Com promessas de se tornarem jogadores e trilharem uma carreira em clubes de futebol profissional, jovens dos 10 aos 20 anos eram trazidos para Teutônia. Quando chegavam, se deparavam com a obrigação de trabalhar, limpar ou cozinhar e ainda pagar pela estadia no alojamento.
É o que sugere investigação preliminar das autoridades policiais e do Ministério Público. Uma operação no dia 24 de novembro apontou para uma suposta sucessão de crimes dentro da associação de futebol amador, Levi F.C.
Tudo começou a partir de um relatório do setor de inteligência da Brigada Militar, levado ao Ministério Público (MP). Pela apuração inicial, o promotor Jair João Franz ingressou com um pedido de busca e apreensão na sede da entidade. “Nosso objetivo era acabar com aquela situação de risco aqui em Teutônia. A partir de agora, a polícia investiga a responsabilidade dos envolvidos”.
Em 24 de novembro, ocorreu uma operação conjunta, entre BM, Polícia Civil, Conselho Tutelar, auditores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Judiciário. “Verificamos que os menores estavam também em uma situação análoga à escravidão”. Naquele momento, eram 12 jovens morando no alojamento.
Suspeita dentro do elenco
A apuração preliminar pela Brigada Militar chegou após o contato de um dos jovens do elenco do time. Segundo a capitã Carmine Brescovit, esse menor achou uma foto nas redes sociais de um dos coordenadores do time. A publicação associava o homem a crimes de abusos sexual. “Ele não sabia se era verdade ou fake. Mas havia casos em outros estados do país.”
O primeiro passo foi checar essa informação para verificar a consistência do relato. Foram consultadas polícias de outros estados e a BM concluiu que se tratava da mesma pessoa. Como havia indiciamento de diversos crimes, a polícia passou a verificar se havia irregularidades no time. Esse dossiê foi levado ao MP e resultou na operação.
O comandante da BM de Teutônia, tenente Edilnei Gravina, ressalta que as informações do relatório são sigilosas. “Não podemos detalhar muito. Mas, ao que tudo indica, temos pessoas que exploraram esse sonho de ser jogador.”
A reportagem tentou contato com os responsáveis pelo time. Em nota, a Associação Formando Cidadãos e Atletas para o Futuro, Levi Futebol Clube, por meio do advogado de defesa, Jaci Scherer Ribeiro, informou que se manifestará apenas quando receber a oficialização da denúncia por parte das autoridades.
Saiba mais
Pelo Ministério Público do Trabalho, apurou-se:
- Os auditores-fiscais do Trabalho, da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Lajeado (GRTE/RS), afirmam que sete jovens atletas estavam submetidos a condições análogas de escravidão;
- Conforme o órgão, foi constatado que os adolescentes de outros estados (Pará, Minas Gerais e Santa Catarina) eram aliciados por captadores, conhecidos como “olheiros”, em processos seletivos, competições ou por meio de redes sociais;
- Os homens prometiam oportunidade de formação e profissionalização em clube de futebol no interior, além de alojamento, alimentação, estrutura para treinos e, ainda, a colocação em outros clubes de futebol expressivos;
- Os atletas efetuavam o pagamento de taxa de inscrição, parte destinada ao captador e parte destinada ao suposto clube de Teutônia. Além disso, arcavam com os deslocamentos e com R$ 700 por mês pelo alojamento, treinamento e pela alimentação;
- Os maiores de 18 anos que não tinham condições financeiras de custear os valores cobrados eram encaminhados para vaga de trabalho em fábrica de calçados ou frigorífico da região;
- Os menores, deveriam limpar o alojamento, lavar roupas e preparar as refeições. Os atletas, que tinham idades entre 15 e 23 anos, vinham de famílias humildes;
- Os treinos eram em campos públicos, os treinadores não tinham formação adequada e não havia material esportivo de qualidade;
- A alimentação fornecida era inadequada ao desenvolvimento sadio de adolescentes e atletas em formação. Os jogadores arcavam, ainda, com os custos das inscrições em campeonatos e deslocamento para jogos;
- A auditoria-fiscal do Trabalho entendeu que os jovens foram vítimas do tráfico de pessoas e das condições degradantes de trabalho, indicadores da condição análoga à de escravo e que significavam graves violações aos direitos humanos;
- A associação foi notificada a pagar verbas rescisórias e devolver os valores cobrados de forma indevida dos atletas, o que representou R$ 38,7 mil;
- Os jovens e adolescentes receberão três parcelas do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, além do custeio da viagem de retorno a seus locais de origem;
- Por interveniência do MPT, quatro passagens aéreas de retorno dos atletas para os estados de Minas Gerais e Pará foram custeadas pela Federação Gaúcha de Futebol.