Em um trailer branco e laranja instalado na Praça da Matriz, em Lajeado, os irmãos Carmelito, 78, e Gilberto (Beto), 67, Becker Delwing vendiam pastel e cachorro-quente na década de 70. O movimento na parte antiga da cidade era alto e o cachorrão ficou conhecido pela agilidade no atendimento e pelo sabor dos lanches, em especial, com a receita da maionese caseira. Nesta semana, o empreendimento completou 50 anos e os irmãos relembram o início do que virou um negócio de família e uma tradição lajeadense.
Natural de Estrela, Carmelito veio à cidade para trabalhar e, durante a noite, atuava como auxiliar de cozinha em um hotel. Alguns anos mais tarde, abriu um restaurante, e permaneceu em frente a chapas e fogões. Insatisfeito com o serviço, decidiu abrir o próprio empreendimento e, assim, em 15 de dezembro de 1972, ao lado do irmão, inaugurou o Cachorrão Carmelito e Beto.
Em formato de trailer, por 38 anos os lanches eram vendidos a quem frequentava a Borges de Medeiros ou ia estudar no Colégio Presidente Castelo Branco, o Castelinho. A instituição era a única estadual que oferecia um ensino gratuito durante a noite na região.
Por isso, mais de dez ônibus vinham ao município todas as noites transportando alunos de cidades como Roca Sales, Encantado, Arroio do Meio, Bom Retiro do Sul e Mato Leitão para estudar.
Beto recorda que, no início, faltavam lanches para atender todos os visitantes, e o cachorrão supria parte da demanda. “Às vezes, eles saíam das firmas e iam direto pro colégio, não tinham tempo para comer. Daí vinham aqui antes de entrar na aula, comiam uma coisinha”, recorda.
Na hora do intervalo, perto das 21h, os estudantes também faziam fila para comprar o lanche nos 15 minutos antes de voltar para a sala. “Dava um tumulto de 30, 40 pessoas vindo comer na hora”, relata. Entre os estudantes, estava Elton Luiz Lenz. “Sou um apreciador do cachorrão desde os anos 80, quando estudava no Castelinho. Até hoje tem aquele gosto inconfundível”, destaca. Para ele, quanto mais maionese, melhor.
Cachorro-quente, pastel e xis
Nos domingos, o movimento também era intenso e os irmãos atendiam até depois do horário da missa na Igreja Matriz. Em outros dias, o serviço começava às 7h e ia até meia noite. “O único dia que nós fechávamos mesmo era a Sexta-feira Santa”, recorda Beto.
Além do cachorro-quente, o trailer também ficou conhecido pelos pastéis que só deixaram de ser feitos quando o xis chegou a Lajeado e os irmãos tiveram que deixar a produção de lado para atender a nova demanda que surgia.
“A gente fazia tudo na hora. No início era só nós dois e a esposa do Carmelito, a Zilda, que ficava mais na parte do caixa. Alguma coisa a gente tinha que deixar de produzir, o trailer era pequeno, não tinha condições de colocar muita gente”, conta o irmão mais novo. Faz mais de 30 anos que o pastel não é servido no cachorrão. Mesmo assim, clientes antigos ainda perguntam quando o lanche voltará a ser oferecido no estabelecimento.
Mudanças
Com jornadas de 16 horas diárias de trabalho e desafios ao longo dos anos, um momento marcante na história do cachorrão foi quando a promotoria pediu para que o trailer saísse da praça.
Hoje, em um espaço maior, na mesma rua, com capacidade para atender mais pessoas, a clientela aumentou, e as mágoas ficaram para trás. Há 11 anos, o Cachorrão Carmelito e Beto fica no número 251 da Borges de Medeiros, ainda em frente à Praça da Matriz.
Outra lembrança que marca os irmãos Becker Delwing é quando a dupla recebeu o título de “Cidadão Lajeadense”, no ano passado. Para eles, o segredo do sucesso do cachorro-quente é caprichar no lanche oferecido e utilizar produtos sempre frescos.
Em família
Os filhos de Carmelito e Zilda, Eduardo, Henrique e Eliana, cresceram em meio ao trabalho dos pais. Hoje, mesmo com profissionais diferentes e tendo trabalhado em outras áreas, os três ajudam a tocar o negócio. “O pai e o Beto são exemplo de dedicação, trabalho correto, são pessoas honestas. Eles sempre trabalharam muito”, conta Henrique.
O trabalho fez com que o cachorrão se tornasse até mesmo ponto turístico do município. O sucesso fez surgir oportunidades de negócios e, em abril de 2016, uma nova unidade foi inaugurada em Estrela, em formato, também, de drive-thru. Dois anos mais tarde, em março de 2018, Teutônia também recebeu uma loja do Cachorrão Carmelito e Beto. Os dois novos estabelecimentos são gerenciados por Eduardo e pelo sócio Marcelo Bourscheidt.
“Surgiu a ideia de nos aproximarmos mais dos clientes, que são de vários municípios do Vale e de fora dele, inclusive, de fora do estado e do Brasil”, conta Eduardo. Assim, uma expansão orgânica foi pensada e um food truck faz com que o lanche chegue em eventos fora de Lajeado, Estrela e Teutônia.
Tradição na maionese
Outra novidade que acompanhou o crescimento da marca foi em outubro de 2019, quando a famosa maionese do Carmelito e Beto passou a ser comercializada. À frente do projeto, está Eliana, que se especializou na área e estudava desde 2012 a possibilidade de comercializar o condimento feito com a receita do pai.
A maionese é produzida na fábrica da empresa, chamada Carmelito Alimentos, na Linha São Luiz, em Estrela. Henrique a auxilia na fábrica, e os dois também atuam na unidade de Lajeado.
Histórias no cachorrão
Em cinco décadas, o cachorrão nunca precisou de grandes propagandas nas mídias. O marketing principal é no boca a boca. Beto lembra que clientes antigos que saíram da cidad, quando vêm visitar a família sempre voltam ao Carmelito. Estudantes do Castelinho que tinham 18 ou 20 anos na época também frequentam o estabelecimento, desta vez, com os netos.
“Tivemos uma cliente que entregou um bilhete em que contava que o pai e a mãe dela se conhecerem no trailer e se casaram depois e ela estava ali para agradecer e nos contar a história”, lembra Henrique. Passados 10, 20 ou 50 anos, quase todo lajeadense coleciona alguma história com o cachorrão. Seja de encontros de famílias ou festas com os amigos, os irmãos Becker Delwing criaram, em Lajeado, um estabelecimento com meio século de tradição.