Após quatro dias da invasão dos três poderes, ainda há mais de mil pessoas detidas em Brasília. Dos 12 que saíram da região, quatro foram liberados. Tratam-se de manifestantes de Estrela, Lajeado e Arroio do Meio que deixaram o Vale na madrugada do dia 7 de janeiro.
A excursão saiu de Estrela por volta da 1h da manhã. Os nomes estão identificados na Licença de Viagem eletrônica da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Chegaram por volta das 16h de domingo, uma hora após o início dos atos violentos.
Eles teriam permanecido no acampamento em frente ao quartel do Exército até segunda-feira, quando as forças policiais detiveram cerca de 1,8 mil pessoas. Todos foram conduzidos até a superintendência da Polícia Federal. Após triagem, crianças, idosos e doentes crônicos foram liberados.
Entre os quatro moradores da região liberados, está Neldo Datsch, 62. Segundo ele, a ideia era participar de um ato pacífico. “Quando chegamos já haviam invadido e feito a quebradeira. Ficamos no acampamento em frente ao quartel do Exército, era um lugar mais seguro”, conta.
O aposentado e morador de Lajeado relata que ainda durante a noite, todo o entorno do acampamento foi fechado e os moradores da região impedidos de retornar. “Na segunda pela manhã vieram os policiais e nos conduziram até um pavilhão. Lá eram mais de mil pessoas”, relembra. Ele passou pela triagem, ficou cerca de 24 horas no local. Foi liberado na manhã de terça-feira, 10. Agora permanece em Brasília na casa de amigos.
Durante o período detido, afirma ter recebido três refeições. “Eles não estavam preparados para tantas pessoas, mas também não deixavam faltar o básico”.
Datsch integra movimentos da direita e no ano passado também participou de atos na capital federal durante o 7 de Setembro.
De acordo com ele, a expectativa dos quatro moradores da região liberados pela PF é retornar. Alguns têm passagem de ônibus comprada para este sábado. Já para os outros oito ainda detidos, não há previsão de quando serão soltos.
Impasse sobre contratação do transporte
A partir de documento obtido pelo Grupo A Hora, verifica-se que a viagem foi feita pela empresa Transportes Bartz, de São Leopoldo e teve o custo total de R$ 10,8 mil. Nos documentos encaminhados à ANTT, a contratante do serviço seria a Associação de Ecologia e Canoagem (Aeca), com sede em Estrela.
O presidente da instituição nega ter feito contato com a empresa para solicitar o transporte. Edson Carvalho afirma que vai registrar ocorrência pelo uso indevido do nome da associação. De acordo com ele, a última viagem com a empresa foi no ano passado, para competição em Santa Maria.
“Eu não tinha conhecimento e causou estranheza ver o nome da Aeca vinculado a uma viagem para Brasília. Vamos ingressar na Justiça”, disse Carvalho em entrevista na manhã de ontem à Rádio A Hora. Segundo ele, as competições da qual participam iniciam apenas em abril. “Não há nenhum evento no calendário nacional de canoagem para este início de ano, eu inclusive estou de férias.”
“Erro humano”
A empresa alega ter cometido um equívoco na emissão do documento. O diretor da empresa, Auri Bartz, afirma que a contratação não foi da Aeca. “Houve erro humano na emissão da nota fiscal e da licença de viagem, mas não temos autorização para informar o nome do real contratante.” De acordo com ele, a nota fiscal emitida foi cancelada. “A partir de agora, diz, o setor jurídico da empresa vai tratar desse assunto.”
Detenção e processos
• Na segunda-feira, as forças de segurança desfizeram o acampamento em frente ao Exército e mais de 1,8 mil pessoas foram levadas para a superintendência da Polícia Federal;
• A partir de terça-feira, foram 684 liberações. O grupo incluía idosos, pessoas com problemas de saúde, em situação de rua, pais e mães acompanhados de crianças;
• Até ontem, pelo menos 1.159 pessoas ingressaram no sistema prisional do Distrito Federal. Do total, mais de 630 homens levados ao Centro de Detenção Provisória, no Complexo da Papuda. Cerca de 400 mulheres encaminhadas à Penitenciária Feminina;
• Juristas estimam que as penas mínimas podem somar mais de oito anos de reclusão;
• Os crimes dos quais podem ser enquadrados vão de: atos terroristas; associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito; golpe de Estado; ameaça; perseguição; incitação ao crime; e dano ao patrimônio.
Resposta da ANTT
Nota da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT):
“O veículo possui habilitação para realizar o transporte interestadual de passageiros e também licença de viagem às datas, portanto a viagem é considerada regular. Confirma-se que o contratante da viagem é a Aeca.
Os demais dados como localidade de partida e lista de passageiros foram enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF), como solicitado, para apuração de inquérito. As informações estão sendo tratadas como restritas, por conta do sigilo imposto no processo.
Cabe esclarecer que a ANTT tem como competência habilitar as empresas para prestação de serviço interestadual de passageiros na modalidade fretamento e emitir as licenças de viagens solicitadas. Além disso, a Agência também fiscaliza a prestação do serviço.”
Em cima disso, pelo regulamento do transporte intermunicipal, qualquer mudança na licença de viagem precisa ser comunicada oito horas antes do embarque. A lista de passageiros e a nota fiscal devem estar impressas no veículo durante o trajeto. A data da emissão da licença foi em 6 de janeiro às 19h46min. Já a saída de Estrela foi em 7 de janeiro à 1h da manhã.