O terceiro trimestre do ano (julho, agosto e setembro) costuma ter menos influência do setor primário, pois a safra de soja já foi negociada. Essa tendência fica clara quando se avalia os resultados do Produto Interno Bruto (PIB).
A apresentação dos indicadores ocorreu na manhã de ontem, pelo Departamento de Economia e Estatística, ligado à Secretaria Estadual de Planejamento (Seplag). No período em questão, houve um crescimento de 1,3%. Esse é o primeiro resultado positivo da economia gaúcha no ano. No primeiro trimestre, houve uma retração de -4,9%. De abril a junho, nova queda, de -2,7%.
No acumulado do ano, de janeiro a setembro de 2022, o PIB do Estado foi de -6,6%, enquanto no Brasil a alta é de 3,2%. “Após a passagem dos principais efeitos da estiagem sobre a agropecuária, a economia gaúcha voltou a crescer no terceiro trimestre do ano, impulsionada pelos desempenhos positivos da indústria e dos serviços”, ressalta o chefe da Divisão de Análise Econômica do DEE. o economista Martinho Lazzari.
No acumulado de três trimestres, a queda de 6,6% no PIB do RS em relação ao mesmo período de 2021 é explicada, especialmente, pela baixa na Agropecuária (-50,5%). Indústria (+3,1%) e Serviços (+3,2%) registraram altas entre janeiro e setembro. Na taxa acumulada dos últimos quatro trimestres, a economia do Estado teve variação negativa de 4,2%, enquanto no país a alta foi de 3,0%.
“Não somos produtores de grãos, mas precisamos à indústria”
A economista e professora, doutora em Desenvolvimento Regional, Cintia Agostini, analisa os dados a partir do impacto para o Vale do Taquari. “Não somos produtores de grãos, mas precisamos à indústria. Nossa cadeia produtiva de carnes e leite demanda muito de milho e farelo de soja.” Com a seca do fim do ano passado e início de 2022, a quebra na produção trouxe como resultado crescimento do PIB brasileiro e queda do gaúcho.
“Tivemos de comprar de outros estados e do exterior. Isso tornou a produção das agroindústrias muito cara. Por isso vemos empresas admitindo prejuízos.” De acordo com ela, o Vale sofre em dois momentos, de forma direta e indireta. “Primeiro pois a seca reduz a produtividade dos nossos agricultores. Depois, torna os insumos mais caros e escassos.”
O cenário internacional também interfere, afirma Cintia. “Os preços das commodities mais do que dobraram. Começou pelo impacto da pandemia e agora temos resquícios da guerra na Ucrânia. Há todo um cenário negativo à produção primária e agroindustrial.”
Pelos prognósticos da meteorologia apontam para mais regularidade nas chuvas a partir de janeiro. Por essa tendência, há menos risco de um novo ciclo de estiagem. Essa situação, pode amenizar os efeitos à produção primária gaúcha, realça a economista.
Cadeia primária além dos grãos
Consultor, analista de mercado e economista, Fernando Röhsig destaca a amplitude do agro. “Não é só grãos. Estamos falando de equipamentos, de fertilizantes, defensivos agrícolas, carnes. Toda uma cadeia complexa.”
Essa conjunção de atividades representa 44% do PIB gaúcho. “Se olharmos só os grãos. A soja e o milho, esse percentual cai pela metade, fica em torno dos 12%”. Esses números, frisa Röhsig, são duas vezes mais do que o conjunto nacional, por isso, episódios de seca tem um impacto tão grande sobre a economia gaúcha. No acumulado do ano, a agropecuária do RS reduziu 50,5% a participação no Produto Interno Bruto. Já em termos nacionais, ficou em -1,5%.
PIB do Vale gira em R$ 15 bilhões
Pelos cálculos de Röhsig, a participação do Vale no PIB gaúcho gira em torno dos R$ 15 bilhões. Significa em torno de 2,5% de tudo que é produzido no RS. Pelo dado mais recente em termos de recursos gerados, conforme apuração de 2021, a produção gaúcha foi de R$ 582,9 bilhões.
“Aquele foi um ano muito positivo. O nosso estado cresceu mais do que a média brasileira. Algo que esse ano tende a não se repetir.”
Neste quadro, o consultor ressalta a dinâmica regional. “O Vale do Taquari costuma ter desempenho mais equilibrado. Não sofremos grandes tombos e nem temos grandes avanços.”
Essa característica, frisa, se sustenta na diversidade produtiva. Para além da cadeia agrícola, há um setor de serviços disseminado, inclusive com trabalhos para outras localidades. “Atendemos a Região Metropolitana em diversos segmentos. Também temos indústrias que vendem ao exterior. Tudo isso faz com que exista menos oscilações na economia regional.”
Entrevista – Martinho Lazzari • chefe da Divisão de Análise Econômica do DEE
“Os últimos dois anos foram de uma sequência de dificuldades”
A Hora – O que a análise sobre nove meses deste ano indica sobre a economia gaúcha em 2022?
Martinho Lazzari – Embora não tenhamos o ano fechado, há um quadro quase completo do desempenho da nossa economia. Há uma característica marcante e que determina o resultado. Trata-se da seca. Tivemos produtos agrícolas, em especial a soja, muito atingida.
A quebra na lavoura determina a evolução das atividades produtivas como um todo. Ao verificarmos o acumulado, com queda de 50%, há um efeito negativo sobre todo o PIB.
De outro lado, desempenhos muito satisfatórios da indústria e dos serviços. Inclusive com crescimento acima do país. Apesar disso, os setores não conseguem contrabalancear as perdas do setor primário, muito pela agropecuária ser um setor muito grande e que puxa tudo para taxas negativas.
Como é possível fazer com que o RS seja menos dependente do segmento agropecuário?
Lazzari – Os últimos dois anos foi de uma sequência de dificuldades. A pandemia, depois a guerra. Tudo fez com que as commodities aumentassem muito. É uma elevação geral e com mais ênfase sobre os insumos agrícolas. Milho e soja duplicaram de preço. Esse é um fator muito relevante para o Estado e também para o Vale do Taquari.
Essa é uma característica do sistema econômico mais integrado. Não é uma decisão dos governos que vai mudar os preços. Tudo é regulado pelo mercado internacional. Escapa do controle das gestões. Há pouco o que fazer. Por parte do Estado, ele precisa agir como um indutor do desenvolvimento. Com ações pontuais para fortalecer setores mais atingidos. É uma visão particular, mas o governo tem de garantir infraestrutura, qualidade de mão de obra e políticas de fortalecimento pontuais.