No país, 36%  de “nem-nem”.  No Vale, 80%  estão no trabalho

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No país, 36% de “nem-nem”. No Vale, 80% estão no trabalho

Pesquisa aponta que o Brasil é o segundo país com maior proporção de jovens entre 18 a 24 anos que não trabalham e nem estudam, conforme estudo global. Análise similar, a partir de dados do DEE, mostra que a região vai na contramão, com um alto índice empregatício nesta faixa etária. Ainda assim, é necessário ampliar oportunidades para camadas sociais mais carentes

No país, 36%  de “nem-nem”.  No Vale, 80%  estão no trabalho
Parceria entre governo municipal e Senai, projeto trilhas da Inovação direciona formação de estudantes a necessidades do mercado de trabalho na área tecnológica. Crédito: Filipe Faleiro
Brasil

A população de 18 a 24 anos longe do mercado de trabalho e da formação profissional cresce no país de forma acelerada desde 2020. Conforme o relatório Education at a Glance (Olhar sobre a educação, em tradução livre), o Brasil ocupa o 2ª posição entre os países da Organização à Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com maior percentual dos chamados “nem-nem”, ficando atrás apenas da África do Sul.

Pelo diagnóstico publicado no fim outubro, 35,9% das pessoas nessa faixa etária estão sem trabalho e sem estudar. O levantamento considera pessoas na transição entre formação profissional e entrada no mercado. Pela conclusão, não ter uma atividade profissional pode causar “consequências duradouras, especialmente quando o jovem passa por períodos longos de desemprego ou inatividade”, diz o relatório.

As regiões Nordeste e Sudeste do país têm as maiores proporções de jovens “nem-nem”. Os indicadores mostram ainda que quanto mais vulnerável a família, mais dificuldade para romper com esse ciclo.

Realidade distinta no Vale

Conforme a doutora em Desenvolvimento Regional, a economista Cintia Agostini, o Vale do Taquari tem uma realidade diferente. “A maior parte dos jovens na nossa região começa a trabalhar cedo. Muito pelas dinâmicas econômicas e pela alta oferta de emprego.”

A partir de dados do Departamento de Economia e Estatística do RS (DEE), pode-se estimar que em torno de 80% dos jovens de 18 até 24 anos estão no trabalho formal. De acordo com Cintia, pela estimativa populacional são cerca de 50 mil habitantes nesta faixa etária. O total de carteiras assinadas passa dos 153 mil. “Esses números mostram que o Vale parte de outro parâmetro. Há muito presente o valor do trabalho nas nossas famílias e se começa a trabalhar mais cedo.”

Em alguns casos, inclusive os jovens ingressam no trabalho e também se mantêm em alguma formação técnica. É o caso de Gabriel de Miranda Fernandes, 16. Estudante do Instituto Federal-Sul-Riograndense (IFSul), de Lajeado, ele foi da primeira turma do Programa Trilhas da Inovação, realizado a partir de parceria do governo municipal com o Senai.

Após a introdução áreas ligadas à tecnologia da informação, desenvolvimento de softwares, robótica e automação na indústria 4.0, o estudante foi selecionado como Jovem Aprendiz.

Hoje mantém uma rotina de formação conjunta no Ensino Médio com um técnico e aprofunda os conhecimentos em automação no Senai. “Tive uma oportunidade e que está fazendo muita diferença. Me sinto muito mais preparado.”

Ciclo difícil de romper

O Conselho Tutelar de Lajeado acompanha 200 jovens que abandonaram os estudos. As famílias foram notificadas e as informações estão em posse do Ministério Público. Deste total, 90 alunos são do Ensino Fundamental e o restante, 110, são do Ensino Médio.

Tratam-se de famílias em situação de vulnerabilidade, muitas acompanhadas pela rede de amparo da Assistência Social. Na maioria dos casos, a evasão escolar é um resultado da falta de estrutura familiar, como casos de alcoolismo, dependência química, entre outras fragilidades sociais.

