Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida. Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados. 2 de agosto: a Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde.
Estes são contos famosos de Anton Tchekhov, Ernest Hemingway e Franz Kafka, respectivamente. Curtos e potentes. Sempre admirei a síntese plena, a hipermetáfora, a palavra multifacetada. Como um gênio consegue conter sua genialidade? Ou é isso que o constitui?
No romance, Machado de Assis, disfarçado de prolixo, foi mestre no assunto. A simples referência a quadros na parede, em Dom Casmurro, por exemplo; ou um parágrafo de pontilhados e interrogações, em Memórias póstumas de Brás Cubas, narram genealogias inteiras e constroem diálogos amorosos ancestrais e futuros.
Contudo, a contenção também está relacionada com a passagem do tempo. Em meados do século 19, o conto – sem substituir o romance – se populariza como leitura mais adequada à vida que se acelera nos grandes centros. Logo, o gênero se desdobrou ainda mais com os mini e micro contos.
Enquanto narrativa, o cinema acompanha os passos da literatura. O curta-metragem, então, é aquele texto que, em cada detalhe, concentra uma série de sentidos. É o que ocorre em Perdoai-nos as nossas ofensas (Forgive us our trespasses, 2022). Com apenas 14 minutos, o filme de Ashley Eakin ambienta-se na Alemanha da Segunda Guerra e se dedica a uma faceta específica do nazismo: o extermínio de pessoas com deficiência física, a fim de garantir uma raça superior.
Na trama, enquanto a professora Eva deve ensinar aos alunos sobre o quanto custa alimentar uma criança “não produtiva”, ela tenta, ao mesmo tempo, olhar para o próprio filho (Knox Gibson), com deficiência no braço direito, e encontrar maneiras sutis de infundir solidariedade em um grupo que, desde cedo, vem sofrendo lavagem cerebral em favor do nazismo.
A partir daí, o filme segue num crescendo de crueldades que não admitem meias palavras ou cenas veladas. É preciso eliminar e é preciso sobreviver. O ambiente, cada vez mais pesado, abandona espaços calorosos como a casa do menino e se conclui na natureza gelada. Ainda assim, é diante de uma arma apontada para si que a criança se torna um símbolo de resistência.
Filmes como Perdoai-nos as nossas ofensas são bem mais do que um mote para contar “como o mundo era”. Gosto de acreditar – e de repetir – que a memória é a única garantia para que o mal não se repita. Esse pode ser um dos papéis da arte: enternecer e alertar.
Não há mais tempo para divagações. Por isso, contrariando o título da narrativa, que considero simplesmente necessária, encerro essas reflexões com o micropoema “Discurso”, de Rosa Moreno:
Perdoai, perdoai!
Eles sabem o que fazem.