Igreja Matriz: 70 anos de um mistério

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Incêndio na Igreja Matriz: 70 anos de um mistério

Uma noite está marcada para sempre na memória de Lajeado. A Igreja Santo Inácio de Loyola foi destruída pelas chamas. Passadas sete décadas, as causas do incêndio ainda não foram explicadas. Todas as peças de prata e de ouro do templo não estavam nos escombros. O que aumenta a suspeita de que o fogo tenha sido proposital

Incêndio na Igreja Matriz: 70 anos de um mistério
Em maio, a Igreja Santo Inácio de Loyola completa 142 anos. Resiliência e empenho comunitário marcam a história da paróquia. Crédito: FELIPE NEITZKE
Lajeado

O silêncio da madrugada quente de 13 de janeiro de 1953 foi interrompido por buzinas e badaladas alarmantes dos sinos da cidade. Por volta das 3h30min, a igreja Matriz de Lajeado pegava fogo. Conforme o livro “Grão de Mostarda”, do professor e historiador José Alfredo Schierholt, as labaredas alcançaram os 20 metros de altura. Da antiga estrutura, restaram só os sinos, vindos da Alemanha na década de 1920.

Com 11 anos na época, Marisa Hädrich, 81, lembra de acordar no meio da noite com as badaladas e os apitos das fábricas. Ao olhar pela janela, viu pessoas correndo pelas ruas e chamas saindo das torres da Matriz. Não havia prédios em Lajeado, então Marisa assistiu de casa o fogo destruir a igreja.

“Tenho marcado em meus ouvidos o exato momento em que o sino caiu. Foi um ruído ensurdecedor, quase um lamento. Vi ele despencar, cair no chão com um baque horrível. Nunca vou me esquecer daquela cena, até hoje tenho nos ouvidos esse último som triste”. Da soleira da porta, a família acompanhou chorando a tragédia. “Era a igreja onde eu havia sido batizada e feito minha primeira comunhão”.

Investigação sem respostas

A professora Maria Lúcia Straatmann, 78, presenciou o incidente. Ela conta que um taxista passou em frente à igreja e viu as chamas. “Ele começou a buzinar pela cidade, isso era sinal de incêndio”, lembra. Naquele tempo, Lajeado não tinha bombeiros, a guarnição mais próxima ficava em Porto Alegre, então a comunidade atendia às ocorrências.

“Lembro que fizeram uma fila grande e passaram de mão em mão os baldes de água e as mangueiras para chegar até o fogo”. O grande esforço foi para que as chamas não avançassem sobre a Casa Paroquial e o Colégio São José, hoje, Castelinho. “Minha mãe não deixou eu e minha irmã olharmos o incêndio, por sermos crianças. Só vimos os escombros no outro dia”. Em meio às cinzas, Maria Lúcia lembra que a única estátua que permaneceu intacta foi a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Delesia Inês Ramos, 79, também compartilha memória. Ela encontrou a igreja ainda em chamas durante a manhã. Quando chegou no local de trabalho do pai, próximo ao Hospital Bruno Born, ouviu ele contar sobre o acidente. O fogo durou tanto tempo porque a igreja era praticamente toda de madeira e não havia bombeiros, diz. Delesia lembra também dos rumores sobre o incêndio ter sido criminoso.

No altar, onde suspeitava-se que o fogo havia iniciado, existiam diversos cálices e vasos com metais preciosos. Entretanto, nenhum grama de ouro ou prata foi encontrado entre os escombros, como relata o livro “Grão de Mostarda”. Boatos de que latas de querosene foram achadas pŕoximas ao local também circularam pela cidade. Anos depois do sinistro, uma investigação foi aberta e até hoje está sem solução.

O empenho à reconstrução

Para viabilizar as obras da nova igreja, foi eleita a Comissão Central Pró-Reconstrução da Igreja Matriz da Paróquia de Santo Inácio, que tinha à frente o Cônego Leopoldo Loch, o então prefeito de Lajeado, Bruno Born, Pedro Albino Müller e o engenheiro Loivo Carlos Müller.

Casado com Marisa, Werner Hädrich, 82, tinha 12 anos na época. Mesmo sendo da religião luterana, estudava no Colégio Marista São José e ajudou nas campanhas de reconstrução da igreja. “Naquele tempo, havia uma certa competição entre católicos e luteranos. Mas com o incêndio, houve muita solidariedade. Naquela hora, todo mundo se uniu para reconstruir a paróquia”, conta.

Para angariar recursos, Hädrich lembra de vender rifas junto com os colegas. Várias quermesses e festas foram organizadas. Nos eventos, ele ajudava na parte do som. “Fazíamos um estúdio improvisado e colocávamos discos para tocar”, recorda. Uma forma de arrecadar dinheiro eram as dedicatórias. “O cavalheiro vinha até a mesa do som e pedia uma música para uma moça. Eu e uns colegas cuidávamos disso”.

A ajuda veio de todo o Rio Grande do Sul e inclusive de outros estados. Durante a construção, as missas dominicais e festivas eram realizadas no Colégio Madre Bárbara. A reconstrução da igreja iniciou alguns meses depois do incêndio, em agosto de 1953. “Lembro que, durante as obras, o telhado arredondado e o altar impressionavam”, conta Werner. Antes da igreja ficar pronta, ele se mudou para Porto Alegre, mas recorda de acompanhar a pintura dos afrescos feitos pelo Irmão Marista Nilo, quando vinha para Lajeado.

Sino da década de 1920 foi feito na Alemanha, pesa uma tonelada, e resistiu ao incêndio de 1953. Crédito: Felipe Neitzke

A aguardada inauguração

A nova igreja ficou pronta em abril de 1958, cinco anos depois do sinistro. Foi organizada uma programação de três dias para celebrar. Em 20 de abril, foi inaugurada a igreja, na presença de fiéis, do então governador do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, e do vice-presidente do Brasil, João Goulart.

Legado comunitário

O atual pároco da Santo Inácio, Padre Paulo José Krindges, nasceu em Lajeado, no mesmo ano do incêndio. O conhecimento sobre o episódio vinha das histórias dos pais. “Não existiam muitos prédios públicos. Então, acontecer algo com a igreja, ainda hoje seria impactante, mas naquela época foi muito mais”, conta.

O padre recorda também do tufão que devastou a cidade em setembro de 1967. Na lista de imóveis destruídos, estava o salão paroquial. Assim como ocorreu na reconstrução da igreja, a comunidade se uniu para reformar o local. “Em tempos difíceis, a solidariedade se sobrepõe às diferenças. Podemos ver isso novamente durante a pandemia”, ressalta.

Conforme o Padre, reformas e pequenos reparos na igreja devem continuar ocorrendo, com o objetivo de manter o prédio sempre bem cuidado. Em maio do ano passado, a Igreja Matriz de Lajeado passou reparos nas paredes, devido a umidade.



 

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