A voz do povo nem sempre é a voz de Deus

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

A voz do povo nem sempre é a voz de Deus

Umberto Eco, o autor do best seller “O Nome da Rosa”, ficou famoso na época pré redes sociais por uma frase que muitos consideram profética: “a internet deu voz a uma legião de imbecis”.

No Brasil, depois das últimas duas eleições, ficou bem claro o nível de discussão que se pode ser alcançado nas redes sociais. Uma farta distribuição de ataques, frases de efeito e notícias falsas com o objetivo de desinformar. Se, em 2018, Bolsonaro lidou melhor com essa arma eleitoral graças aos filhos, é visível que o PT acordou em 2022 e nos apresentou uma figura estridente chamada Janones.

A imprensa no meio dessas mudanças perdeu o poder de narrar o fato acontecido e passou a dar sua opinião sobre o fato acontecido. Sem validação, expertise no assunto e impregnada de ideologia, essa opinião passou a valer pouco mais que a do cidadão comum que passou a se manifestar, na maior parte das vezes, de forma agressiva, na seção de comentários. Aparentemente, os “imbecis” tinham algo a dizer, mas como bem dizia Freud: “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo.”

No meio dessa guerra, obviamente que muitos textos meus sofreram críticas. Vejamos algumas delas: “Pra piorar o doutor isentão, que na verdade é um bolsonarista escamoteado, cita Millôr…”, diz a moça de meia idade, moradora da capital, mas com cara de ser um fake de uma famosa habitante local e que tenta transformar Millôr em propriedade intelectual da esquerda.

“Não vale a pena ficar discutindo com robô que fica repetindo o mesmo discurso…”, diz a experiente professora que acredita piamente na inocência de Lula. “Uau, fantástico esquecimento diretamente do esgoto inventivo do submundo da extrema direita que muitos aqui nesta região vazia de cultura e conhecimento acreditaram”, disse o jovem professor que decerto veio para cá para ensinar, mas segue dividindo o mundo de forma maniqueísta.

Outro achou o “texto complexo para o seu entendimento” e criou, logo depois, uma alusão nas suas páginas de uma rede social onde liga “extrema direita” à violência simbólica do filme Laranja Mecânica. Cobrado pelo posicionamento radical, defendeu-se alegando que os leitores não sabem interpretar texto.

Impossível não lembrar de Thomas Sowell nessa hora, quando ele argumentava “ser um pouco demais quando as pessoas pregam o ódio contra os outros mas exigem tolerância para si mesmos”.

Mas voltemos a Humberto Eco e sua frase. Questionado sobre ela dias depois, ele foi menos sucinto: “No caso da internet, não penso que ela possa fazer a crítica da vida, porque o trabalho crítico significa filtrar, distinguir as coisas, ao passo que a internet é como o personagem Funes, do escritor argentino Borges: ela lembra de tudo, não esquece nada. Seria preciso exercer essa crítica – filtrar, distinguir – sobre a própria internet”(…)

“ Foi nesse sentido que eu defendi recentemente que os jornais, em vez de se tornarem vítimas da internet, repetindo o que circula na rede, deveriam dedicar espaço para a análise das informações que circulam nos sites, mostrando aos leitores o que é sério e o que é uma farsa, por exemplo. Será que os jornais estão prontos pra isso? Seria preciso ter gente especializada em diversas áreas” (…) “A crítica da internet exige um novo tipo de expertise, mesmo para os jornais.

E isso é muito importante para os jovens, pois eles não têm, aos 15, 16 anos, os conhecimentos necessários para filtrar as informações a que têm acesso na rede. Ora, assim como quem lê diversos jornais acaba aprendendo a distinguir abordagens distintas da parte dos jornais, os jovens, hoje, precisam aprender a buscar essa variedade de abordagens nos sites que frequentam”.

 

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