Contardo Luigi Calligaris, italiano nascido em Milão em 1948 e falecido em São Paulo em 2021, estudou na Suíça e França com Piaget, Barthes e Lacan e, como poucos, ele conseguiu fazer a ponte entre a psicanalise, a literatura e a critica cultural.
Em sua obra, ele aborda temas como cultura e psicanálise, em especial, sobre a suposta obrigatoriedade da felicidade, do gozo, da beleza e dos excessos. Quando ele se foi, o Brasil ficou um pouco mais inculto.
Como uma homenagem póstuma resolvi “entrevistá-lo” e acabei unindo a realidade de algumas respostas completas dele a colagens de grandes frases e reflexões desse intelectual europeu que escolheu viver nos trópicos. Por que resolveu viver em São Paulo?
Calligaris: “Cheguei por acaso ao Brasil pela primeira vez, em 1985 ou 1986, porque estavam traduzindo um livro meu de psicanálise e leitura.(…) Eu nem sabia falar o português, só o espanhol. Em 1986, um pequeno grupo de paulistanos perguntou se eu toparia vir para São Paulo, por 15 dias a cada dois meses, pois eles queriam se organizar para fazer análise. Eu topei, era uma época muito especial…”
Como um psicanalista com formação freudiana enxerga a internet e as redes sociais?
Calligaris: “A modernidade é a era em que nossa existência social depende do olhar dos outros: somos quem conseguimos fazer que os outros acreditem que somos. (…) E cada época tem os adolescentes que merece.”
A depressão não tem nenhuma relação com o materialismo do mundo moderno?
Calligaris: “Todo mundo associa, mas eu poderia objetar esse pensamento. Todo nosso funcionamento é baseado na insatisfação do desejo, na ideia de que isso é capaz de desdobramentos infinitos. E se você encontrar o objeto final da sua insatisfação, tudo para, porque não precisa comprar mais nada.
(…) Então a insatisfação permanente é uma fonte de depressão? Penso que não, a insatisfação permanente é o que nos projeta para frente. A depressão tem mais a ver com a perda do desejo do que com o desejo insatisfeito.”
Muitos relacionam o isolamento gerado pela vida virtual à tristeza. Voltar a conviver em grupo seria a solução?
Calligaris: “As festas, em tese, deveriam espantar a tristeza, mas conseguem apenas escondê-la. O barulho mascara e desculpa nossa dificuldade de dizer ou de escutar qualquer coisa que preste. (…)”
Como um europeu enxerga a elite brasileira?
Calligaris: “Poder sem cultura é vulgar porque ele só se exibe.”
O Brasil passou de um extremo ideológico para o outro. Como um psicanalista, ex-marxista enxerga isso?
Calligaris: “Sobrou muito pouco (do marxismo) já a partir do começo dos anos 70. O que restou foi uma disposição fundamentalmente anárquica e uma grande antipatia por todas as instituições em geral – de centro, direita ou esquerda. Como tenho posições um pouco anárquicas, elas são facilmente compatíveis tanto com as ideias da direita – que detestam o intervencionismo do Estado –, quanto com as de esquerda – que têm antipatia pelo autoritarismo. (…) Desconfio dos que propõem doutrinas de valor universal a partir dos arranjos singulares que eles ou elas encontraram para conviver com os percalços de suas vidas.”
É possível amar e ser amado?
Calligaris: “O diálogo que leva ao amor, que dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de nos apresentarmos por nossas falhas, feridas e perdas. (…) O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem.”