O clima de Natal serve para amolecer as mentes mais insensíveis. Nesta época do ano, tudo é mais sentimental, para os que gostam e para os que não gostam do Natal. Eu, por exemplo, me segurei para não ir às lágrimas ouvindo um amigo falando sobre seus desafios e conquistas do ano. Conheço gente que se comove com vermelhos e brancos, pinheirinhos e luzes piscantes. Tem os que simplesmente abominam amigo secreto ou o ato de comprar presentes. Ceia de Natal, nem pensar.
Mas tem os que fazem desta época a melhor do ano. É um momento de encontros e reencontros. De pintar doces, limpar a casa e o pátio, receber visitas e ir visitar. Acredito que esse amolecimento é em razão das lembranças da infância, de saudades dos que já não estão mais conosco. Natal, presentes e luzes, eis aí um trio capaz de dar uma trégua nesse desumano mundo. O espírito já é de ano novo, muito embora seja apenas uma mera mudança de calendário. Para os mais realistas, um ano a menos de vida. Aos otimistas, a esperança de um ano melhor.
O dia em que fui Papai Noel
Minha mãe já me obrigou a ser o Papai Noel da família. Me senti tão estranho e desconfortável na ocasião. Primeiro pelo calor. Nosso Natal não está na estação certa. Deveria ser inverno como no Polo Norte. Mas também pelas reações que deveria ter ao conversar com as crianças no momento da entrega dos presentes. Para elas, inocentes, aquele momento é a realização de um sonho, poder se assentar ao lado do bom velhinho e viver um momento mágico. Mas eu não reagia, acho que não falei nada. Foi estranho, uma experiência frustrante, confesso. Não sirvo para isto.
Na UTI
Quando meu filho estava prestes a completar um aninho (já se passam 10 anos) tivemos um grande susto e ele parou na UTI do Hospital de Clínicas em Porto Alegre. Felizmente tudo foi resolvido, mas desde então lembro dos detalhes da decoração de Natal daquela ala do hospital. Porque lá tive contato com casos tristes e incuráveis. Da menina índia que nunca sairia de um leito de hospital. A mãe tinha um acampamento ao lado da cama hospitalar para poder ficar mais perto da filha.
Ela já estava por lá há sete anos e não sei como terminou esta história, se é que já acabou. Pude conhecer o caso do guri de Alegrete, de 8 anos, com sérios problemas neurológicos que foi “abandonado” pela família. Por viverem em uma cidade distante eles não tinham como visitá-lo com frequência. A família dele era de médicos e enfermeiros do hospital. Nos dias que fiquei na UTI presenciei duas mortes de crianças. Imagens que jamais saíram de minha memória. E tudo foi em época de Natal. Nem por isso deixo de gostar da data. Fico mais sensível, é claro, mas curto as tradições do momento.
Ligação anônima
O saudoso Lauro Mathias Müller, ex-colega e patrão, tinha por tradição na noite de Natal ligar para números de telefones aleatórios. Na época, ele ia para a lista telefônica e pegava um número qualquer para ligar e desejar boas festas. Não fazia questão de falar sobre isto, mas eu e os demais colegas sabíamos de suas atitudes.
Do outro lado da linha alguns atendiam desconfiados querendo saber quem era. Mas jamais revelava a sua identidade. A grande maioria recebia com educação e retribua os votos. Talvez até hoje tentam imaginar ou adivinhar o “maluco” que ligava nas noites de Natal. Lista de números e telefones fixo são raridades nos dias atuais. Nem dá para copiar a ideia.