“Os jovens vão se distanciando da sociedade. Isso leva à marginalização, ao crime, ao tráfico. É um ciclo muito difícil de romper e também doloroso, pois estamos falando daqueles que serão o futuro”, avalia Cintia. Uma das políticas em curso é o programa “Se Liga no Futuro”, com adolescentes atendidos pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Espaço da Cidadania, de Lajeado.

Na tarde de ontem, jovens carentes participaram de formação voltadas no aperfeiçoamento de currículo, busca de certificações, identificação de competências e preferências, orientações sobre processos seletivos e comportamento profissional. Conforme a psicóloga Ane Lis Schardong, é fundamental auxiliar os jovens na busca pela inserção profissional e no amparo para permanência escolar.

“Nossa ideia é trazer os jovens e prepará-los para o ambiente profissional. Também é um momento de incentivo ao estudo para que tenham mais oportunidades no mercado de trabalho e opções de renda para contribuir com a família.”

 


ENTREVISTA  – Sérgio Diefenbach, promotor de Justiça

“O que salva uma vida é a perspectiva de futuro”

A Hora – Quais as características da evasão das escolas?

Sérgio Diefenbach – Essa trajetória da infância e juventude mostra um fenômeno contínuo ao longo dos últimos anos, antes mesmo da entrada no mundo do trabalho.

Muito disso passa pelo desencantamento com a própria educação, algo que se agravou com a pandemia. Os jovens que não estavam entusiasmados com o próprio aprendizado, se afastaram e perderam o vínculo e o ritmo.

Esses comportamentos, comuns na pré-adolescência, surgem com mais força. Com a pouca perspectiva e atividades fora da escola, desaprendem algo básico, que é como aprender.

Quais as consequências disso?

Diefenbach – São duras e tendem para duas trilhas. A primeira é esse jovem virar vítima de alguma atividade ilícita ou danosa. Outra do subemprego. Assumem trabalhos árduos, de pouca perspectiva, poucos horizontes. Desse modo, o jovem precoce nesse trabalho informal, em cinco anos, se frusta. É atingido pelo cansaço e adoece.

O Vale apresenta números melhores quando comparado ao país. Ainda assim existem bolsões de miséria, com menores envolvidos em atos infracionais. Como enfrentar isso?

Diefenbach – Cada escola tem um controle total de matriculados. Sabem se estão em situação de evasão ou próximo disso. A cada virada de ano, os colégios analisam os dados e adotam postura de busca ativa. Consultam as famílias, tentam entender o que está acontecendo. Quando isso não acontece, chega para o MP. Chamamos os pais e os adolescentes para esse resgate, para que volte à escola.

Em Lajeado, temos no Pacto pela Paz, o programa “Cada Jovem Conta”. A cidade foi dividida em quatro territórios. Em cada um deles, a escola vira o centro dos debates. A rede de amparo se reúne e aponta dez jovens em situação mais precária e risco de comportamento violento, de evasão ou algo do tipo. Em cima disso, cada família passa a ter um olhar próximo. As equipes fazem visitas, conversas, chamam para ver o que está acontecendo, como uma forma de contribuir.

Qual o olhar que a rede de amparo e proteção precisa ter?

Diefenbach – Cada ser humano é único. Tem sua história, seus traumas, suas qualidades e suas rotinas. É um equívoco pensar que cada pessoa é dona do seu destino. As circunstâncias da vida interferem no indivíduo desde o nascimento.

Falamos muito do emprego, que ele garante sentido à vida. Sempre que posso, convido as pessoas a pensar. Não é só emprego que salva vidas. O que salva uma vida é a perspectiva de futuro. É essa pessoa se sentir valorizada, respeitada, seja no ambiente de trabalho, no bairro ou na sua rua. Isso dá significado à existência. Muito mais do que propriamente o emprego.

 

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