Os primeiros imigrantes ingleses que chegaram aos Estados Unidos tinham muitas dúvidas, mas uma certeza. Eles deveriam desconfiar do poder e mais do que tudo, do poder absoluto. A história depois se encarrega de mostrar quem estava com a razão.
Escorraçados da Europa devido às mudanças de humor de um rei, aqueles primeiros colonos sabiam que o poder, ao menos na Terra, não pertence ao reino do divino. Por causa disso, aprenderam a desconfiar dos poderosos e trataram de colocar limites à sua ação. O resto do mundo custou a chegar à mesma conclusão, o que talvez ajude a explicar a incrível distância entre os irmãos do norte e os demais países. No Brasil o negócio sempre foi ser poderoso para poder agir sem limites.
Foram primeiro os navegadores se servindo de toda riqueza natural e de alguma nativa que por acaso estivesse dando sopa. Depois foram os donos de capitanias hereditárias, os senhores de escravos e ainda o próprio rei de Portugal em sua fuga da fúria expansionista de Napoleão. Pois mesmo entre os poderosos, o maior come o menor.
Derrubado o poder colonial, colocamos no lugar do rei… O próprio filho do rei, apenas mudando o título para imperador. Tal fato deve servir de lembrança de que o vácuo de lideranças é antigo por aqui. Vaí-se o filho do rei e para seu lugar ninguém menos que o neto do rei. Entramos na República pela mão dos militares e só saímos dela para entregar o poder a estancieiros, a industriais ou a banqueiros. Em nenhum momento aprendemos a desconfiar do poder, a lhe pôr amarras, a fragmentá-lo, já que viver sem ele é utopia.
O último de nossos enganos foi entregar o poder a alguém proveniente daquilo que chamamos de povão. Em nossa vã ilusão bastava entregar o poder para as pessoas certas, os verdadeiros representantes dessa abstração chamada povo. Não adiantou aos mais desconfiados alertar sobre a imensa ingenuidade, já que nossa alma de brasileiros gosta mesmo de fantasia. Estamos no mesmo lugar, com as mesmas velhas denúncias de corrupção. E mais uma vez estão sendo escolhidos os cordeiros para serem imolados no fogo da indignação nacional.
É por isso que Lula não é culpado mas apenas a bola da vez. Nossas estruturas são corruptas e corrompíveis e, além disso, pesadas, obsoletas e arcaicas. Nossas famílias estão em processo de falência, as escolas não ensinam nem reprovam, nossos guardas não multam, nossos fiscais não fiscalizam. Pergunte a um brasileiro que não receba salário do Judiciário se ele acredita em Justiça? Pergunte quem bota a mão no fogo pelos integrantes do Legislativo ou do Executivo?
O Brasil não vai mudar, vai ser feito um acordo para saciar a ânsia da opinião pública. Entregaremos mais um boi para as piranhas. Mais uma vez perderemos a chance de aprender a desconfiar do poder.
(Publicado originalmente em 2005)