Ator, atriz, e a atuação

Opinião

Gabriela Munhoz

Gabriela Munhoz

Colunista do Caderno Você

Ator, atriz, e a atuação

Faz quase um ano que eu não atuo. Atuo de atuar, como atriz mesmo. Fico tentando entender o que acontece com um corpo que fica um ano sem entrar em cena. No meu caso é um corpo que trabalhou demasiadamente nesses últimos meses, mas não como atriz. Você que me lê e não faz parte desse ofício deve achar essa questão estranha. Entendo.

É que pra quem atua, às vezes dá uma sensação de que quando fora de cena, as vidas outras que vivemos ou poderíamos viver, por meio de personagens, começam a comichar dentro do corpo querendo espaço pra nascer, vazar, transbordar. Papo estranho, eu sei. Mas eu me sinto um pouco assim. Um quase sufocamento de histórias que não foram contadas.

Alguns amigos que não são deste universo, às vezes me perguntam sobre ele. Esses dias recebemos uma mensagem curiosa através da rede do teatro o qual eu dirijo em POA. Era algo assim: “para me tornar ator, preciso aprender a dar beijo técnico?” Senti vontade de responder: estude e aprofunde as técnicas do ofício e depois viva e aproveite o tal beijo. Rs.

Outro dia me perguntaram “qual o melhor caminho para chegar lá”. Já ouvi essa pergunta diversas vezes, porém, infelizmente, não sei responder. Primeiro porque não cheguei lá e nem consigo entender muito sobre onde é esse lá; segundo porque minha busca incessante é por estar aqui, e não lá; e terceiro porque, na minha opinião, o caminho é o mesmo, exatamente o mesmo do que em qualquer outra profissão. Estudar. Tornar-se um operário da profissão. Agarrar-se em sua ética durante toda a travessia. Não parar de estudar.

Observar as pessoas e o mundo intensamente. Encontrar e escolher pessoas que te impulsionam e andam de mãos contigo. Batalhar por ter as rédeas da sua própria vida. E divertir-se, claro. O que eu não tenho certeza – no comparativo com outras profissões – é sobre o acontecimento que se dá em níveis de alegria, realização, gozo, principalmente em relação à troca com o outro, ao encontro, ao jogo.

Spinoza, filósofo holandês, fala sobre os bons e maus encontros. Um bom encontro se dá no aumento de potência entre dois corpos. Pode ocorrer no encontro do corpo com a chuva, com um alimento, com a natureza, com o ar. O encontro do ator/atriz com o acontecimento teatral é um fenômeno que merece ser infinitamente estudado e aprofundado em suas sutilezas e sofisticações. Há muito a se pensar ainda sobre esse ofício tão curioso quanto envolvente, há quem diga cármico, orgásmico, catártico. Enquanto reflito sobre isso, me indago, animada: que dia mesmo volto à cena?

Acompanhe
nossas
redes sociais