Nós não vamos mudar nada

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Nós não vamos mudar nada

Os primeiros imigrantes ingleses que chegaram aos Estados Unidos tinham muitas dúvidas, mas uma certeza. Eles deveriam desconfiar do poder e mais do que tudo, do poder absoluto. A história depois se encarrega de mostrar quem estava com a razão.

Escorraçados da Europa devido às mudanças de humor de um rei, aqueles primeiros colonos sabiam que o poder, ao menos na Terra, não pertence ao reino do divino. Por causa disso, aprenderam a desconfiar dos poderosos e trataram de colocar limites à sua ação. O resto do mundo custou a chegar à mesma conclusão, o que talvez ajude a explicar a incrível distância entre os irmãos do norte e os demais países. No Brasil o negócio sempre foi ser poderoso para poder agir sem limites.

Foram primeiro os navegadores se servindo de toda riqueza natural e de alguma nativa que por acaso estivesse dando sopa. Depois foram os donos de capitanias hereditárias, os senhores de escravos e ainda o próprio rei de Portugal em sua fuga da fúria expansionista de Napoleão. Pois mesmo entre os poderosos, o maior come o menor.

Derrubado o poder colonial, colocamos no lugar do rei… O próprio filho do rei, apenas mudando o título para imperador. Tal fato deve servir de lembrança de que o vácuo de lideranças é antigo por aqui. Vaí-se o filho do rei e para seu lugar ninguém menos que o neto do rei. Entramos na República pela mão dos militares e só saímos dela para entregar o poder a estancieiros, a industriais ou a banqueiros. Em nenhum momento aprendemos a desconfiar do poder, a lhe pôr amarras, a fragmentá-lo, já que viver sem ele é utopia.

O último de nossos enganos foi entregar o poder a alguém proveniente daquilo que chamamos de povão. Em nossa vã ilusão bastava entregar o poder para as pessoas certas, os verdadeiros representantes dessa abstração chamada povo. Não adiantou aos mais desconfiados alertar sobre a imensa ingenuidade, já que nossa alma de brasileiros gosta mesmo de fantasia. Estamos no mesmo lugar, com as mesmas velhas denúncias de corrupção. E mais uma vez estão sendo escolhidos os cordeiros para serem imolados no fogo da indignação nacional.

É por isso que Lula não é culpado mas apenas a bola da vez. Nossas estruturas são corruptas e corrompíveis e, além disso, pesadas, obsoletas e arcaicas. Nossas famílias estão em processo de falência, as escolas não ensinam nem reprovam, nossos guardas não multam, nossos fiscais não fiscalizam. Pergunte a um brasileiro que não receba salário do Judiciário se ele acredita em Justiça? Pergunte quem bota a mão no fogo pelos integrantes do Legislativo ou do Executivo?

O Brasil não vai mudar, vai ser feito um acordo para saciar a ânsia da opinião pública. Entregaremos mais um boi para as piranhas. Mais uma vez perderemos a chance de aprender a desconfiar do poder.
(Publicado originalmente em 2005)

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