Ao futuro

Opinião

Júlia Amaral

Júlia Amaral

Jornalista

Colunista do Caderno Você

Ao futuro

Com uma câmera na mão e uma caneta na outra, uma moça desconhecida entrou no pátio que abriga o salão Pimenta Negra e Ateliêr Débora Tatiane. Não dava para ver, mas talvez o cabelo preso escondesse os cachos bagunçados. Enquanto a estranha era recebida pelas donas dos empreendimentos, uma menina de não mais do que três anos apareceu na porta do atelier.

O contraste entre pequeno black power e os olhos claros não deixariam Aurora passar despercebida. E, mais do que beleza, a pequena entregava simpatia. Assim que a moça terminou de fazer as fotos, Aurora quis ver. Entre gargalhadas percebeu que quem a jornalista fotografava eram as suas tias, Cátia e Débora.

Aurora não sabe, mas suas tias foram entrevistadas porque tem o cabelo como o dela. Aos três anos ainda não dá para perceber que o simples fato de se orgulhar dos cabelos crespos é motivo de pauta e capa de caderno de jornal.

Mas não vai demorar muito para Aurora entender que seu pequeno black power é mais do que um penteado. Logo ela vai aprender que cada um de seus cachinhos contam uma história bonita, mas que muitos ignoram e fingem que não tem importância: a história do povo negro brasileiro.

Aurora não pode escolher entre saber ou não saber dessa história, porque é a história dela, e ela nem vai ter como esquecer disso, porque, para o bem ou para o mal, ninguém vai deixar. Está nos cabelos, na pele, estampado no rosto. E estamos no Brasil.

Não dá para prever em que pé o mundo estará quando Aurora for adulta. Mas, se mulheres como suas tias seguirem estampando o orgulho da cor no jornal e mais pessoas passarem a se interessarem genuinamente pelo o que elas têm para dizer, talvez as coisas estejam melhores. A moça com a câmera e a caneta na mão torce e trabalha por isso.

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