Poucos eventos continuam tão masculinos quanto uma copa do mundo de futebol e, quando ela ocorre num país islâmico, fica ainda mais claro o quanto o Estado derivou sua força da figura masculina. O pai, o sacerdote e depois o rei estão presentes na gênese do Estado.
Como vimos, no mundo árabe, o poder continuou nas mãos ou de uma família (o rei-sheik) ou então nas mãos do descendente da entidade religiosa (o sacerdote-aiatolá). Quem prestou atenção nas imagens das transmissões da copa claramente percebeu a ausência pública das mulheres no mundo islâmico.
No mundo ocidental, a Revolução Francesa teve o mérito de romper com o clero e a monarquia absolutista ao mesmo tempo, mas era uma briga de homens. Mesmo assim, seus princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, bem como a separação dos poderes, influenciaram o mundo todo, mas a questão de gênero só viria bem mais tarde.
No entanto, não seria demais dizer que os valores revolucionários de 1789 dominam ainda hoje o ideário do mundo ocidental. Ou seja, duzentos e tantos anos depois, ainda não se conseguiu pensar num modelo melhor.
No Brasil não é diferente. Em nossa Constituição, estão alguns princípios revolucionários: a separação dos poderes, a proteção aos cidadãos e as garantias individuais.
A base teórica dessas mudanças foi pensada pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, falecido em 1778. Ele concebia o homem (mas não a mulher) como um ser livre igual a seus semelhantes, com os quais deveria conviver fraternalmente. O Estado não deveria ser um elemento de dominação, mas um ente a serviço do cidadão. Essa vertente de pensamento do Estado moderno é chamada hoje de jusnaturalista.
Nela ocorre um pacto entre os indivíduos para constituir o Estado. Cada um delega e abdica de sua própria autoridade em nome da autoridade única do soberano que é, ele próprio, um indivíduo.
A esse modelo se contrapõe o pensamento de Hegel e Marx. Para eles, a liberdade é impossível dentro dos limites do Estado. Contrário a Rousseau e selando o rompimento com o jusnaturalismo, Marx vê no Estado uma forma necessária apenas para as organizações sociais de exploração e afirma que apenas a extinção do Estado poderá dar origem à verdadeira história humana, o reino da liberdade sonhado por Rousseau.
Para eles, a realização da sociedade humana passa, pois, pela destruição do Estado, e não por sua instituição. Com relação às mulheres, Hegel foi misógino (“A diferença que há entre o homem e a mulher é a mesma que há entre um animal e uma planta…”), apenas Engels foi além ao denunciar a exploração e a opressão feminina.
No mundo atual, os Estados de inspiração marxista agonizam, com exceção da China, que manteve o Estado forte típico dos governos com essa orientação, mas liberou a economia (pero no mucho).
No Brasil, nunca tivemos o Estado sonhado por Rousseau, onde a razão preponderaria sobre as paixões individuais. Aqui sempre poucos se serviram da estrutura estatal para proveito próprio. Também não tivemos o paraíso ou reino da liberdade sonhado após o fim do Estado.
Em 2023, volta ao poder um partido com inspiração no pensamento hegeliano-marxista. E seguindo a lógica, um defensor do fim do Estado. Mas há jusnaturalistas no meio, Alckmin à frente. É esperar para ver onde chegaremos dessa vez.